O tema abaixo se agrava na medida em que o WikiLeaks informou que o jovem era seu colaborador, e todos sabemos que as autoridades americanas desejam matar os membros do WikiLeaks (Julian Assange segue entocado na embaixada equatoriana em Londres, esta cercada de meganhas ingleses e da CIA). Já há quem suspeite que o "suicídio" do ativista foi forçado.
Por Magaly Pazello, especial para o VIOMUNDO.
A internet perdeu um de seus mais brilhantes sonhadores
Este foi um final de semana muito triste, perdemos Selarón no Rio de Janeiro e, em Nova York, aos 26 anos, Aaron Swartz se suicidou.
A internet perdeu um de seus mais brilhantes sonhadores, ativista, prodígio da computação, escritor. Essa perda trágica repercute intensamente pela internet, como uma onda de dor, espanto e indignação. Mais e mais sites publicam relatos, declarações, notícias.
Esse rapaz, os quais os sites de notícia não se cansam de sublinhar que sofria de depressão, sofreu os efeitos da máquina de moer do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Acusado de “roubar” milhões de artigos científicos ele enfrentava um processo judicial que poderia resultar em 35 anos de prisão caso fosse considerado culpado. No centro desse processo se instalou uma séria controvérsia que deixa uma marca indelével sobre o direito de todas as pessoas ao acesso ao conhecimento e à informação, ao livre exercício dos direitos civis e das liberdades individuais.
Aaron Swartz, aos 13 anos foi o ganhador do ArsDigita Prize, uma competição para jovens criadores de websites não-comerciais que fossem úteis, colaborativos e voltados para atividades educacionais. O prêmio incluiu uma visita ao famoso Massachusetts Institute of Technology (MIT), que mais tarde seria protagonista dos eventos que o levaram ao suicídio.
Aos 14 anos, Aaron integrou a equipe de criadores do RSS 1.0, um recurso bacana de leitura de sites através de atualizações em tempo real, os famosos feeds. Eu adoro!
Aos 15 anos, integrou a equipe que desenhou as licenças Creative Commons.
Na sequência, fundou uma start-up, que depois se fundiu à rede social Reddit, onde ele desenvolveu a plataforma que a levaria ao sucesso. E cujo desenho também resultou na base de sites Open Library, ou seja, bibliotecas abertas, e no Archive.org, uma espécie de máquina do tempo da internet. E esta seria sua vida e sua bandeira a partir de então: o acesso ao conhecimento e à informação, sua disponibilização online gratuita através de plataformas abertas, o desenvolvimento técnico dessas plataformas. Especialmente o acesso ao conhecimento e à informação públicas e geradas a partir de recursos públicos. Suas atividades profissionais nunca visaram à obtenção de lucro e promoção pessoal. Sua genialidade está presente em dezenas de projetos semelhantes.
Crítico de filmes e pesquisador, seu blog tinha um enorme público. Entre 2010 e 2011, foi bolsista do Laboratório de Ética Edmond J. Safra na Harvard University, onde pesquisava sobre corrupção institucional. Fundou e era líder do DemandProgress.org, uma plataforma inteligente de ciberativismo.
Aaron foi uma das vozes fortes contra o SOPA-Stop Online Piracy Act, um projeto de lei contra a pirataria online proposto pelo poderoso setor de propriedade intelectual e direitos de autor, a indústria fonográfica e de cinema. Mas o projeto de lei, de fato, iria endurecer as leis a tal ponto que sequer mencionar um texto num blog seria considerado um ato ilegal, estrangulando o direito à liberdade de expressão.
Aaron, junto com Shireen Barday, “baixou” e analisou por volta de 440 mil artigos acadêmicos da área de Direito para determinar o tipo de financiamento que os autores receberam. Os resultados, publicados no Stanford Law Review, levaram a trilhar os caminhos dos fundos públicos para pesquisa. Por causa de sua capacidade de processar grandes quantidades de dados era requisitado para colaborar com vários outros pesquisadores. Disto resultou o projetotheinfo.org, que chamou a atenção do Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
O theinfo.org tornou livre e aberto o acesso a uma imensa base de dados públicos somente disponível gratuitamente através de máquinas instaladas em 17 bibliotecas em todo o país, o que obrigava as pessoas interessadas a se deslocar até os pontos de acesso ou, então, pagar 10 centavos por peça. Foram aproximadamente 20 milhões de páginas da Corte Federal, algo de tirar o fôlego. Ele deixou muita gente brava com essa façanha, a tal ponto que começou a ser investigado pelo FBI, contudo sem consequências.
Mas a história foi bem diferente com o MIT. Ainda no Laboratório de Ética de Harvard, em 2011, Aaron se utilizou do acesso aberto do MIT para coletar por volta de 4,8 milhões de artigos científicos, incluindo arquivos da base JSTOR muito conhecida no mundo acadêmico. O caso veio a público, creio, quando ele foi preso em julho de 2011.
A controvérsia sobre se seria roubo ou não foi substituída pelo debate sobre se era correto a cobrança por artigos científicos cujas pesquisas são financiadas com dinheiro público. Sobre a mercantilização e privatização do conhecimento científico, direitos de autor e os custos para tornar esses materiais disponíveis. Uma campanha de apoio a Aaron e o manifesto Guerrilla Open Access, escrito por ele em 2008, ganhou outra vez visibilidade (uma tradução pode ser encontrada AQUI).
Segundo a ONG Electronic Frontier Foundation, embora os métodos de Aaron fossem provocativos, os seus objetivos eram justos. Ele lutava para libertar a literatura científica de um sistema de publicação que tornava inacessível essa produção para a maior parte das pessoas que realmente pagaram por isso, quer dizer, todas as pessoas que pagam impostos. Essa luta deveria ser apoiada por todos.
As coisas começaram a tomar outros rumos com o declínio do debate. Após a devolução das cópias digitais dos artigos, a JSTOR decidiu não apresentar queixa contra Aaron. Mas a façanha desta vez resultou num processo por crime cibernético por parte do governo dos Estados Unidos munido pelo MIT. Em seu desabafo ao saber do suicídio, Lawrence Lessig escreveu:
Logo no início, para seu grande mérito, JSTOR compreendeu que era “apropriado” desistir: eles declinaram de dar prosseguimento à sua própria ação contra Aaron e pediram ao governo para fazer o mesmo. O MIT, para sua grande vergonha, não foi limpo, e então o promotor teve a desculpa que ele precisava para continuar sua guerra contra o “criminoso” que nós amamos e conhecemos como Aaron.
O Departamento de Justiça dos Estados Unidos interpretou a ação de Aaron como crime de roubo e a demanda foi levada ao grande júri que decidiu que ele deveria ir a julgamento. Então, a máquina de fazer moer do governo começou a funcionar.
Primeiramente, Aaron foi acusado de quatro crimes todos relativos à violação de sistema informático. Mas depois o Departamento de Justiça, numa atitude de “exemplaridade”, acrescentou mais nove acusações, todas contidas na Lei de Abuso e Fraude Informática, e atos de conspiração.
Além disto, familiares e amigos, como Lawrence Lessig, relatam situações de intimidação por parte do Departamento de Justiça. Alex Stamos, especialista em crimes cibernéticos (AQUI), além de inúmeras outras vozes, desmontam item por item o exagero forçado na perseguição a Aaron, a verdade sobre o “crime”.
O efeito cascata dessas acusações resultaram na possibilidade real de Aaron Swartz ser condenado (leia AQUI) a 35 anos de prisão e multa de 1 milhão de dólares!
Lawrence Lessig diz:
Aqui, é onde nós precisamos de um melhor sentido de justiça e de vergonha. O que é ultrajante nesta história não é apenas [o que aconteceu com] Aaron. É também o absurdo do comportamento do promotor. Bem desde o início, o governo trabalhou tão duro quanto pode para caracterizar o que Aaron fez da forma mais extrema e absurda. A “propriedade” que Aaron “roubou”, nós fomos informados, valia “milhão de dólares” — com a dica, e então a sugestão, que o seu objetivo de obter lucro com o seu crime. Mas qualquer um que diga que se pode ganhar dinheiro com um estoque de ARTIGOS ACADÊMICOS é idiota ou mentiroso. Estava claro o que disto não se tratava, mas o nosso governo continuou a pressionar como se tivesse agarrado terroristas do 11/09 com a boca na botija.
Não consigo imaginar o que passou com esse rapaz de personalidade introvertida, apresentando um quadro de depressão, à medida que a data do julgamento se aproximava. Sua solidão, seu medo diante deste quadro kafkiano. Sua morte me pareceu daqui de longe uma forma de exílio. Como o exílio do protagonista das tragédias gregas. A morte é a condenação ao exílio da República que não permite a existência dos poetas.
No sábado, ainda sob o impacto do acontecimento, sua família fez um comunicado público, culpando as autoridades judiciais e o MIT. O documento afirma que essa morte não é apenas uma tragédia pessoal, mas sim um produto de um sistema de justiça criminal repleto de intimidações, o qual iria punir uma pessoa por um alegado crime que não fez vítimas.
Essa última parte é a chave de todo o enredo, pois para a aplicabilidade da lei com a qual Aaron seria julgado era necessário uma série de aspectos todos ausentes dos atos cometidos.
Um memorial online está sendo construído em homenagem a Aaron.
O funeral será realizado nessa terça-feira, 15 de janeiro, em Illinois.
Como tributo a comunidade ciberativista criou uma página com o objetivo de ser um grande e espontâneo repositório de produção acadêmica colocada a disposição de todas as pessoas de forma gratuita e aberta.
Todas as pessoas estão convidadas a disponibilizar seus trabalhos em qualquer idioma. No twitter acompanhe pela hashtag #pdftribute.
O JSTOR publicou suas condolências imediatamente e o MIT anunciou que vai investigar sua responsabilidade na morte de Aaron, mas para mim este anúncio beira o cinismo.
E o que nós aqui no Brasil temos com isso?
Bom, a internet foi concebida como uma plataforma sem fronteiras físicas e territoriais. E quando ocorre um evento, triste ou alegre, seja onde for, que está relacionado ao âmago do funcionamento desse incrível sistema isso nos interessa.
O aperfeiçoamento técnico da internet e seu sistema regulatório é, também, de grande interesse de todos, sobretudo quando este aperfeiçoamento está relacionado com o acesso ao conhecimento e à informação, ao livre exercício dos direitos civis e das liberdades individuais.
Em relação à produção científica vale lembrar que o governo brasileiro tem tido uma participação importante na formação de uma cultura de acesso aberto e gratuito. Embora de maneira, por vezes, contraditória.
Mas deixando as idiossincrasias de lado… a área de saúde é um belo exemplo de acesso compartilhado ao conhecimento com a instalação, no Brasil, da BIREME, em 1967, cujo objetivo é contribuir com o desenvolvimento da saúde fortalecendo e ampliando o fluxo de informação em ciências da Saúde. Dela, em 2002, surgiu o projeto Scielo, uma biblioteca eletrônica que abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros que se expande pela América Latina.
No início dos anos 2000, em consonância com a o debate global, é lançado o Manifesto Brasileiro de Apoio ao Acesso Livre à Informação Científica com vários setores e órgãos do governo brasileiro entre os apoiadores da inicitiava (leia Aqui e Aqui).
Contudo, a sucessão de eventos desde a cópia dos milhares de artigos científicos até o processo judicial e o incremento da pena — resultando na absurda possibilidade de Aaron ser condenado a 35 anos de prisão mais multa — serve de alerta para a necessidade de nós mesmos repensarmos e revisarmos estrategicamente as recentes leis aprovadas no nosso Congresso Nacional sobre cibercrime, além da debilidade política e conceitual a que chegou o Marco Civil.
Nós não estamos distantes de absurdos como o caso de Aaron! Em terras tupiniquins outros absurdos já acontecem por causa do uso excessivo das leis de difamação e persistência das leis de desacato.
Magaly Pazello é pesquisadora do Emerge — Centro de Pesquisa e Produção em Comunicação e Emergência da Universidade Federal Fluminense (UFF), sendo responsável pela área de pesquisa de governança na internet. É ciberativista e feminista.
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