Na coluna Vinho & Coisa e Tal, do JB de 17/10/2010, o sempre elegante Reinaldo Paes Barreto trouxe um tema interessante que pode ter passado despercebido aos candidatos à presidência e seus séquitos de puxadores. Jamais para João da Noite e companheiros aqui do AE. Para a turma da boemia a história não é nenhuma surpresa, posto que desde muitos séculos é repetida noite adentro pelos bares, tradição oral entremeada por muitos brindes, principalmente nas comemorações de 23 de abril.
Vale a pena reproduzir. Preste atenção, caro arcebispo ecuatoriano aí no bairro da Glória, nada de tempestade em São Sebastião: isso servirá para que o nobre onanista abstêmio pense melhor antes de promover achaques contra Salito. Lendo o que o seminário proibia, talvez um dia ainda se desfaça das vestes coloridas, compre um chapéu de homem e se transforme num festivo cidadão de palavra molhada.
"Como tantos gênios, Shakespeare era alegremente pinguço! Beer or not to beer?
Que Shakespeare foi o maior poeta e dramaturgo da Inglaterra e um desses homens-oceano que surgem de mil em mil anos para botar no papel e no palco “a dor de viver”, todo mundo sabe. Mas que era chegado a uma cervejota, nem todos sabem.
Mas era.
William Shakespeare faz 14 menções à palavra "Ale" e cita cinco vezes a palavra "beer" ao longo de sua obra (cerca de 40 peças). Isso nos leva a duas conclusões: uma é que no tempo de Shakespeare - ele viveu de 1564 a 1616 - a cerveja já era uma bebida muito popular; e, a outra, é que além de gênio, o bardo de Avon gostava de uma “loura”, ainda que vagamente morna.
E isso porque a adição do lúpulo à fórmula da cerveja -- produzida até então apenas pela mistura da água, malte e aromatizantes, como a camomila, o gengibre, o zimbro e o açafrão – introduzida pelos monges, nos anos 700, serviu não apenas para “puxar” o sabor para o amargo mas, e sobretudo, para evitar que ela se deteriorasse rapidamente.
Graças a essa longevidade, a bebida se disseminou pela Europa nos séculos seguintes, sobretudo pela Inglaterra, pela Irlanda, pela Alemanha, pela Holanda e pela Bélgica – até hoje matrizes de algumas cervejas de excelente qualidade.
Mas é a Inglaterra que nos importa neste texto.
Como se divertir em Stratford-Upon-Avon, no século 16, além do teatro e das peças ao ar livre? O vilarejo era um burgo remoto no noroeste da Inglaterra (170 km de Londres), imerso em cerração, chuva e frio, que desde o seculo 11 foi transformado oficialmente em cidade-mercado. Tanto que ainda hoje as ruas se chamam “Rua das ovelhas”, “Rua da madeira”, “Rua da Lã”, “Rua dos vegetais”, por aí.
Bebendo cerveja. De preferência “ales”.
Parênteses: o pai do poeta – John Shakespeare – que fabricava tintas, bolsas e luvas de couro, e as vendia num balcãozinho colado à parte da frente de sua casa, ganhou bom dinheiro e acabou elegendo-se vereador. Depois, em 1556, assumiu uma posição importante no município: tornou-se o provador de cerveja da cidade!
Sua função era assegurar que os pesos, medidas e preços fossem cumpridos corretamente. Ou seja: o DNA cervejeiro transitou de pai pra filho!
Mas mesmo bom de copo, foi graças a ele, John, que William Shakespeare se tornou um extraordinário poeta e o maior dramaturgo inglês, provávelmente do ocidente. Isso porque foi ele que “obrigou” o menino a frequentar a escola e ter aulas de gramática, – coisa rara para crianças não-nobres, naquele tempo.
Corre o tempo. Aos 18 anos, o jovem William se casou com Anne Hathaway, filha de um rico comerciante amigo de seu pai. Quando se casaram, ele tinha 18 anos e ela...25. Estava grávida de três mêses: c’est la vie!
Logo depois do casamento, Shakespeare partiu pra luta. Aprendeu latim e foi para Londres, onde em pouco tempo tornou-se razoavelmente conhecido. Lá, segundo registros de propriedades, compras de terras e investimentos, tornou-se um homem rico. Tanto que tornou-se sócio do Globe Theatre, um empreendimento teatral que reunia grandes autores e atores e tinha por sede um edifício de forma octogonal, com abertura no centro. Detalhe: todos os papéis eram representados pelos homens, sendo os mais jovens os encarregados de fazerem os “roles” femininos.
Próspero, fazia a “ponte aérea” Londres-Stratford e em 1597, comprou a segunda maior casa de Stratford, a New Place, atrás da primeira, onde nasceu. E lá, de 1601 a 1608, se dedicou a escrever Hamlet, Otelo e Macbeth, sua trilogia de ouro.
Mas em 1613 o Globe Theatre foi destruído pelo fogo e Shakespeare teria sofrido um baque e resolvido se desligar do Globe para voltar definitivamente a Stratford, onde a família o esperava.
Morreu três anos depois, aos 52, no mesmo dia em que nasceu – 23 de abril.
Causa-mortis: porre! Morreu de tanto beber.
Mas nenhum outro homem de teatro – antes ou depois – desceu tão fundo pelos corredores da alma humana, para depois perguntar: ser ou não ser?".
Taí. Dizem alguns que bebia em excesso por ser profundamente corno, mas isso é uma calúnia espalhada pelos políticos e arcebispos da época, por motivos que todos sabemos. Em relação aos pastores, some-se o fato de que julgavam o grande escriba um católico recusante. Façamos-lhe justiça, era ateu, mas naquele tempo isso era muito perigoso, imperava raivosa ignorância, até se falar em aborto e saúde pública era tabu, não como agora, 500 anos depois, onde não existe mais fanatismo religioso a serviço de aproveitadores, daí que o velho Shakes se fechava em copas nesses assuntinhos.

Exageros à parte, convenhamos que uma quota diária de meia-dúzia de chopinhos tirados no capricho, geladérrimos e com colarinho de dois dedos, aliada ao mesmo número de bolinhos de bacalhau feitos na hora, não leva ninguém para a comunidade celestial antes do tempo. Sim, um copito de tequila ou de trigo-velho gelado pode acompanhar, para garantir aquele calorzinho ardido na garganta. Estamos de acordo com a Divina Elizeth, que cantava os belos versos de Luís Antonio: "Eu bebo sim, estou vivendo, tem gente que não bebe e está morrendo".
É verdade, quando se mandou para Londres ficou longe da mulher por 20 anos, porém isso é algo muito natural, para nós que pela tevê conhecemos madames de igual estirpe. Sobre as dezenas de mulheres que o amavam em madrugadas inesquecíveis os seus detratores se calam. Na realidade, a difamação tem a perfídia como substrato. A muitos era intolerável vê-lo pelos botequins, solitário na mesa 8 mirando o copo como se nada em volta existisse, entornando com firmeza preciosos líquidos, não raro sofrendo violentos repentes e acorrendo transfigurado ao seu bloco de anotações. Depois, exultante, olhos brilhando, gritar: "Mais uma na 8, portuga!". Os políticos e os padres, aflitos, mal dissimulando a malévola angústia, se perguntavam: o que será que lhe vai pela cabeça? Sim, noturnos irmãos, a inveja é coisa antiga.
Ao saber da calúnia dos senhores de boca seca e de vestido carmim, Shakes foi definitivo: "A suspeita sempre persegue a consciência culpada; o ladrão vê em cada sombra um policial".
Saúde, William!
.
No hay comentarios.:
Publicar un comentario