sábado, 30 de agosto de 2014

O que eu nunca soube fazer (1/4)

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Desperto às cinco horas da madrugada de forma brusca, sobressaltado pelos pensamentos que rondaram o cérebro durante o sono. Ergo-me na cama agitado, olho para os lados, ninguém. Pergunto-me o que será este rufar incessante nos miolos, não consigo traduzir. Mais um sonho ou pesadelo perdido na hora de acordar. Antes lembrava deles, repisados delírios.

Tomei memoráveis pileques pela noite, pelos bares, cogitando com Vinícius onde andaria aquela mulher, tomara que casada não, eu disse. Ele calou-se misterioso e depois de outro uísque afirmou que Piazzolla poderia ter acrescentado solo de violino em Years of Solitud. 

Na reverência do teatro curvado ao som do bandoneón, levantei-me e gritei: admirável argentino!, pena esse seu falso desprezo pela popularidade, essa vaidosa confissão dos que se acham gênios da espécie. Arrependi-me, o que foi que eu fiz? Tranquilizei-me, ninguém ouviu, a platéia seguiu inebriada. Não entendi quando o Poetinha, sentado ao lado, em voz e comportamento deixou explícito que a fundamental beleza é a mera impressão de saúde física transmitida aos nervos através dos olhos. Droga, ninguém fez por mal, é a mania que tenho de tecer armadilhas confusas. Mas, em algum tempo, em algum lugar, fui um cego pobre, perdido por não comparecer.

Felizardo terceiro caí do cavalo a galope irresponsável na picada pouco percorrida, mato úmido de chuva. Faltei à festa com gosto de batom. Desapontado, treinei incansavelmente em florestas devastadas, e ao retornar constatei desolado que a antiga vereda sucumbira, como eu, devorada pelo fogo das entranhas. Ofereci o empate, agora nos completávamos.

Passeei com Cazuza de braço pelas ruas de Porto Alegre, cantando músicas pessimistas, sanguíneos, espantando os viventes na parada do ônibus da manhã que vai à luta, a caminho de alguns palácios do mundo com o firme propósito de examinar as piscinas deles, embora soubéssemos de antemão o conteúdo. Fortalezas inexpugnáveis, linha direta das leis, não pudemos entrar.

Quando a intolerância alheia me rotulou de ovelha negra, dei as costas aos meus pais e concidadãos para sempre, saindo da cidade sob o cósmico luar da meia-noite de querubins, galos e incenso, dizendo basta ao prelúdio de cânticos que evoluía na catedral. Lendas, concílios: cântico, cantochão ou ponto-cantado, gritei, é tudo a mesma coisa! Parabenizei Diderot pela frase de tripas e forcas e fui para a fogueira escoltado pelo inquisidor. Sacrifício de qualidade.

A contragosto dancei um bolero azul com o Paulo César Pereio, na penumbra de uma pista de quadrados alternados em amarelo e marrom, os Velhinhos Transviados atacando de Regalame Esta Noche. O desgraçado com barba de três dias, hálito de uísque, careca e com jeito de quem cheirou, duvidando da virilidade por dançar com outro gaúcho. Eu também, preocupado, será que desmunhequei? Besteira, apenas bons companheiros, a sério preferimos encarar canhão.

Briguei com Tio Sam desta vez discutindo abertamente televisão, invasão, dominação, aberração, contrafação, ablação, subtração, apropriação, corrupção. Canhão. Continuei brigado.

Fiquei de mal com a Elis, ela teimava em... 

(...)

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