Nossa amiga Dorucha vem de acertar em cima, mas na superfície. Pena que a escriba tucana não queira, ou não possa, dizer tudo, pois assim fica parecendo que o PT inventou a roda. Dora está há muitos anos em Brasília, sabe que não é nada disso, sabe que o PT, com a sua escandalosa "base aliada", apenas imita (mal) um sistema que remonta ao Descobrimento. Foi a esse inédito sistema, iniciado com a Carta de Recife, que os competentes ícones petistas, como o Lula e o réu Cara-Cortada, recorreram para chegar ao poder. Claro, o esquema sofreu modificações, afinal os tempos mudaram, agora os pés-de-chinelo têm alguma vez na hora de meter a mão, não são apenas os filhos da "elite".
Ser e também parecer
Por Dora Kramer, hoje, num periódico de direita (todos o são, pois não?)
A denúncia de corrupção contra o ministro do Esporte, Orlando Silva, feita por um policial investigado pelo mesmo crime e ex-militante do PC do B, impõe à presidente Dilma Rousseff o dilema de sempre.
Ou ela leva a fundo o caso ou adota a tese da "casca grossa" defendida por Lula: arquiva a acusação no escaninho dos episódios nebulosos sem desfecho e segue em frente.
É uma escolha com a qual o governo está acostumado a lidar, conforme demonstrado no ensaio da faxina que não resistiu aos reclamos dos partidos ameaçados e ao desconforto do PT com as inevitáveis comparações de tolerância entre Dilma e seu criador.
Mas, em se tratando da pasta que estará à frente da próxima Copa do Mundo, as coisas ficam um tanto mais complicadas: para muito além das conveniências da coalizão governamental, há a repercussão internacional e todas as implicações decorrentes de um acontecimento que envolverá tanto dinheiro que nem os órgãos públicos sabem ao certo quantos bilhões serão gastos.
Uma amiga muito arguta fez a seguinte observação: "É tanto dinheiro envolvido, são tantas as possibilidades de desvio nessa Copa que o mínimo que se pode fazer é pôr à frente disso alguém acima de qualquer suspeita".
Madre Teresa? Em matéria de imagem, algo por aí.
Tenha ou não culpa nesse cartório, esteja sendo vítima ou não de uma falsidade, seja o testemunho do policial veraz ou não, fato é que o ministro Orlando Silva não tem o atributo principal para encarnar o poder público na Copa: confiabilidade.
A denúncia de seu ex-companheiro de partido não é a primeira. Já foi personagem de outras acusações e está longe de representar uma unanimidade sob qualquer aspecto, interna ou externamente, política ou administrativamente falando.
Esse não é um caso que a presidente possa se dar ao luxo de tratar como algo trivial ou sob a ótica da governabilidade negociada reinante. Nesta, o que está em jogo ao fim e ao cabo é a questão da sobrevivência de um grupo político, no transcorrer do governo ou no momento eleitoral para confirmação do poder.
Em relação à Copa do Mundo há muito mais. Por isso mesmo, se a presidente decidir mudar de ministro, conviria que não o fizesse no mesmo molde das substituições anteriores em que prevaleceu o critério da troca de seis por meia dúzia.
Dilma não pode errar: além de agir com presteza precisa também conferir grandeza ao gesto, mostrar que está ciente das implicações, transmitir, enfim, a mensagem de que não apenas sabe o nome do jogo em tela como compreende as regras e tem capacidade para comandar esse espetáculo levando em conta o interesse do Brasil em sair-se bem da empreitada.
Evidentemente não conseguirá isso com as mesmas manifestações de confiança que nas vezes anteriores logo foram substituídas pelo ato explícito de desconfiança das demissões, nem poderá tentar resolver o problema com um "bom desempenho" do ministro em depoimentos arquitetados pela maioria governista no Congresso ao molde da conveniência do depoente.
O buraco, aqui, é maior e mais embaixo. Apareceu uma oportunidade para o governo começar a acertar o passo na formatação da Copa de 2014. É decisão da presidente: pode aproveitá-la ou deixar passar a chance de se afirmar.
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