viernes, 27 de septiembre de 2013

A Vivo, a Dilma e a TIM

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Por Mauro Santayana, hoje no JB.


Tivesse um senso melhor de oportunidade, a presidente Dilma, no dia seguinte ao seu discurso da ONU - no qual defendeu a soberania e a autonomia das nações na comunicação eletrônica e cibernética - jamais teria aceitado reunir-se, em Nova York, com o mais alto executivo de um grupo estrangeiro de telecomunicações. E menos ainda, teria tomado a infeliz decisão de fazer, um dia depois, a defesa indireta da possibilidade de esse grupo espanhol passar por cima da lei e tomar de assalto o controle do mercado brasileiro nessa área.

Qual é a razão da especial deferência da presidente Dilma com a Espanha do governo corrupto e conservador de Mariano Rajoy e seus sorridentes executivos, como Emiliano Botin, do Santander, e Cesar Alierta, presidente da Telefónica? Um grupo que se equilibra, perigosamente, sobre uma dívida de 50 bilhões de euros — ou mais de 150 bilhões de reais — não pode ser considerado sólido.

Do ponto de vista moral, a reputação da Telefónica também não recomendaria o encontro. Basta dizer que, com o dinheiro de vários empréstimos de bilhões de reais do BNDES, a empresa teve e continua tendo em seu conselho e com salários de milhares de euros —  figuras da estatura de um Iñaki Undangarin, — ex- jogador de handebol ali alçado por ser genro do  rei da Espanha. Ele está envolvido com uma série de escândalos de corrupção em seu país. Como “consultor” para seus negócios da América Latina, há ainda  Rodrigo Rato, ex-presidente do FMI, acusado de envolvimento na quebra fraudulenta — com prejuízo para milhares de pequenos poupadores — do banco estatal Bankia.        

Para ter acesso a essas informações, a presidente da República — que tem se encontrado também com Emilio Botin, do Santander — e sua assessoria não dependeriam de sofisticados instrumentos de espionagem do tipo dos usados pela NSA. Basta entrar por 10 minutos na internet, em inglês ou na língua de Cervantes,  para saber a opinião média dos próprios espanhóis sobre a Telefónica  e sua situação financeira, e a baixíssima credibilidade de seus serviços em seu próprio país de origem.

O mais grave, no entanto, não foi apenas o fato de a presidente Dilma dar sinais de que  estrangeiros vão continuar mandando, e cada vez mais, nas telecomunicações brasileiras, contradizendo, assim, o teor do  discurso que havia feito na ONU.

No dia seguinte ela ainda reforçou essa situação ao desautorizar, publicamente, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, ao parecer defender, indiretamente, a possibilidade de o Grupo Telefónica, de Cesar Alierta — com quem havia se reunido no dia anterior — tomar, com um virtual monopólio, o controle do mercado brasileiro de telecomunicações.

O que está ocorrendo? Por que o senhor César Alierta procurou, em Nova York, a presidente da República?

A Telefónica, dona da Vivo no Brasil, está assumindo o controle da Telecom Itália, dona da TIM em nosso país, e quer unir as duas empresas no Brasil, o que lhe daria 55% do mercado brasileiro de telefonia celular, ou 150 milhões de usuários.

Mas o problema não é a telefonia celular. Hoje, todo mundo sabe que quem vende telefone também vende TV a cabo e internet — e quem controla a internet controla as informações que por ela circulam. Tanto isso é verdade que, quando a Justiça precisa de quebrar o sigilo telefônico ou de e-mail ou computador de alguém, recorre à operadora.

Relembrando, a presidente da República chega a Nova York e ataca os norte-americanos na ONU, porque estão lendo o seu e-mail e grampeando o seu telefone e, dois dias depois, após se reunir com um executivo espanhol de uma empresa cheia de problemas, aceita a possibilidade de que, se eventualmente quisesse, essa empresa venha a  espionar — se eventualmente quisesse — não apenas o seu e-mail e o seu telefone mas o e-mail e o telefone de 150 milhões de brasileiros, a serviço dos norte-americanos.

Afinal, o governo espanhol e as empresas se  misturam, e poucos países há, hoje, no mundo, mais fiéis do que a Espanha, e o seu governo, aos interesses norte-americanos, a ponto de enviar soldados a lugares em que não deveria meter o bedelho, como o Afeganistão, por exemplo.    

Nos últimos anos, executivos da turma da castanhola, incluindo os do Santander e da Telefónica, tentam engambelar, tranquilamente,  o governo, com o conto da carochinha de que, por estarem faturando mais no Brasil do que na Espanha, seu compromisso com o nosso país seria maior do que com o seu país de origem.

Em vez de ficarem embasbacados com a transferência da sede da Telefónica América Latina de Madri para São Paulo — o que nos obrigou a aceitar mais algumas dezenas de “executivos” espanhóis em nosso país, além das centenas que já tinham vindo antes com a empresa — muitos brasileiros, do setor público e fora dele, deveriam se perguntar para onde vão as dezenas de bilhões de reais que pagamos todos os anos pelos péssimos serviços de telefonia celular, banda larga e TV a cabo, com algumas das mais altas tarifas do mundo.

As telecomunicações — e aí está o escândalo da espionagem da NSA para não nos deixar esquecer — são tão importantes para a soberania e a segurança de uma nação que a Itália, apanhada de surpresa pela compra da TIM pela Telefónica, está aprovando às pressas a regulamentação de uma “golden share” pelo governo italiano para impedir o negócio.

A justificativa? O país não pode ficar sem uma empresa própria nesse setor estratégico, principalmente agora, sublinhamos, com “a descoberta das atividades de espionagem norte-americanas”.

Pobre ministro Paulo Bernardo — levado a se manifestar contra a fusão da Vivo e da TIM — na única vez em que se colocou ao lado do consumidor e do país, em uma disputa com uma das empresas que costuma defender — foi repreendido pela presidente Dilma.

O que a nação reclama — e achávamos que a própria presidente já o houvesse percebido — não é de uma megaempresa privada e multinacional, controlada pela Espanha, um país subalternamente alinhado aos Estados Unidos, para controlar, com um virtual monopólio, o mercado brasileiro de telecomunicações.

O que o Brasil exige — e a isso deve se dedicar com urgência — é uma grande empresa brasileira que possa contar com recursos do BNDES para operar o e-mail que está sendo desenvolvido pelos Correios, os softwares livres do Serpro, as redes  de fibra ótica que estamos instalando com a Unasur e os Brics,  os centros de computação em nuvem e os satélites de comunicação que estaremos colocando em funcionamento nos próximos anos. 

Essa empresa tem nome e sobrenome. Ela já existe e pertence ao povo brasileiro. Sua razão social é Telecomunicações Brasileiras Sociedade Anônima. A sua marca é Telebrás. E o seu presidente não é o senhor Cesar Alierta.

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(A ilustração - charge do Lute - não consta no original)
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