martes, 26 de agosto de 2014

Meia-noite em Palmeira das Missões

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Meia-noite entramos no Galpão da Boa Vontade, na Vila Velha. Tomás Candal, Joel Chitão, Tijolinho, Estiga e mais um que não recordo, e eu, o mais gurizinho. O um que não lembro deu no pé quando o ambiente pesou.

Jamais gostei de lá, onde um dia matariam Juarez Godoy. Da cidade já não gostava, pois a imensa maioria de donos de tudo amava, como ainda ama, a ditadura militar. Assassinos.

O baile gaúcho indo bem, nós bebendo cerveja na economia, todos meio duros, e rindo na mesa, o nego Chita junto com o Tomás (Tomaz?) era uma festa, se entendiam sem precisar se olhar, e o Estiga junto, riam por nada, felicidade pura, e sabiam tudo. Tomás um avião de luas e ruas, e Chita o melhor taco do mundo em cesta e em quase tudo, o quase porque o Pato era melhor em domínio de branca. O Estiga músico, e vivido pacas, boêmio in natura, aquele tem cada história, até cerca de arame nos peitos levou. O Tijolinho boa praça, amigo, sincero, e bobo não era, mesmo tendo pai rico, ora, rico, um lutador, rico para a gente que tinha menos ou nada, nada a ver com os ricos de verdade que chupavam o sangue do povo, mas isso jamais influenciou seus atos.

Eu inebriado por estar num baile com amigos, e logo com que amigos, os feras. Eu amava aqueles caras, ainda amo. Com cinco copos de cerveja fiquei tontinho, bem feliz, tinha uns 15 anos. Os mais velhos, rindo e contando piadas, de jeito nenhum foram dançar, para isso eram introvertidos, falavam mal deles na cidade, vão dormir tarde, jogam sinuca, bebem... Se convidassem alguma a dançar perigavam levar um carão. Era ditadura, o reino da burrice.

Mentiras de cidade pequena, Tomás nunca se embebedou, Chita, Estiga e Tijolinho idem, naqueles tempos jamais fizeram fiasco. Não gostavam deles porque eram boêmios, e, salvo o Tijolo, não tínhamos pais abonados, e o pai do Tijolo, que não era tão abonado assim, ali de nada servia, Tijolinho ficava na dele, tentando se ambientar conosco. Um amor de Tijolinho.

Aí olho para a pista, ver as moças dançando, mesmo que a gente não tivesse coragem de tirar as moças é bom ver seus corpos, pernas, imaginar e tal, e um sujeito do lado de lá, uns trinta de idade, me faz uma banana, com raiva. Olhei para trás, era para alguém atrás de mim. Não tinha ninguém atrás de mim. Olhei de novo, ele fez de novo, era comigo. Nunca tinha visto o cara mais gordo. Imediatamente pensei, não era tão inocente: É porque com 15 anos virei titular do Ouro Verde, Caco no gol, o lateral direito não recordo, Rubão, Salazar e Canhoto a defesa, Mandioca no meio... só podia ser isso. Virei titular pela bondade do Chambão Chaves, grande atleta e homem como poucos, o lugar era dele, e ele que me levou.

Pronto, a confusão se armando. Mesmo menino, eu não iria levar ofensa para casa, se no futebol ninguém ousava impunemente e ninguém batia na cara que a mamãe beijou, não seria um filho da puta em baile que me ofenderia sem revide.

O alemão dava um e meio de mim. Falei para os amigos: vai dar confusão, tem um cara que não sei quem é me ameaçando lá do outro lado, acho que vou embora, se ele sair atrás me acerto com ele, tiau e me levantei. O Tomás ralhou: senta!, parentinho. Sentei.

Chita e Tomás cochicharam, eles de frente para a pista, eu estava de costas, mas senti que contaram quantos eles eram. Contaram sete. A gente cinco, tirando o sujeito que saiu ao sentir o drama.

Fiquei nervoso e levantei, é comigo, vou sair. Tomás levantou junto e me disse, senta, tu vai brigar com ele, mas depois. Eu não queria brigar com ninguém, mas não queria que pensassem que me acovardei, assim também não. Sentei de novo.

Esperamos aqui, eles lá, acabar o baile. Últimos a sair, eles se postaram para o lado da saída da cidade, nós aqui em cima na calçada de um velho prédio amarelo. O grandalhão queria me matar mesmo. O Chitão ainda gritou, por que isso, o guri fez alguma coisa de mal para alguém? O próprio alemaozão respondeu: Não, só não gostei da cara dele. Era por ter estreado muito menino no Ouro Verde, só podia, ou por ser amigo do 21, ou do Branco, mas na hora azar, motivos já não importavam, eles queriam.

Chita e Tomás aos gritos de longe acertaram as condições do combate, seria no meio da rua, ele viria de lá e eu iria daqui. Deram o sinal e fui, para morrer, o cara era enorme e eu estava tonto dos copos de cerveja. Ele veio com um sorriso maldoso na boca, sabendo que ia me quebrar todo. Eu tinha a vantagem de ser rápido, músculos em dia pelo futebol, mas brigar com um cara maior, com o dobro da idade...

Quando chegamos a um metro de distância, levantei os braços em proteção, pensando em fingir que lhe daria um soco em cima, mas lhe chutaria os ovos, ele rugiu e veio, quando levei um empurrão vindo de trás, me atirando para o lado, me pegou inesperado, caí na rua, longe do inimigo.

Foi o Tomás Candal Rodrigues. Que disse: "Esperei até agora para ver, seu covarde, se tu teria coragem de tentar bater num menino, perigava até apanhar dele, o guri é bom, mas com covarde como tu ele não vai brigar, quem vai brigar sou eu!".

O grandão se atrapalhou e agrediu o Tomás, que se desviou e ameaçou meter a direita, o cara olhou para a direita e levou um curto de esquerda, Tomás tinha um anel na esquerda que lhe abriu um talho no rosto. Aí, com sangue, quando a gente pensava que começaria a briga de verdade, o sujo se apavorou, seus amigos idem, e saíram correndo em direção ao Espinilho, ou para a zona, tinha uma subida por lá, o nego Chita em cima dos outros, eu já empolgado, Estiga com uma garrafa quebrada na mão, todos nós.

Nunca soube a razão daquilo, da gratuita provocação, mas uma coisa guardei. Amigo é amigo, e Tomás Candal era meu primo segundo, único homem que me chamava de Parentinho e eu gostava, Um homem decente.

Salve Tomás, Salve Joel Chitão, Salve Nelson Tijolinho, Salve Luís Estigarribia.

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