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E se o Império perder os dentes?
Por Alfred McCoy e Brett Reilly, original em Tomdispatch, tradução Coletivo Vila Vudu, pinçado do Outras Palavras
E se o Império perder os dentes?
Por Alfred McCoy e Brett Reilly, original em Tomdispatch, tradução Coletivo Vila Vudu, pinçado do Outras Palavras
Num dos mais bem-vindos movimentos das forças da história, a justaposição de dois extraordinários eventos deixou a nu a arquitetura do poder global dos EUA, e todos afinal podem vê-la. Em novembro do ano passado, WikiLeaks fez chover sobre o mundo quantidades diluvianas de telegramas diplomáticos, recheados dos mais abusivos comentários formulados por diplomatas dos EUA sobre governantes de todo o planeta, da Argentina ao Zimbabwe, e estampados nas primeiras páginas dos jornais. Em seguida, poucas semanas depois, o Oriente Médio explodiu em manifestações pró-democracia e contra ditadores, muitos dos quais aliados íntimos dos EUA, alianças sobre as quais os telegramas publicados por WikiLeaks não deixam dúvidas.
De repente, viu-se o esqueleto da ordem mundial construída pelos EUA e que depende significativamente de líderes nacionais que são “elites subordinadas” fiéis a Washington, mas que, de fato, não passam de bando sortido de autocratas, aristocratas e militares ditadores. Quando se viram os aliados, viu-se também a lógica mais ampla que preside todas as decisões de política exterior dos EUA ao longo de meio século.
Por que a CIA se arriscaria, em 1965, no auge da Guerra Fria, em operações como derrubar líder prestigiado como Sukarno na Indonésia? Ou por que encorajaria o assassinato do católico Ngo Dinh Diem em Saigon em 1963? A resposta – à qual afinal se chega agora, graças às publicações de WikiLeaks e ao “despertar árabe” – é que nos dois casos tratava-se de subordinados selecionados por Washington, os quais, de repente, insubordinaram-se e se tornaram descartáveis.
Por que, meio século depois, Washington trairia todos os seus princípios democráticos declarados e apoiaria o presidente do Egito, Hosni Mubarak, contra milhões de egípcios nas ruas, só para, quando já não havia como mantê-lo no comando, indicar para substituí-lo, pelo menos no primeiro momento, o seu chefe de segurança Omar Suleiman, conhecido como chefe dos serviços de tortura que eram arrendados aos serviços de tortura de Washington? A resposta é que os dois eram também subordinados selecionados por Washington, que serviam bem aos interesses dos EUA em Estado considerado chave no Oriente Médio.
Em todo o Grande Oriente Médio, da Tunísia e Egito ao Bahrain e Iêmen, manifestantes pela democracia ameaçam, nas ruas, varrer do mapa todas as elites subordinadas, consideradas crucialmente necessárias para manter o poder dos EUA. Sempre foi assim: todos os impérios modernos dependeram de delegados que traduzissem o poder global em termos de controles locais. Mas, quando aquelas elites locais começaram a dar sinais de interesse em implantar agendas próprias, o colapso dos impérios começa a aparecer nas cartas.
Assim como as “revoluções de veludo” que varreram o leste europeu em 1989 tocaram as trombetas do fim do império soviético, também as “revoluções do jasmim” que se espalham pelo Oriente Médio podem bem estar sinalizando o começo do fim do poder global dos EUA.
Militares no comando
Para entender a importância das elites locais, é preciso considerar os primeiros dias da Guerra Fria, quando uma Casa Branca desesperada procurava alguma coisa, qualquer coisa, que tivesse qualquer chance mínima de deter o que Washington via como sentimento pró-comunista e antiamericano no mundo. Em dezembro de 1954, o Conselho de Segurança Nacional reuniu-se na Casa Branca e traçou uma estratégia para domar todas as forças nacionalistas mais poderosas que se constituíam, naquele momento, em todo o mundo.
Na Ásia e na África, meia dúzia de impérios europeus que até então haviam garantido a estabilidade da ordem global por mais de um século estavam se pulverizando, dando origem a cem novas nações, muitas das quais – do ponto de vista de Washington – suscetíveis de serem cooptadas pela “subversão comunista”. Na América Latina, o problema era o avanço da oposição de esquerda, entre as massas urbanas que não paravam de crescer e entre os camponeses sem terra.
Depois de examinar as “ameaças” que se formavam contra os EUA na América Latina, o influente Secretário do Tesouro George Humphrey declarou aos seus colegas do Conselho de Segurança Nacional que todos parassem “de falar tanto em democracia” e cuidassem, imediatamente, de “apoiar ditaduras de direita que tivessem políticas pró-EUA”. Foi quando, em momento de brilhante insight estratégico, Dwight Eisenhower interrompeu, para observar que Humphrey dizia, de fato, que todos passassem a raciocinar em temos de “Tudo bem, se for o nosso filho da puta”.
É momento histórico para nunca esquecer, porque o presidente dos EUA acabava de articular, com clareza cristalina, o princípio constitutivo do sistema de dominação global que Washington implementaria daquele dia em diante e pelos 50 anos seguintes: trocar qualquer princípio democrático por uma dura realpolitik de apoiar qualquer líder que apoiasse os EUA. E assim se construiu uma rede planetária de líderes nacionais (muitas vezes também nacionalistas) dispostos a por as necessidades de Washington acima de qualquer necessidade local.
Durante a Guerra Fria, os EUA favoreceram ditadores militares na América Latina, ditadores aristocráticos no Oriente Médio e uma mistura de democratas e ditadores na Ásia. Em 1958, golpes militares na Tailândia e no Iraque repentinamente viraram os holofotes para os militares do Terceiro Mundo, exibindo-os como forças às quais os EUA poderiam recorrer e com as quais poderiam contar. Foi quando o governo Eisenhower decidiu trazer líderes militares estrangeiros para treiná-los nos EUA e, assim, facilitar “o gerenciamento” das forças de mudança geradas pelo desenvolvimento daquelas nações emergentes. Dali em diante, Washington faria jorrar ajuda militar para cultivar os exércitos dos aliados e possíveis aliados em todo o planeta, ao mesmo tempo em que “missões de treinamento” seriam usadas para construir laços cruciais entre militares dos EUA e oficiais dos exércitos em todo o mundo; e, onde as elites subordinadas não parecessem suficientemente subordinadas, para ajudar a identificar líderes alternativos.
Nos casos em que presidentes civis se insubordinassem, entraria em ação a CIA, promovendo golpes que instalariam no poder governos militares confiáveis – substituindo o primeiro-ministro do Irã, Mohammad Mossadeq, que tentou nacionalizar o petróleo iraniano, pelo general Fazlollah Zahedi (então o jovem Xá) em 1953; o presidente Sukarno, pelo general Suharto na Indonésia na década seguinte; e, claro, o presidente Salvador Allende pelo general Augusto Pinochet no Chile em 1973, para citar apenas esses três casos.
Nos primeiros anos do século 21, a confiança de Washington nos militares nos seus estados-clientes só aumentou. Os EUA entregavam 1,3 bilhões de dólares ao ano ao Egito, como ajuda militar, e investiam só 250 milhões de dólares em programas de desenvolvimento econômico do país. Resultado disso, quando as manifestações populares sacudiram as bases do regime no Cairo em janeiro passado, os EUA imediatamente pensaram em uma “transição pacífica” com troca de generais. Nas palavras do New York Times, “investimento de trinta anos que rendeu bons dividendos, quando generais dos EUA e agentes de inteligência conheciam todos os nomes cogitados para formar um novo governo, amigos e colegas com os quais trabalharam e serviram”. “Transição pacífica”, no Egito, com apoio do exército, para manter a ditadura militar.
Em outros locais no Oriente Médio, Washington, desde os anos 1950s, sempre acompanhou a preferência britânica por aristocratas árabes, cultivando aliados como um Xá (no Irã), vários sultões (Abu Dhabi, Oman), vários emires (Bahrain, Kuwait, Qatar, Dubai), vários reis (Arábia Saudita, Jordânia, Marrocos). Em toda essa região, vasta e volátil, do Marrocos ao Irã, Washington cortejou regimes monárquicos aos quais ofereceu alianças militares, sistemas de armas norte-americanos, apoio da CIA para a segurança local, paraíso seguro nos EUA para o dinheiro daquelas monarquias e favores especiais às elites locais, entre as quais estudo e formação acadêmicas para os príncipes e nobres, com livre acesso às universidades norte-americanas ou escolas de formação de militares do Departamento de Defesa em todo o planeta.
Em 2005, a secretária de Estado Condoleezza Rice fez patético resumo de todo esse trabalho: “Há 60 anos, os EUA procuram a estabilidade à custa da democracia no Oriente Médio. Não conseguimos nem uma, nem outra”.
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(segue)
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