domingo, 31 de agosto de 2014

Me dá a penúltima (2)

.
Foi falar no indivíduo, o gavião calçudo, e Pixinguinha bate aqui em casa pela voz do Almirante: "Chorei, porque, fiquei, sem meu amor, o gavião malvado, bateu asas foi com ela, e me deixou...". Com esta mentalmente peço a conta, fecha, ninguém merece, fico com ciúmes delas, vai que me apareça um boa conversa, todo zé-bonito. Loucura, ai meu Deus, assim insulto as mulheres, se soubessem o que me passou pela cabeça me xingariam por leviano.

Sozinho, deixo rodar mais outra, e quando Aldir Blanc, acompanhado de muitos malandros do bem, uns paus d'água duca, vai terminando a canção "Me dá a penúltima", dele e do João, torno a me amargurar. Para mim tanto faz mesmo se é noite ou se é dia. Ouço a chuva lá fora, amo chuva, isso me tira do sério, me dá uma tristeza, um homem não merece solidão. Num ímpeto visto o paletó, pego a arma, 38 curto, e resolvo sair. Na porta lembro dos zés-bonitos, volto e pego também a Magnum.

Vou esperar as mulheres lá no boteco em frente à boate onde trabalham, boate com quartos e camas, até isso relevo em favor do futuro que combinamos: um bangalô à beira-mar, risos de crianças, chega de trabalho. Falta pouco, já temos um e meio na poupança, mais quinhentos mil e adeus mundo cruel. Por enquanto é dura a rotina: chegam às 5 da matina em casa, acabam dormindo às 7 da manhã, acordam às 3 da tarde, e pegam no serviço às 4, isso não é vida, e fico eu sempre sozinho, salvo nesse horário do amanhecer, onde nos beijamos e nos damos a algumas taradices, mas é pouco, quero mais, em todas as horas do dia. Pensamos em fazer revezamento, uma não trabalha a cada dia, ficando comigo, de modo que cada uma folgasse a cada dezessete dias, mas fizemos as contas e constatamos que isso retardaria a aposentadoria em quase meio ano.

Daqui até às 4:30h ainda dá para jogar uma Vida na mesa de sinuca oficial do fundo do bar, a esta hora da madrugada a turma de desocupados deve estar engalfinhada a cem contos na entrada, com matada de vinte, com dezenas de pessoas assistindo aos bons de taco. Entro com as vidas de quem tiver menos, é de lei, e pagando a média do bolo, aliás, vidas não, a vida, sempre tem um babaca com uminha só. Com as reentradas o bolo a estas horas deve estar beirando a cinco mil. Uma vida é só do que preciso para levar o deles. Não pelo dinheiro, pois cinco mil dá um quinto do que as mulheres faturam num sábado como este, mas pelo gosto de atirá-los de estouro no canto ou de fiapo no meio, rodando a branca na mesa para vir descolar da tabela aos ingênuos que sonhavam em escapar da limpeza. Ah, limpar a mesa. Com trinta cestas tiro o meu da entrada, fácil com 15 bolas bailando no tapete verde. Depois congelo ainda mais a alma e parto para buscar o bolão.

O expediente delas acaba às 4, mas depois vão tomar banho e trocar de roupa, não virão com cheiro de homem para o meu lado, não são loucas, nem com aquelas saias que é um acinte aos moradores do nosso prédio, comprimento de um palmo abaixo dos quadris, barriga de fora. Conversa e tal, não raro saem às 5 do cabaré. Se a Vida emperrar elas que me esperem tomando cerveja, olhando como se ganha dinheiro sem grande esforço físico. Se bem que nisso elas me entendem, no trabalho são profissionais, jamais se deixam trair pelos sentimentos, nunca chegam ao ápice, os otários é que se esvaem, tiveram bom professor, modéstia à parte, e professor meio brabinho, ué, onde é que estamos.

Eu gosto delas. No boteco tomaremos a penúltima, depois todos para o berço. Gosto delas coisa nenhuma, amo de sincero amor. E boêmio nunca toma a última, sempre será a penúltima, até o dia em que o Velho lá de cima chame, aí sim será a derradeira.

No hay comentarios.:

Publicar un comentario