jueves, 7 de agosto de 2014

No sacrifício dos extremistas, urrú!

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Amada filhoca, hoje pela manhã fiz a mudança, enfim, saindo para sempre do covil defronte ao cemitério para um abrigo mais ameno. Abracitos a ti, querida, aí no matinho. Destrua os chips dos telefones, compre outros, três, eu acabei de fazer o mesmo, alguém passará aí amanhã e te dará um número sem conversa.

Aqui tudo certo, só rotina. A mudança nada teve contra os mortos, amados, não fazem mal a ninguém, estão noutra, o medo é dos vivos. Uns que se acham muito vivos, são traiçoeiros pela brutalidade das almas, alguns nem é falta de escolas, lembremos que Hitler, Netanyahu e outros tantos tiveram boa instrução.

Desejo felicidades aos vizinhos que ficaram em outro tipo de sepulcro, agora podem falar mal sem o perigo que antes corriam, pois eles me fizeram ficar perigoso, muito perigoso, tudo o que eu não queria. Eu só queria viver em paz a minha vida, como os deixava em paz para viver as suas, mesmo os vendo ajoelhar para animais como o Edil Macedônio, essência de ignorância, não a do canalha Edil, a deles que vão atrás, nem Judas a teve tão profunda, tanto que este teria se matado em ato contínuo à burrice, segundo a lenda. 

Na mudança, entre sacos de panos na parte de cima do guarda-roupa do quarto aquele de lado, que era depósito, adivinhe o que achei? A camiseta do mini-bloco de carnaval "Xupa mas não baba", minúscula réplica do lindo e grandão de Laranjeiras, no Rio, chupa com xis, uma festa. Boas lembranças.


Entreguei as chaves ao comprador, desejei boa sorte ao casal, o lugar é bom e protegido. Novamente eu disse: tomem cuidado com os vizinhos, aproveitem a vida, é uma só. As minhas tiangas também se despediram com abraços, a ele, palavras de incentivo, a ela cada uma demorada, abraçada falando ao ouvido da mulher, baixinho, sussurrando bons presságios, por isto gosto delas, e nos fomos em vida nova, eu e minhas tiangas. 

Eles, os vizinhos, tentaram me dobrar quando comecei a chegar com duas, em suas concepções uma vergonha. Suas mulheres, com eles ao lado, deram de fazer piadinhas quando as gurias saíam para o trabalho, sempre recatadas, talvez pelas saias curtas e pelo salto 20 naquele areal da saída, foi aí que os enfrentei a todos, venham, sejam homens, covardes, eu parado sob chuva no condomínio, só com um punhal, não veio ninguém, então gritei vou pegar um por um na próxima vez que olharem com maldade para as moças, e me sairá fogo das mãos. 

Naquela vez me tiraram do sério mesmo. Armei-me mais. Só imagino o que fariam se eu fosse homo, bi, tri ou multissexual, ou qualquer coisa que não o papai-mamãe daqueles evangélicos criminosos.


Passou. Só volto lá se o rapaz e sua esposinha que me compraram o imóvel reclamarem. Se disserem "precisamos da ajuda que tu prometeu", eu vou. Pedi a ele que me avisasse na primeira, não entendeu bem, mas algo me diz que logo vai entender, eles são árabes, ela usa burka em certas ocasiões, por tradição, não são fanáticos, comigo riram, beberam e jantamos de cara limpa, mas têm lá suas vidas a viver como querem, nenhum mal causam, a guria está grávida de quatro meses, merecem viver felizes, e não como certos animais tentam impor.

Por que tenho que ter a mesma vida deles? Uma mulher que só diz sim, os falsos amigos de sempre? Por quê? Por que não posso ter a minha vida sem ser discriminado? Devo-lhes algo? Não devo. O Deus deles, aquela coisa ridícula de ameaça, ah, não vou para o céu deles, e alguém quer ir para esse céu fantasmagórico? Filhos da puta.


Se ele reclamar que algo correu mal irei diferente, aí não, mas com calma, esperarei uma noite de tormenta, lá tem tormenta seis vezes por ano, estarei esperando, e nesse dia vou matar a todos, sem deixar rastro, não fiz antes por causa das gurias, que insistiram para deixar para lá, insistiam venda, José, vamos nos mudar, sair daqui, por favor. Aceitei porque deixaria rastro.


Na chegada do frete ao destino, tirei o chapéu e o casaco, arremanguei a camisa de manga comprida e fui ajudar os freteiros, para não me quebrarem retratos de parede, LPs, etc, e eis que vejo lá adiante na calçada aquela mulher desfilando com seu otário, otário que ela já deve ter falido, me abandonou por dinheiro há cinco anos, embora toda semana quisesse encontros escondidos, fui em muitos, e o nojo só cresceu, como se eu não soubesse que até em automóvel ela deu tudo, sexo anal até em estacionamento, para pegar o zé-otário. O que dói é quando a burrice subestima.

Vinha em minha direção. Quando me viu de lá de uns vinte metros quase desmaiou, senti daqui, dei as costas e peguei aquele toca-cd em forma de bola, e quando ela estava em cima, quase passando atrás de mim, cinco metros, peguei o disquinho brilhante de um cd e acionei. 

A música inundou a rua. Nelson Gonçalves cantando, pararam lá, ela se amparou no sujeito, ele insistiu e vieram. Ao passarem Nelson já dizia com sua bela e forte voz, de homem:  


Tudo porém foi inútil
Eras no fundo uma fútil
E foste de mão em mão
Satisfaz tua vaidade
Muda de dono à vontade
Isso em mulher é comum
Não guardo frios rancores
Pois entre os teus mil amores
Eu sou o número um.

Ela ao passar começou a soluçar alto.

Nesse instante voltaram as mulheres, que tinham entrado na frente para ver os melhores lugares da casa para colocar os móveis, e aí, como por mágica, ela parou de chorar. O otário seguiu perguntando, preocupado: "O que foi meu amor? No templo Jesus vai te acalmar". Fiquei com vontade de gritar: Ela anda com saudade de suruba.

Ouvi-a dizer algo como me lembrei de um bandido, quero que ele morra. 

Novamente me controlei, vontade de dizer: E homem pra isso, esse bosta não será.

Porém fiquei quieto, era o que ela queria, mulher eu conheço, queria que eu matasse o pobre e bom homem, então ficaria responsável por ela. Morreu para mim, se quiser voltar vai ter que se ajoelhar, e não a quererei.

Eu só pensei em explodir um templo de gatunagem, como antes amaria detonar a católica, esta menos, parou de roubar agora, depois de quase dois mil anos surgiu um bom pastor, o Chico argentino. Estava calmo, só queria olhar para ela. Olhei-a, mentindo para o imbecil, pela conversa dele se encaminhavam a algum templo. Senti que ela não tinha tirado ainda todo o dinheiro dele, ia junto para evitar que ele entregasse muito para o canalha do elemento que se diz pastor.

Logo soube por um dos freteiros que tinha um comércio do Edil duas quadras adiante. O cara anda me perseguindo, vou começar a procurá-lo também, vai ver o que é bom. Só não posso contar às gurias, vai que me estranhem mesmo sendo humanistas que defendem todas as opções, religiosas, sexuais, de alimentação, de tudo. Depois contei, sim, claro que contei para elas que revi a malvada - não minto, conto todos os fatos, elas quietas e eu contando da passada na calçada, da música, dos sentimentos que antes falei. Só guardei meus pensamentos do que vou fazer, isso somente saberão depois. Quase morreram de rir, e me disseram tu nunca mais vai entrar em fria assim, a gente não vai deixar.

Nem eu vou fazer bobagem, concordo, mas cá comigo já os vejo com o coração aos pedaços, atiro bem, não me conhecem. Penso que vou fazer o que deveria ter feito na outra moradia, agora não irei por elas, na conversa de mulheres que me impediu de fazer o que queria. Não guardo frios rancores, tomara que todos os humanos vivam muito, afinal, aqui se faz, aqui se paga. Eles não. Deles vou cobrar o sofrimento que nos causaram pelo seu fanatismo doentio.


Noite feliz, cansados. Mudança é fogo. Mariana de Rosário enquadra Sibylle para descascar batatas. Assume rindo o fogão ligado, a geladeira também está boa, as mulheres estendem panos e cobertores sobre as camas grudadas, naquele mar de desajeito do primeiro dia.  Carmine insiste, tire os sapatos, homem, relaxe. Tiro.

Pergunto para Frida onde diabos meteram as minhas armas, a caixa com as outras, no bolso do casaco só tenho o 38. Frida diz que não sabe, vai procurar, mas Sahlah clareia seu lindo rosto e voa para cima do guarda-roupa, empurra e o caixão cai no chão com um estrondo, eu só olho quieto, conheço a palestina, nada de recriminar, com a queda poderia explodir as granadas. Ela, que nua saiu do banho, se veste com a burka azul, abre a caixa e de trás do seu deus diz: agora que todos saímos de lá pegue eles, eu te ajudo. Todas aplaudem, urrú!

Custei a entender. Estavam me escondendo suas intenções. Mariana mete a cara na porta da cozinha, rindo, urrú. Logo todas pedem para esperar um ano, para não deixar rabo, mas vamos matá-los a todos. 

Como se eu fosse fazer diferente.

Assim, deliciado confesso, é vida boa. Urrú!



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NE: Em blog aproveitemos o texto do José. 
A valsa "Número Um" é de 1939, de Benedito Lacerda e Mário Lago.





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