miércoles, 12 de octubre de 2011

A festa de Billy Blanco no céu

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No 25 de maio deste ano AQUI mencionamos Billy Blanco, com a Mariana Baltar interpretando "O piston do Barriquinha". Ele morreu em 8 de julho. Entre tantas maravilhas, Billy é o cara que compôs "Prece de um Sambista" (Quando morre um sambista, / No céu é motivo de festa, / Pois os anjos, que são da seresta, / Se alegram também, / E no meio de tanta alegria, / Todo o céu, se transforma em terreiro, / Os clarins, dão lugar ao pandeiro, / Que marca a chegada de alguém, / O Noel, que nosso santo do samba, / E chegou lá primeiro, / É o chefe do santo terreiro, / De Nosso Senhor, / Imploro a Deus, / Conservai-me um sambista decente, / Para merecer algum dia, / Sambar com esta gente, / De tanto valor!). Pois hoje encontramos esta jóia de texto, ainda quentinho, do Wander Lourenço, que é dotô em Letras e Profe da Universidade Estácio.



Por Wander Lourenço de Oliveira

Dias desses caminhava a caminho da Ribeira pelas ladeiras históricas da fabulosa cidade do Porto, em Portugal, quando o compadre Urubu me interrompeu para indagar se eu não iria à festança do batismo de Billy Blanco que, por tradição artística, cumprira um período de estágio probatório no afamado Purgatório de Dante Alighiere até aportar no Olimpo de Zeus ao atravessar os mares bravios de Poseidon, em companhia da lendária e mítica Teresa da Praia. Pode ser que, pelo efeito alucinógeno do excesso de vinho da terra, confesso, não compreendi muito bem o intrincado preâmbulo da velha ave de rapina; e lhe disse que, se o mestre sambista falecera em meados do ano, como era que só agora poderia adentrar o Reino dos Céus e festejar com as afamadas amizades de outrora?

– É que todo artista quando parte desta pra uma melhor, não vai ter logo com o porteiro São Pedro, por conta dos inúmeros pecados inventados por intermédio de personagens, desenhos e canções, que precisam ser postos em purgação no território criado pelo ilustre poeta italiano na Divina comédia – explicou-me o urubu malandro com paciência e resignação diante de minha ancestral ignorância em cerimônias póstumas. – Ocorre que diante do término do prazo de expiação do compositor de Estatuto da gafieira, eu estou de malas prontas para lamber umas e outras no folguedo que os músicos organizaram para receber o meu parceiro Billy Blanco.

Já meio impaciente com a bazófia do crioulo de origem rubro-negra, respondi-lhe que só não iria por não ter sido convidado para a patuscada de bambas com samba de roda, os comes e bebes celestiais. O larápio das carniças então argumentou que, com a iminente aposentadoria de São Pedro já quase registrada em Diário Oficial, a política cultural celeste havia sido modificada desde a nomeação de uma senhora austera e autoritária, que assumira o poder no período de pós-dinastia do envelhecido pescador evangélico.

– Desta feita — acrescentou — foi decretado que, quando um mestre da música aportasse alhures, ao invés do ultrapassado protocolo de recepção de outrora, o artista seria celebrado com cachaça e feijoada após o o período purgatorial pós-falecimento. Na terra, missa e capela; no céu de bamba, batucada e escarcéu de samba!... – diz que sentenciou a juíza do Supremo Tribunal Divino dos Músicos, Poetas e afins.

O carcará carioca ia prosseguir com a esdrúxula explanação; todavia, fui obrigado a mencionar que porventura ele não estaria confundindo alhos com bugalhos, velório com cerimonial de batismo, firmamento com Planalto, Nossa Senhora com Dilma Rousseff...

– Sei não, mas parecia que o compadre andava era tomando em demasia água de ribeirão que urubu não bebe... – em tom zombeteiro, falei.

No que ele abruptamente atropelou-me a dizer que o seu antigo companheiro de farras e noitadas, o Bandeira, sapo-cururu da beira do rio, não poderia comparecer ao evento por estar meio que enrabichado com “a vadia de uma perereca assanhada da Lapa”. E, enfim, anunciava-me que sobrara um convite para o baile de gala com a orquestra domingueira do maestro Severino Araújo. Ao que emendou agora sem lamúria e pachorra: “Bora, logo deixar de lengalenga e partir de mala e cuia pro rega-bofe, que nós dois já estamos atrasados, meu professor camarada”.

Receoso, embarquei para o tal cerimonial nas asas do compadre Urubu, não sem antes exigir garantias de retorno ao Vale de Lágrimas. Lá chegando, ia me identificar como jornalista com crachá do JB, quando fui chamado na conversa pelo mestre de cerimônias, Jamelão. Este ressaltou que o único profissional de imprensa a ser convidado seria o Sérgio Cabral, mas como ainda era cedo para tal presença e companhia... Pois então comecei a dar conta de que o feijão estava no fogo de lenha sob a batuta de Tia Ciata, e a roda de choro já se formava com regência de Heitor Villa-Lobos, auxiliado por Chiquinha Gonzaga e Dorival Caymmi. Os serafins do sopro Altamiro Carrilho e Paulo Moura, aos auspícios de Pixinguinha, perfilavam-se por sobre os violeiros de gala: Canhoto, Raphael Rabelo, Rosinha de Valença e Baden Powell, ao lado de Noel Rosa e Vinicius de Moraes nas palmas e assovios, acompanhados por Jobim ao piano e Cyro Monteiro na caixa de fósforos.

O coro das pastoras se esbaldava em afinada cantoria capitaneada por Elizeth Cardoso e Elis Regina, maestrinas de Carmen Miranda, Dolores Duran, Clementina de Jesus, Clara Nunes e Nara Leão: “Moço / Olha o vexame / O ambiente exige respeito / Pelos estatutos / Da nossa gafieira / Dance a noite inteira / Mas dance direito”. Apesar da recomendação, a aguardente com limão rolava solta no salão de nuvens até alta madrugada, quando Braguinha, Ary Barroso e Silvio Caldas entoaram entre outros clássicos, a canção Prece de um sambista, de autoria do anfitrião: “Quando morre um sambista / No céu é motivo de festa / Pois os anjos, que são da seresta / Se alegram também / E no meio de tanta alegria / Todo o céu se transforma em terreiro / Os clarins dão lugar ao pandeiro / Que marca a chegada de alguém”.

Neste ínterim, o compadre Urubu, preocupado com a Lei Seca, pediu-me que arranjasse depressa uma desculpa para irmos embora o mais rápido possível... Sem ter mais o que dizer, despeço-me com a impressão de que se soubesse como era a decência do ambiente ilustrado pela lucidez de sua criação artística, ao aceitar o inusitado convite, jogaria “um pano legal por cima de mim”, mestre Billy Blanco.

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