domingo, 24 de abril de 2011

Daqui para a frente...

.
Na Palmeira das Missões dos anos de 64 a 72, quando sumi do mapa, forçado pelas circunstâncias, as coisas não eram muito misturadas, havia ainda um certo ranço,  tipo nós aqui e vocês lá, na divisão do espaço. Só do espaço, pois raiva, espanto e felicidade ninguém nos tira. Nunca sofri disso na própria pele, sei lá se por meio tantã ou por jogar futebol, ou pelos dois, mas eu não gostava de ver, doía demais, e tomava as dores dos pobres de paris. Não por acaso os meus melhores amigos. 

Hoje sei que tudo aquilo se acabou, pobres meio tontos e ricos larápios convivem harmoniosamente, como em todo lugar. 

Só rindo, la ilusión es dulce.

Já conhecido por Sala, eu era um garoto da Vila Nova (o múltiplo Sérgio Jockymann, que se mudou ainda guri para o mundo, era da Vila Velha, como todos sabem), e fugi de lá no glorioso dia 20 de janeiro de 1973. Eu andava com uma vontade danada de abrir um político com um faca do açougue do Seu Chico Brum, mas o Pato Martins, desde Santo Augusto, começou a me demover da idéia com um bilhete que dizia tudo: "Caia fora apenas, Toninho, nesse mundão morrer tu não vai". E me fui. Deixei amigos que a saudade mais tarde se traduziu em lágrimas, mas caí fora. 

Tomás Candal, ao passar pela Estação Rodoviária e me ver esperando um ônibus para qualquer lugar, é que liquidou o assunto, dizendo algo que hoje todo mundo sabe: "Patinho falou que tu vai embora pra sempre, parentinho, faz bem. Político é um bicho muito difícil de pegar, escorre das mãos, são lisos demais, e se conseguir pegar e abrir, tem o fedor que vem de dentro... ninguém aguenta". Pois é, o parente sabia das coisas.

Não pude me despedir do Branco (primo querido), do Vintium (amado Jesus Adelar de Lima, o Vinte e Um), do Joel Chitão (melhor taco do mundo, na cesta), do Bugrão Godói, do Mudo Doracílio, de ninguém.

Quando o ônibus arrancou, Tomás ainda correu e gritou: "Se um dia tu voltar não venha de auto...". O ônibus avançando, ele ficando para trás, quando ouvi o resto da frase: "... eles vão dizer que tu roubou...". Acho que  não ousariam, mas pelo sim, pelo não, quando voltei, 30 anos depois, levei somente o 38, e fiquei o tempo justo de abraçar os que pude ver. Não olhei esperançoso para algumas gatas de outrora: velhas antes do tempo já tinham seus múmios, seus políticos e seus granjestes. Vida boa, a que escolheram. Eu tinha a Marleizinha em Porto Alegre, sorte grande, denodo e coragem. Mas vi minha priminha e primos do tio João, vi o Mudo, o Chita, o Estigarribia, o Jupir (o Taylor estava preso, e era noite, não fui), Cesário Martinez, Polaco, tantos..., a maioria não pude ver.

Puxa, ia falar somente do conjunto "Os Tramposos", de Palmeira, e me saiu esses recuerdos.

Meninices, mania de querer sentir tudo dá nisso. Como esquecer a família Beck Sampaio, que sempre me acolheu como a um filho e irmão? Os Mendes, os Nassif,... e aqui não caberia se lembrasse todos neste exato momento, tanta gente de condição razoável pelo trabalho, gente de fina estirpe, seriedade e sincera alegria... a turma do Ouro Verde: Caco, Rubão, João Flávio, Mandioquinha, Carlos Eugênio, Canhoto, Peixoto, Sapinho... O Bife e todos os malucos queridos do time dos Pedreiros (que por vezes eu "reforçava"), e perder a cabeça por... políticos e arredores. Só eu mesmo. "Bem tu", como diz Natividad. Mas fiz bem. As besteiras estavam reservadas para Porto Alegre, e Nati não foi uma delas.

Os Tramposos era coisa muito fina, o saxofone quase tão bom quanto o do Carlos Mico ou do John Helliwell. Depois de "Os Fanáticos", do Ernesto Candal e do Luís Estigarribia (Ernesto, tocando nos bailes do ginásio: E agora pro meu primo Sala, o cara, quieto lá no fundo do salão de olho nas mulher, vai um bolero..., o filho da mãe, parava o americanês só pra dizer que me viu, o Estiga puxando no contrabaixo, quase se finando de rir do meu desagrado... ah, o Estiga, como outros merece postagens e postagens...), era o grupo que mais me comovia. Sempre achei que o Evódio, da gaita, cairia bem no conjunto, como o Estevo, da bateria, mas o negócio destes era a Zona.

Ah, a zona do meretrício, onde 21 e eu noite alta íamos de a pé subindo o morro do matadouro, para... espiar, meninos travessos. A zona onde conheci a Dona Stanislava Perkoski, o Zé Careca, Dona Sebastiana, pessoas de muito respeito. Descobri que as senhoras da nobre profissão e todos os profissionais, de músicos a porteiros, já me conheciam de nome e gostavam demais de mim, oba. 

Claro, ouviam rádio o dia todo, até sobre futebol. Sabiam até que eu nunca comparecia às festas deles. Ao 21 de Lima ninguém convidava, uma faminha... A 1 Km da cidade, chamada Vila Jardim por um dia (na sua fundação), a zona logo foi rebatizada de Brasília, por motivos óbvios, e era maior que o bairro mais populoso da velha Palmeira. 

Saudades de ti, que estavas longe. Saudades de mim, que já fui outro, como disse Hernández.

No hay comentarios.:

Publicar un comentario