jueves, 5 de septiembre de 2013

Ó querido Santo Onofre, n'A Charge do Dias

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"Ó meu querido Santo Onofre, filho de Osíris, ó rapariga virgem, confessor das verdades, consolador dos aflitos, pai dos solteiros, rei dos bêbados, protegei-nos e ajudai-nos!".

Clóvis Baixo, ajoelhado, de braços abertos para o alto e mirando o teto, interrompeu a reza no canto do bar e derramou uma garrafa de marafa no chão, dizendo compungido: "Pro amado Santo!". O Portuga só olhava a lambança de cana derramada que já saía na porta, ar irônico, de lá detrás do balcão. 

Clóvis Baixo seguiu, novamente a postos de joelhos, braços erguidos:

"Protetor dos descornados, arrimo dos desesperados, alegria dos ébrios, borrachos e chumbados, terror dos abstêmios, ó, meu Santo Onofre, olhai por nós!".

Carlinhos Adeva entrou no botequim e sentou-se ao lado de Tigran Gdanski e Gustavo Moscão nas mesas centrais, perguntando:

- O que é aquilo, o Baixo pirou ou está fazendo concorrência ao Contralouco?

- Disse que ia fazer uma oração pra pegar na loteria, encasquetou com isso, agora tá suplicando ao santo dos bêbados -, respondeu Tigran.

- Pirou -, disse Cícero do Pinho, abismado com o que via.

Silvana Maresia, na mesa central com os demais, só sacudia a cabeça, inconformada: "Vocês não entendem, se artista tem santo, camioneiro tem santo, puta tem santo, professor tem santo, porque bêbado não poderia, mas tem, é Santo Onofre. Zombem, vão zombando...".

O Contralouco havia se chegado para uma mesa perto de onde estava o rezador, para acompanhar de perto a função, que seguia firme:

"Príncipe dos atarantados, enviai o anjo Pafúntio, seu predileto, para embebedar-se conosco neste sagrado recinto, dando-nos os números que necessitamos, o recompensaremos com muito trago e mulher...".

De novo interrompeu e lá foi outra de marafa para o chão: 

"Convoco ao singelo anjo cachaceiro, venha, Pafúntio, incorpore, agora!".

Ouviu-se uma barulheira na cozinha e o Clóvis parou, em suspense. 

- Foi só o Rodrigues que derrubou algumas panelas, meu chapa, se o cara viesse teria caído aqui no trago derramado -, disse o Contralouco, que estava doido para se meter na ladainha.

O médico Freddy Garcia Lorpa, escondido atrás de uma folha da porta de vaivém da sinuca, exclama com seu vozeirão, fino teatro de monstro:

"Enviarei, ó meu filho, em 15 dias Pafúncio chegará soberano, levará 14 dos 15 números, guarde a ele uma garrafa por dia, da boa".

- Vai à merda, Freddy, é Pafúntio e o sorteio é sábado, ora 15 dias, faltam só dois -, disse o Contralouco.

Clóvis Baixo encerra as suas preces e volta reclamando:

- Puta que pariu, a gente tenta fazer uma coisa séria e os caras ficam se arriando...

O Contralouco foi até onde o Clóvis estava, ajoelhou-se, ergueu os braços aos céus e retomou a invocação: "Venha você mesmo, ó Santo punheteiro do deserto, ó machorrão pau d'água, pago cinco anos de pinga pra ti e pro tal de Pafúntio no puteiro da Condessa Carmem da Olavo Bilac, mas venha até sábado! Se você quiser te dou uma tianga aqui do bar mesmo, que vive criticando a gente".

Silvana Maresia se faz de desentendida.

O Portuga se aproxima com vassoura, balde com água e pano para limpar o palco de invocar santidades, espantando o Contralouco. Este vai para as mesas junto à turma, dizendo:

- Doce ilusão, esses caras vão baixar só no dia em que o Sargento Garcia prender o Tarzan...

Feitas as orações, e com a chegada da Leilinha, a turma começa a escolha das obras do dia. O Clóvis segue preenchendo cartões da Loto Fácil, sôfrego, com uns quinhentos volantes em sua frente.

Carlinhos hesita. Pensa em dizer que não adianta, Clóvis, tu vai jogar 15 números secos, R$ 1,25 cada um, vai jogar cem cartões, não adianta. Vai perder 125 pilas, 60 quilos de arroz. Os caras que roubam em Brasília e em São Paulo e aqui jogarão mil cartões com 18 números, a R$ 1.020,00 cada um. Ganharão, como sempre.

Mas olha a gana do Clóvis preenchendo os cartões, perguntando repentinamente o dia, mês e ano do aniversário das mulheres, dos amigos, para juntar os números da Ain, do Marquito, do Wilson, da Zilá, Cícero, Tigran, Bruno, de todos, "alguém lembra dos do Aristarco e do Lori que não vieram? Já combinei eu de 19 de outubro com vocês, faltam eles, pode ser aí"... e resolve se calar. 

Olha com carinho ao pobre amigo que ainda crê em sorte. Dói-lhe mas pensa positivo: "Vai que pegue. Ah, Santo Onofre querido, apareça pelo amor de Deus".


Ficaram com os seguintes artistas de alma aqui em vida, vão em desordem.

Jorge Braga.


Nani.



Simanca.



A menina mostrou aos bôemios umas tirinhas da série Desmentidos, do Nani. Viram um copão, aí é de lei, vai de inhapa. O Contralouco prometeu levar uma jarra à noite, misturando frutas com gin e vodka, aprendeu a receita com a mestra Jezebel do Cpers. É hoje.



A coluna A Charge do Dias leva esse título pelo seu idealizador, o mestre Adolfo Dias Savchenko, que um belo dia se mandou para a Argentina, onde vive muito bem. Sucedeu-o na coordenação a jovem Leila Ferro, filha do Terguino, quando os boêmios amarelaram na hora de assumir o encargo. Antes eram dois butecos, o Beco do Oitavo e o Botequim do Terguino, que.., bem..., se fundiram  no ano passado (veja AQUI), face a dívidas com o sistema agiotário. O novo bar manteve o nome de um dos butecos: por sorteio ficou Botequim do Terguino, agora propriedade dos ex-endividados António Portuga e Terguino Ferro.

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