Por Síndia Santos
Era o início de uma tarde de sábado quando o telefone tocou. Meu marido subiu as escadas que o levavam ao quarto, onde empolgada, eu descobria a dualidade partícula-onda que compõe a matéria na física quântica.
- Qual a senha do seu e-mail?
Lancei-lhe um olhar que misturava despreocupação e reprovação e voltei à leitura. O livro me enlouquecia ao reconstruir o conceito de realidade, apontando-a como coisa indefinível, universo participativo que transmuta diante do observador, se manifestando horas por partículas e horas por ondas. Caía por terra a divisão de Newton, onde as partículas formavam a matéria e às ondas cabia constituir aquilo que não era fundamental em si.
- Segura minha mão.
A mão do meu marido era partícula que tremia e suava. Por um instante, me transformei em onda e fui o frio que brotava de seus dedos.
- Você tem um amante?
Quis mentir. Que diferença faria mais uma mentira entre todas aquelas que havia inventado em dez meses? E o que era mentira senão uma das faces daquele mingau de infinitas possibilidades que era a realidade, como apontava o livro. Paradoxalmente, eu tinha e não tinha um amante.
- Tenho.
Minha confissão causou um colapso na minha existência, assim como a realidade que se fixa quando observada. Repousei o livro sobre a cama, a atenção se interiorizou em acusações e explicações que nunca seriam possíveis. Vaguei no interior de um átomo e feito os elétrons de Niels Bohr, vi a verdade saltar descontinuamente entre consciência e razão. De repente, quando menos esperava, ela escapuliu num motim há muito ensaiado que uníssono me açoitava: adúltera!
Traí uma relação de nove anos, pesava-me a razão. Contudo não me traí, rebatia a consciência. Adultério é aquilo que acontece quando nos recusamos a ouvir o que o corpo tem para dizer. Adultério, ad alterum torum, palavra que vem do latim e significa na cama de outro. Na cama de outro apunhalei pelas costas o que eu era, bicho morto, renasci.
(Segue AQUI)
* Síndia Santos é jornalista e escritora, alma do Fiandeira
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Tens razão, o conto é muito bom, não conhecia, imagino que a autora tenha outros textos bons, vou acompanhar...Abraços Maria
ResponderBorrarVai "piorar", de melhorar, na parte 2, depois a 3... A Síndia é única, sou feliz por ser seu camarada.
ResponderBorrarBjus