martes, 26 de octubre de 2010

Meia-noite no buteco

Ontem lá pela meia-noite, no bar Vagão da Meia Noite, próximo a Usina do Gasômetro, Juanito Diaz Matabanquero (sim, Mr. F. Febraban; sim, Dan, ele está aqui, e com as costas bem guarnecidas, então vão tirando o cavalinho da chuva), João da Noite e eu tomávamos uma das muitas que antecedem a antepenúltima enquanto ajustávamos uns detalhes de algo que precisamos fazer nesta semana, quando alguém mexeu no telão do bar, que reprisava um velho show do Noite Ilustrada. (Viram o que tem de "noite" no parágrafo? Pura coincidência).

Do show saltou para um debate ao vivo entre candidatos.
João da Noite, que contava uma passagem de sua história com uma gringa de Nova Bassano a quem muito amou,  ilustrando com o samba do Vanzolini que diz "...reconhece a queda e não desanima, levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima", gravado pelo velho Noite, repentinamente pára de falar, abre os braços e reclama: "Era só que o me faltava, um politicalho e uma politicalha". Opa, disse eu, fala baixo, João.

A mexida na tevê foi obra de um magrelo nervoso, que plantou-se bem à frente do aparelho e ficou roendo as unhas, na torcida por um dos..., hummm, bem, um dos candidatos.

A mesa ao lado, lotada de gente feliz, morreu instantaneamente, todos levantaram e foram embora. Os dois boêmios da mesa do fundo, já altíssimos do chão, que matutavam algum recuerdo, trataram de tirar uma soneca, em dois minutos ressonavam sobre a mesa, um sono reparador, eles merecem, todo boêmio é um menino grande.

João, de frente para o telão, contrariado, fixa nele a sua atenção. Eu sigo falando baixo com Juanito, ele me dá conta do problema que Miquirina Segundo teve com os ladrões de cabras lá nos altos do pastoreio. Calçou o pé na macega e feriu quatro dos cinco, mas sofreu um corte feio no braço, não fosse a chegada de Kafil acha que o perderíamos.

"Debate é apelido!", grita João da Noite. "Isso é briga de rua, briga de bugio, baixaria, mas é tudo verdade o que dizem um do outro, é pouco!". O magricela com desagrado mira de soslaio para trás, mas dá de cara com Juanito e num átimo se arrepende.

"Psit, João, fala mais baixo", tornei a dizer.

João se descontrola fácil, diz que neste mundo o pobretão que não é recalcado é mentiroso ou alienado. Faz sentido. E ele também é, digamos, um pouco espalhafatoso de nascença, mas me atende e dá uma baixada na bola. Sem elevar a voz entra numa de ironia grossa. Fazendo cara de santo: "Querem matar um ao outro, mas por quê, ó Jeová, tanto fingimento, o que será que eles querem ganhar, no fundo, claro que não é dinheiro e cargos para o seu bando, o que será então, ó Osíris?".

Sigo achando sem graça a conversa, mas Juanito não se aguenta, rompe em sonora gargalhada, e segue em ataque de riso, à beira das lágrimas balbuciando: "No, es por amor a "Bracil".

João acaba rindo junto. O que faz a bebida.

O magrelo da primeira fila desta vez não olhou.

E João se adonou da palavra, quando a molha só ele fala. Afirmou, desfiando um sem número de razões, que esse tipo de circo é transmitido assim tão tarde para proteger as crianças, nossos órgãos de imprensa são muito responsáveis.

Faz sentido.

Emaranhou-se conectando e desconectando pensamentos, falou em novela das nove, do aleijume cerebral de alguém chamado faustão topo-gigio, e em dez minutos voltou atrás, dizendo que, pensando melhor, assim está tudo errado: o certo é o contrário, é o debate ser visto apenas por crianças, únicas pessoinhas que poderiam se divertir com os comediantes.

Eu já com dificuldades em me concentrar, tanta coisa a fazer nos próximos dias. Mas faz sentido. Imaginei a criançada rolando de rir pela sala. Mas infelizmente é para outra espécie de crianças, que a esta hora também dormem. Acaba estourando a bomba nas mãos dos notívagos.

Juanito contestou: hijos mios no, señor, pornografia no.

E ficaram trocando belas impressões sobre tão "empolgante" assunto. João parece ter lido meus pensamentos e observa: "Isto é para ninguém ver agora, estão encenando para passar depois no horário político obrigatório".

Entendi: os joões decidiram me estragar a noite em português e em espanhol. Sorvi a loira gelada. Loira me faz bem ao fígado, o que me faz mal são alguns políticos e todos os "pastores", como os amigos sabem. Afastei-me em devaneio, passei a elaborar mentalmente os nossos compromissos - meu e de Juanito - para quarta-feira.

Ressurge, vibrante, o filósofo político: "Sim, senhores, isto não é para adultos, estes se sentem subestimados, maltratados, insultados, se ofendem e trocam de canal ou desligam a droga da tevê". O magricela ouviu mas ficou frio.

E sobe o tom: "O que me espanta é que não têm pudor, como podem fazer isso diante de seres pensantes, não têm vergonha de se mostrarem assim, como profissionais do engodo, eles sabem que nós sabemos e estão nem aí, como sabem que depois das verdades que se dizem em público, depois de semearem discórdia e violência, de estuprarem a laicidade do estado e tudo que encontram pela frente, acabarão em elogios mútuos, abraçados falando em pacificação. Sério é o Siririca, o povo é sábio. Essa hipocrisia causa dano, não funciona no dia a dia do povo magoado".


Minha vez de ironizar: "Bravo, João, ganhou meu voto!, mas o nome do cara é Tiririca".
Pero faz sentido. Como o papo engrossou eu sugiro: "João, vamos mudar de assunto, essa palhaçada acaba em uma semana, faz de conta que acabou ontem".

Por ter ouvido o João, ou por magoado, o dono do buteco achou o controle remoto e de cara feia clicou com raiva, passando para um noticiário, rosnando: "Mas vão os dois pra tonga da mironga!".
O magricela saiu apressado, deixando a água mineral pela metade.
Fez bem o dono da baiúca, mais cinco minutos e ele iria ter como companhia somente o magro e os anjinhos dorminhocos.

"A Tonga da Mironga do Kabuletê" é um samba do Toco e do Poetinha, caiu no gosto popular há décadas, pelo final "... vou lhe rogar uma praga, eu vou mandar é você, pra tonga da mironga do kabuletê". Algo como mandar alguém longe,  mas Vinícius de Moraes dizia que em nagô isso tem um significado um pouco mais preciso.

Com essa, João da Noite se dobrou sobre a mesa e sussurrou: "Ei, gente, esse negócio de tevê em buteco é pra inglês ver, é melhor a gente terminar a noite com samba da Casa do Barão".

Esse é o João, uma hora dando discursos terríveis, em seguida um doce e amoroso guri.

Juanito topou imediatamente, afinal está de visita na cidade, quer espairar.

Eu assenti, sob a condição de que ele pelo resto da madrugada não viesse com papo furado como o de agora. Concordou sorrindo: "Feito, Salito, vamos ouvir a Banda da Lapa e olhar as mulheres, só".

E fomos. Rever Cláudio Barulho e a Banda em noite de primavera.

A Lapa é aqui.


No hay comentarios.:

Publicar un comentario