lunes, 17 de diciembre de 2012

CPIs em causa própria: Collor contra Gurgel, um caso pessoal

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Por João Bosco Rabello, no Estadão
 
 
A desmoralização da CPI do Cachoeira, cujo desfecho confirma ter sido concebida pelo ex-presidente Lula para atingir um alvo específico – o governador de Goiás, Marconi Perilo (PSDB) -, reflete a motivação política que passou a determinar investigações no âmbito do parlamento. E que banaliza o recurso a esse instrumento de investigação.
 
Outras CPIs, algumas em dose dupla (no Senado e na Câmara simultaneamente) confirmam essa utilização de instrumento parlamentar em causa própria. A CPI do Ecad, no Senado, passou despercebida pelo distinto público, e orientou-se pelo interesse de parlamentares proprietários de emissoras de rádio e TV e representantes de provedores empenhados em reduzir o ganho dos autores.
 
Outra CPI do Ecad aguarda vez na Câmara, esta pedida pelo Pastor Marco Feliciano (PSC-SP), curiosamente representante de um dos setores – a Igreja – que já tem na música uma de suas fontes de receita, sempre isenta de impostos. Há outros 10 pedidos de CPI na fila da Câmara, algumas superpostas ao Senado, como a da exploração do tráfico de pessoas.
 
O final melancólico da CPI do Cachoeira, com o parecer do relator na terceira versão, foi uma disputa entre governo e oposição sobre o controle das informações produzidas pela Polícia Federal, que receberam de bandeja ,com apenas um ponto em comum – o de que nem a um e nem a outro interessou avançar sobre a empreiteira Delta, a investigação que poderia render algum fruto. Ali todos perderiam.
 
Dois outros alvos dessa disputa – o jornalista Policarpo Junior, diretor de Veja em Brasília, e o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel – acabaram excluídos de um texto final imposto pelo relator, deputado Odair Cunha (PT-MG), à revelia da comissão, que já negara voto a esse fim.
 
Nos dois casos se uniram personagens historicamente antagônicos para sentar o Ministério Público e a imprensa no banco dos réus: o senador Fernando Collor (PTB-AL) e seu principal algoz quando presidente da República, o PT. Vinte anos depois, o ex-presidente resolveu eleger a mídia como responsável pelo seu impeachment.
 
É um revisionismo histórico, já que sempre elegeu como principal fator de sua queda a falta de relações com o Congresso Nacional que, no início de seu governo, chegou a hostilizar. Tem o direito de repensar sua queda, mas não sem expor-se à crítica pertinente de que investe contra o Procurador-geral em decorrência de um processo de improbidade a que ainda responde, assinado pela esposa de Gurgel, a subprocuradora Cláudia Sampaio Marques.
 
Collor voltou à carga nos últimos dias, da tribuna do Senado, contra o procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Num discurso duro, em que chama Gurgel de “prevaricador-geral”, se diz revoltado com a exclusão do relatório final do pedido de investigação do chefe do Ministério Público Federal.
 
Desde o início da CPI, Collor assinou pedido de convocação do procurador e apresentou seis representações contra ele nos órgãos de controle do Ministério Público. Sob o pretexto de questionar um favorecimento de Gurgel ao ex-senador Demóstenes Torres, já explicada de forma convincente pelo Procurador.
 
Collor não torna públicas, entretanto, suas diferenças pessoais com Roberto Gurgel e seus familiares, ou seja, o duro parecer de Cláudia Sampaio contra ele, na ação penal 465, em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF).
 
Em parecer, assinado em 21 de maio de 2008 – e endossado pelo então procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza -, Cláudia Marques recomenda a condenação do ex-presidente da República pelos crimes de peculato (desvio de dinheiro público), corrupção passiva e falsidade ideológica.
 
A denúncia do Ministério Público Federal, oferecida em agosto de 2000, revela um esquema de fraude em licitações, no governo de Collor, quando supostamente empresários do setor de publicidade pagariam propina em troca de contratos com o governo federal.
 
Segundo o MP, o esquema permitia a transferência de dinheiro público às agências contratadas. Até o pagamento de pensão alimentícia de um dos filhos do ex-presidente era viabilizado com esses recursos, afirma o Ministério Público.
 
A referida ação penal chegou ao STF em outubro de 2007, depois que Collor se elegeu senador por Alagoas. O primeiro relator do caso foi o ministro Menezes Direito, que se aposentou.
 
A ação foi redistribuída à ministra Cármen Lúcia, em outubro de 2009. Desde então, passados três anos, o processo está parado no gabinete dela, aguardando o voto e inclusão em pauta para julgamento.
 
Apenas para ilustrar – e mostrar o tamanho das acusações contra o ex-presidente – se os ministros do STF acolhessem as razões do Ministério Público, e na dosimetria, condenassem Collor às penalidades máximas dos crimes a ele imputados, a pena poderia alcançar 29 anos de reclusão – superior a algumas do mensalão.
Trechos do parecer descrevem a rede acusada, dando visibilidade a personagens desconhecidos mesmo à época da presidência de Collor. Alguns deles:
 
“Assim, tem-se o pagamento de propina por empresários do ramo de publicidade à equipe do então Presidente da República em troca da intervenção para que os primeiros saíssem vencedores em licitações governamentais.
 
“Os recursos arrecadados por meio de propina eram depositados em contas fantasmas e utilizados para pagamentos de despesas pessoais de FERNANDO COLLOR, OSVALDO MERO SALES e CLAUDIO VIEIRA.
 
“Os depoimentos de JUCINEIDE BRAZ DA SILVA (fls. 1408/1409 e 4821) atestam que o pagamento de pensão alimentícia de seu filho com o denunciado FERNANDO COLLOR era realizado por OSVALDO MERO SALES e CLÁUDIO VIEIRA, em nome do ex-Presidente.
 
(…) “O que se convencionou chamar de “contas correntes fantasmas” foi um mecanismo idealizado pelo grupo para dissimular a origem ilícita e a movimentação dos ativos financeiros, emprestando-lhes a titularidade de pessoas inexistentes.
 
“Quanto à autoria do fato, os depoimentos acima citados e os laudos grafotécnicos e contábeis realizados conferem a certeza da efetiva conduta do réu na prática do ato delituoso, ou seja, que o então Presidente da República, FERNANDO COLLOR, comandava as operações por meio do “testa-de-ferro” OSVALDO MERO SALES.
 
“Com efeito, é inadmissível acreditar que um esquema que movimentou vultosas quantias, beneficiando diretamente o denunciado, não tenha participação do mesmo. Todos os depoimentos creditam a atuação do grupo à figura do ex-Presidente".
 
“O Secretário Particular da Presidência e o Adjunto, em nome do Presidente, por meio de contratos de publicidade governamental fraudulentos promoveram desvio de verbas públicas em favor de empresas de publicidade, mediante o pagamento de propina, fazendo uso de contas bancárias e cheques com titularidade de pessoas inexistentes, para beneficiar o então Presidente da República."
 
“É certo que a ligação do ex-Chefe de Estado com os delitos aqui narrados não se limita à autorização para contactar o empresariado em busca de dinheiro e à ciência do que era conseguido, uma vez que o saldo das contas ideologicamente falsas custeava as despesas de Collor e de pessoas próximas, inclusive o pagamento da pensão alimentícia a seu filho, por exemplo'.
 
“A conduta do denunciado amoldou-se perfeitamente aos tipos penais descritos nos arts. 312, 317 e 299, todos do Código Penal, uma vez que, em seu benefício foram desviados recursos públicos por meio de licitações direcionadas a determinadas empresas do ramo de publicidade, em troca de vantagem indevida – propina – que era administrada e movimentada em contas-correntes abertas em nome de pessoas fictícias ou inexistentes.“Por fim, vale destacar que o presente caso é absolutamente diverso de outros procedimentos já arquivados perante esta Corte, sob o argumento de que não havia indícios de participação de FERNANDO COLLOR."
 
“Na Ação Penal nº 307, por exemplo, o ex-Presidente foi denunciado por fatos relacionados à cobrança de propina para nomeação do Secretário Nacional dos Transportes e para concessão de empréstimo à VASP, bem como ao financiamento de campanha eleitoral pela multinacional Mercedes-Benz”.
 

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