Um
velho, aos oito anos de idade para a gente todos são velhos, deveria ter trinta
e muitos, chegou esbaforido dar uma notícia ao pai. O pai velho tinha 35 ou 36,
hoje sei, A gente o atendeu no portão de casa, ele me olhou e
chamou o pai para um lado. Falou rápido. Eu ouvi. Pelos murmúrios que me
chegavam quase inaudíveis mas eu acompanhando o seu mexer de lábios, boa coisa
não era, li a palavra hospital.
Logo
o pai nervoso me disse que tinha que sair, isso cinco da tarde, estávamos só
ele e eu em casa. Eu sei, o senhor vai para o Hospital de Caridade, quero ir
junto. Aí o meu velho fez algo de bom: sei lá suas razões mas me levou junto.
Visitar o Bastião, fio da tia Otília da Ramada e do tio Quincas, que agora
moravam no Espinilho.
Eu
ia sempre ao Espinilho, seis léguas, 36 Km na resistência era nada. Lá tinha o
rio que passava ao lado da casa, ali de uns doze metros de largura, ou cinco?,
na infância tudo parece maior. Rio gelado no inverno, e a tia fazia sopa de
milho verde que eu ajudava a plantar e colher no milharal lá detrás, ela ralava
as espigas novas que soltavam leite derramado.
O
Bastião tinha uns 22 anos, ou 19. Entramos no quartinho do hospital e lá estava
ele parecendo uma múmia de cinema de tantas bandagens na caixa do corpo, no rosto
e na cabeça, todo enrolado, depois soube que ficou em tiras por culpa de um
facão. Por milagre alguém o encontrou se esvaindo em sangue no mato, ao lado de
um cara morto.
Aí o
Bastião contou pro pai, falando devagar, o pai mandando ele ficar quieto, outro
dia conta, mas ele insistiu, malzito mas sem risco de morrer, eu ao lado
ouvindo. "Eu não queria briga, tio, mas aí no meio da picada, o nego
estava parado de facão na mão, não tinha por onde tirar o cavalo, era no meio
do mato, picada estreita, escura de arves, o Toninho conhece", e olhou pra
mim, "e o nego gritando cosas feias, de uma morena filha do dono do
bolicho que nunca namorei, a gente só tava de zóinho. Aí me lembrei que diz que
é feio homem correr, e não tinha por onde sair a menos que desse de rédeas e
voltasse, então desci do matungo, peguei minha faquinha da cintura, caminhei
pra ele e disse então se bote, negro fiadaputa. Aí nem le conto, tio.".
Anos
depois imaginei: facão, em briga corporal, se acertar bem o primeiro faconaço
mata ou aleija, aí deu, é como o primeiro soco, que só em filme americano os
caras levam e vem de novo, na vida real um soco bem dado tonteia e acabou a
briga, dali em diante é um massacre. Mas se errar ou pegar de refilão o
faconaço, no corpo a corpo faca é miles de vezes mais eficiente. Facão ou 38 de
pertinho, corpo a corpo, vale nada contra uma faca ou punhal. O cara acertou o
facão, mas pegou o braço esquerdo, e a faca estava na mão direita, sangrou o
elemento na barriga, demora a fazer efeito, veio de novo e cortou o Bastião no
peito, no lado, aí parou para ver a barriga vazando, e Bastião malito foi de
novo, aí cortou a perna, logo a barriga de novo e puxou para cima, levou um
pontaço na cara, e foram indo já deitados, até que o Bastião achou a sua goela.
O
primo Bastião já morreu, nem sei de quê, eu já não estava, solito lutava muito longe pela sobrevivência. Mas ao ver Malufes e outros, todos, iguais na
televisão, hoje lembrei do meu primo, ele louco de vontade de evitar, seguir em
paz a sua vida, até pensou em dar de rédeas. Mas é feio homem correr.
Hora
destas teremos que pegar esses caras que insultam, provocam descaradamente, à faca, se for de perto.
*
Gostei muito!!!
ResponderBorrar