Desperto
às cinco horas da madrugada de forma brusca, sobressaltado pelos pensamentos
que rondaram o cérebro durante o sono. Ergo-me na cama agitado, olho para os
lados, ninguém. Pergunto-me o que será este rufar incessante nos miolos, não
consigo traduzir. Mais um sonho ou pesadelo perdido na hora de acordar. Antes
lembrava deles, repisados delírios.
Tomei
memoráveis pileques pela noite, pelos bares, cogitando com Vinícius onde
andaria aquela mulher, tomara que casada não, eu disse. Ele calou-se misterioso
e depois de outro uísque afirmou que Piazzolla poderia ter acrescentado solo de
violino em Years of Solitud.
Na reverência do teatro curvado ao som do
bandoneón, levantei-me e gritei: admirável argentino!, pena esse seu falso
desprezo pela popularidade, essa vaidosa confissão dos que se acham gênios da
espécie. Arrependi-me, o que foi que eu fiz? Tranquilizei-me, ninguém ouviu, a
platéia seguiu inebriada. Não entendi quando o Poetinha, sentado ao lado, em
voz e comportamento deixou explícito que a fundamental beleza é a mera
impressão de saúde física transmitida aos nervos através dos olhos. Droga,
ninguém fez por mal, é a mania que tenho de tecer armadilhas confusas. Mas, em
algum tempo, em algum lugar, fui um cego pobre, perdido por não comparecer.
Felizardo
terceiro caí do cavalo a galope irresponsável na picada pouco percorrida, mato
úmido de chuva. Faltei à festa com gosto de batom. Desapontado, treinei
incansavelmente em florestas devastadas, e ao retornar constatei desolado que a
antiga vereda sucumbira, como eu, devorada pelo fogo das entranhas. Ofereci o
empate, agora nos completávamos.
Passeei
com Cazuza de braço pelas ruas de Porto Alegre, cantando músicas pessimistas,
sanguíneos, espantando os viventes na parada do ônibus da manhã que vai à luta,
a caminho de alguns palácios do mundo com o firme propósito de examinar as
piscinas deles, embora soubéssemos de antemão o conteúdo. Fortalezas
inexpugnáveis, linha direta das leis, não pudemos entrar.
Quando
a intolerância alheia me rotulou de ovelha negra, dei as costas aos meus pais e
concidadãos para sempre, saindo da cidade sob o cósmico luar da meia-noite de
querubins, galos e incenso, dizendo basta ao prelúdio de cânticos que evoluía
na catedral. Lendas, concílios: cântico, cantochão ou ponto-cantado, gritei, é
tudo a mesma coisa! Parabenizei Diderot pela frase de tripas e forcas e fui
para a fogueira escoltado pelo inquisidor. Sacrifício de qualidade.
A
contragosto dancei um bolero azul com o Paulo César Pereio, na penumbra de uma
pista de quadrados alternados em amarelo e marrom, os Velhinhos Transviados
atacando de Regalame Esta Noche. O desgraçado com barba de três dias, hálito de
uísque, careca e com jeito de quem cheirou, duvidando da virilidade por dançar
com outro gaúcho. Eu também, preocupado, será que desmunhequei? Besteira,
apenas bons companheiros, a sério preferimos encarar canhão.
Briguei
com Tio Sam desta vez discutindo abertamente televisão, invasão, dominação,
aberração, contrafação, ablação, subtração, apropriação, corrupção. Canhão. Continuei
brigado.
Fiquei
de mal com a Elis, ela teimava em...
(...)
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