Em 21 de junho de 1919, junto com o solstício de inverno, surgia Antônio Gonçalves Sobral, na cidade gaúcha de Santana do Livramento. Logo se foi com a família para São Paulo, morando no Brás.
Hoje, NELSON GONÇALVES completaria 92 anos. O Boêmio partiu numa noite de sábado, no Rio, em 18 de abril de 1998.
Dos cantores populares, o melhor do mundo.
Pelo que hoje se ouve nos rádios, jamais voltaremos a ter algo parecido, nem em sonhos. E isso que usava somente um terço da sua voz, mais não precisava.
A rede e as bibliotecas do mundo são pródigas em informações sobre a sua vida, então aqui diremos poucas palavras.
Suou a camisa, como engraxate, tamanqueiro, jornaleiro, mecânico, garçom e pugilista (com 16 anos, peso médio - 69 Kg - campeão paulista), até ser reconhecido. Já no Rio de Janeiro, Ary Barroso, que além de grande compositor e apresentador de shows de calouros era especialista em dar mancadas, gênio destemperado, o aconselhou a desistir. Podemos imaginar o que significa para um cantor iniciante ouvir isso de um gigante de sua época. Não desistiu. No dia em que não o reprovaram em concurso de cantores sem antes ouvi-lo direito, tudo mudou.
Nelson era taquilálico (falava rápido demais, precipitadamente), o que era confundido com gagueira e lhe valeu o apelido de Metralha. A boca não se dava bem com uma parte do cérebro, e este, sendo mais rápido... Milagrosamente, a "gagueira" sumia quando cantava.
Com o sucesso Nelson também ganhou problemas sérios com drogas (nesta seara os problemas sempre são sérios), algo não, digamos, incomum, nesse meio (tomar coragem para enfrentar grandes platéias no início da carreira? Modismo? Pediríamos aos psicólogos e psiquiatras para explicarem, caso estes não fossem todos malucos). Dizia: "É mais fácil sustentar dez filhos que um vício". Quando o enjaularam por 30 dias em 1965, Adelino Moreira foi visita-lo. Ao ver o amigo no cárcere, Adelino sucumbiu e chorou copiosamente. De trás das grades veio o vozeirão: "Não se preocupe, Adelino, vai ficar tudo bem de novo".
Gostava de falar, e não era de meias palavras, abria a "metralha" e ia dizendo tudo, de um jeito que para alguns era incômodo, áspero, mas que nada mais era que o seu modo honesto de se comunicar, pura sinceridade, sem refinamentos nem frescuras.
De vida atribulada, intensa, foi o retrato de muito do que cantava. Mulherengo a dar com um pau, bom copo, amicíssimo e com temperamento de vulcão em estado de latente erupção, se esquentar mais um pouco sai fogo. Um tantinho saudosista, como todos os boêmios: "O Rio de antigamente é minha grande saudade. Ninguém assaltava. Você saía do Dancing Avenida com duas mulheres, uma em cada braço, e vinha andando da Lapa até a Glória. Ninguém mexia com você”. Dos nossos. Epa, nós é que somos dos dele, e olha lá.
De vida atribulada, intensa, foi o retrato de muito do que cantava. Mulherengo a dar com um pau, bom copo, amicíssimo e com temperamento de vulcão em estado de latente erupção, se esquentar mais um pouco sai fogo. Um tantinho saudosista, como todos os boêmios: "O Rio de antigamente é minha grande saudade. Ninguém assaltava. Você saía do Dancing Avenida com duas mulheres, uma em cada braço, e vinha andando da Lapa até a Glória. Ninguém mexia com você”. Dos nossos. Epa, nós é que somos dos dele, e olha lá.
Já maduro, andava pelo país todo, às suas expensas, dando palestras em escolas. Assistimos a uma. Contava à moçadinha o drama que viveu e os horrores que cometeu, chegando a bater nos seios da moça - uma fã - que o recolheu andando a esmo pela rua, em 1965, e o levou para a sua casa, quando todas as portas haviam se fechado. Com paciência, resignação e amor, Maria Luiza recuperou o Boêmio, e veio a tornar-se sua companheira por 32 anos, 13 filhos, sendo 10 adotivos (olhaí os 10), gente como o Boêmio sempre dá um jeito de fazer o bem, mais ainda quando tem algum no bolso.
Muitas histórias cercam a sua trajetória, alguns escrevem livros, todos querendo ganhar em cima do seu nome, com poucas verdades e muitas mentiras. Triste, mas compreensível. Afinal, por 55 anos, de 1943 a 1998, o homem foi uma lenda viva.
Muitas histórias cercam a sua trajetória, alguns escrevem livros, todos querendo ganhar em cima do seu nome, com poucas verdades e muitas mentiras. Triste, mas compreensível. Afinal, por 55 anos, de 1943 a 1998, o homem foi uma lenda viva.
Em 1976 gravou o LP "Nelson até 2001", incluindo a sua milésima canção. No disco cantava Depois de 2001, dele e do Adelino: "Só pretendo morrer / Depois de 2001 / E se deus do céu quiser / Sem inimigo nenhum", para gritar ao final: "É no gogó, Gugu!", referindo ao filho caçula. Era até quando pretendia viver, pelo menos. Dizia sorrindo, naquele jeito apressado: "O velho vai até 2001, rindo da vida". Por pouco, Nelson, por pouco.
Um caso raríssimo de longevidade artística: se vivo fosse, estaria gravando e vendendo até agora. Com os novos recursos tecnológicos, gravar a cada ano se tornava uma brincadeira mais fácil.
O velho era foda, a cada ano reafirmando sua condição de recordista nacional de vendas, gravando tudo o que achasse bom. Exemplos: Lobão (Me chama), Arnaldo Antunes e Marisa Monte, do Paulinho da Viola (De mais ninguém), Kid Abelha, de Paula Toller/Herbert Vianna (Nada por mim), Legião Urbana (Ainda é cedo) e Lulu Santos/Nelson Motta (Como uma Onda).
Um ano antes de morrer, em 1997, levou mais um disco de ouro, pelo "Ainda é cedo". Em 1998 Adelino Moreira estava finalizando "Lua Namoradeira", que compôs para a sua voz. Não deu tempo, este coração...
Sem jamais lamber as botas do colonizador, gravou em bom português mais de duas mil canções, 183 discos em 78 rpm, 128 álbuns, vendeu cerca de 80 milhões de discos, ganhou 38 discos de ouro e 20 de platina. Os ouros não foram ganhos pelas simples 100.000 cópias, eram milhões, mas na época ainda não havia discos de platina e diamante. Teve seus discos vendidos em todo o mundo.
Na América Latina, parte da Europa e em países de língua portuguesa não surpreende. Surpreende é vender bastante na China, e chegar ao primeiro lugar nas paradas de sucesso na Bélgica, em 1975 (com a música "Naquela Mesa", do Sérgio Bittencourt).
O Boêmio é o verdadeiro Rei do Brasil, não da mídia. Esta teve de curvar-se, como aqueles que o rejeitavam no início da carreira. Essa mídia ladra e pernóstica diz que o maior vendedor de discos do Brasil é o Coberto Ralos, uma grosseira inverdade, repetida incansavelmente para manter seus lucros. Os dados não são confiáveis, mas todo mundo sabe que o maior vendedor sempre foi a dupla Tonico e Tinoco, excomungada pela "elite" em seus rega-bofes de palácios, mas que atingia a alma do sofrido povo brasileiro, explorado e mantido inculto pela mesma elite cafifa.
Com o Boêmio a pancada é mais embaixo, atingia a todos: o ouvinte de Tonico e Tinoco, do Coberto Ralos e de Mozart, com todos os intervalos entre um e outro.
O velho era foda, a cada ano reafirmando sua condição de recordista nacional de vendas, gravando tudo o que achasse bom. Exemplos: Lobão (Me chama), Arnaldo Antunes e Marisa Monte, do Paulinho da Viola (De mais ninguém), Kid Abelha, de Paula Toller/Herbert Vianna (Nada por mim), Legião Urbana (Ainda é cedo) e Lulu Santos/Nelson Motta (Como uma Onda).
Um ano antes de morrer, em 1997, levou mais um disco de ouro, pelo "Ainda é cedo". Em 1998 Adelino Moreira estava finalizando "Lua Namoradeira", que compôs para a sua voz. Não deu tempo, este coração...
Sem jamais lamber as botas do colonizador, gravou em bom português mais de duas mil canções, 183 discos em 78 rpm, 128 álbuns, vendeu cerca de 80 milhões de discos, ganhou 38 discos de ouro e 20 de platina. Os ouros não foram ganhos pelas simples 100.000 cópias, eram milhões, mas na época ainda não havia discos de platina e diamante. Teve seus discos vendidos em todo o mundo.
Na América Latina, parte da Europa e em países de língua portuguesa não surpreende. Surpreende é vender bastante na China, e chegar ao primeiro lugar nas paradas de sucesso na Bélgica, em 1975 (com a música "Naquela Mesa", do Sérgio Bittencourt).
O Boêmio é o verdadeiro Rei do Brasil, não da mídia. Esta teve de curvar-se, como aqueles que o rejeitavam no início da carreira. Essa mídia ladra e pernóstica diz que o maior vendedor de discos do Brasil é o Coberto Ralos, uma grosseira inverdade, repetida incansavelmente para manter seus lucros. Os dados não são confiáveis, mas todo mundo sabe que o maior vendedor sempre foi a dupla Tonico e Tinoco, excomungada pela "elite" em seus rega-bofes de palácios, mas que atingia a alma do sofrido povo brasileiro, explorado e mantido inculto pela mesma elite cafifa.
Com o Boêmio a pancada é mais embaixo, atingia a todos: o ouvinte de Tonico e Tinoco, do Coberto Ralos e de Mozart, com todos os intervalos entre um e outro.
A seguir, três canções. Tal a discografia do homem, é muito difícil selecionar três, mesmo que a rede, descontadas as repetições, tenha somente uns 5 por cento da obra. Enfim...
A todos os amigos, em especial a Dolores.
A todos os amigos, em especial a Dolores.
Revolta (Nelson Gonçalves, letra, e Raul Sampaio, música), de 1959.
Renúncia (Mário Rossi, letra, e Roberto Martins, música), o seu primeiro grande sucesso, de 1943, aqui com Tim Maia.
O negócio é amar (Dolores Duran - Carlos Lyra), com Fafá.
Em São Paulo a sua filha Lílian Gonçalves, butequeira que de tão boa já é chamada de Rainha da Noite, é dona do Bar do Nelson, o bar do boêmio, reduto desta raça única que são os boêmios, e ponto de encontro de compositores, cantores, artistas, que abre as 4 da tarde e vai até o último cliente, música ao vivo sem parar e num clima de... ah, os boêmios entendem. Lá a Dercy Gonçalves comemorou os seus 103 anos (a certidão diz 101, mas feita com dois anos de atraso, diz ela, nos idos de 1907, e estava há um mês comemorando, não sossegava: aos 103 e caindo na noite!), no que foi a sua última apresentação, partiu 5 dias depois.
(Obs: Lá pelos idos de 1995, um cidadão, Sérgio Tadeu Vargas Côrtes, homem excepcional, grande contista, uma visão de mundo..., com aqueles olhos de mouro, estrelas, que viam o Universo de dentro da tenda nas noites do meio do deserto..., generoso, invadiu minhas gavetas e decidiu fazer um livro, e quem o demove?, Selecionou uns 20 contos. Ainda bem que não abriu a gaveta bem de baixo. Saiu: Pela Noite. Sobrou para mim na hora de lançamentos em casas de cultura, anúncio em rádios, jornais, a lenga de sempre. Eu não gostava, esse comércio é fogo. Convenceu-me a dar palestras em universidades, PUC, UFRGS, etc. Eu empurrava um copão de uísque, para espantar a timidez e lá ia. Um dos contos se intitulava Hoje tão longe, alusão direta à Revolta, que nunca esqueci por ouvir no rádio nos verdes anos, 4, 5 ou 6 de idade. Na PUC, na Federal e em outras foi uma festa, com a moçada da literatura, publicidade e outros bichos, era autógrafo, queriam me comer e tal. Até que um dia ele me arrastou para uma particular, especial para doutorandas e mestrandas em educação, psicologia e ciências sociais, sei lá, professoras. Escolheu o conto Hoje tão longe para ser lido. Eu tinha uns 40 ou 41 anos. Lá fui eu e meu chapéu, com aquele copão. O Sérgio foi lá na frente ler o conto, eu falaria ao final, com perguntas e tal. Na metade da leitura o enorme salão estava vazio, foram saindo uma por uma. Ele me disse que errou, o conto era "muito forte", o herói era um gigolô de putas de rua, tinha palavrões e mortes no texto. Doutorandas... Um conto que botou abaixo a meninada e a cidade? Aí larguei de mão, me desculpe, meu amigo, nessas não vou mais. Aprendi muito naquela tarde. Daria um conto.)
(Obs: Lá pelos idos de 1995, um cidadão, Sérgio Tadeu Vargas Côrtes, homem excepcional, grande contista, uma visão de mundo..., com aqueles olhos de mouro, estrelas, que viam o Universo de dentro da tenda nas noites do meio do deserto..., generoso, invadiu minhas gavetas e decidiu fazer um livro, e quem o demove?, Selecionou uns 20 contos. Ainda bem que não abriu a gaveta bem de baixo. Saiu: Pela Noite. Sobrou para mim na hora de lançamentos em casas de cultura, anúncio em rádios, jornais, a lenga de sempre. Eu não gostava, esse comércio é fogo. Convenceu-me a dar palestras em universidades, PUC, UFRGS, etc. Eu empurrava um copão de uísque, para espantar a timidez e lá ia. Um dos contos se intitulava Hoje tão longe, alusão direta à Revolta, que nunca esqueci por ouvir no rádio nos verdes anos, 4, 5 ou 6 de idade. Na PUC, na Federal e em outras foi uma festa, com a moçada da literatura, publicidade e outros bichos, era autógrafo, queriam me comer e tal. Até que um dia ele me arrastou para uma particular, especial para doutorandas e mestrandas em educação, psicologia e ciências sociais, sei lá, professoras. Escolheu o conto Hoje tão longe para ser lido. Eu tinha uns 40 ou 41 anos. Lá fui eu e meu chapéu, com aquele copão. O Sérgio foi lá na frente ler o conto, eu falaria ao final, com perguntas e tal. Na metade da leitura o enorme salão estava vazio, foram saindo uma por uma. Ele me disse que errou, o conto era "muito forte", o herói era um gigolô de putas de rua, tinha palavrões e mortes no texto. Doutorandas... Um conto que botou abaixo a meninada e a cidade? Aí larguei de mão, me desculpe, meu amigo, nessas não vou mais. Aprendi muito naquela tarde. Daria um conto.)
Uma lenda eternizada. Meu sonho era conhecer, ouvir e ver cantando pessoalmente.
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