Vale a pena ler cada linha desta entrevista com Plínio de Arruda Sampaio, de julho/2005. Em setembro, Plínio tentaria a presidência do Partido dos Trabalhadores. Perdeu (e essa eleição também merece ser contada um dia) e não aguentou mais. Haveremos ainda de comenta-la, à luz dos dias que ora transcorrem. Dói...
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Ana Maria Tahan – Como você se envolveu com o PT?
Plínio de Arruda Sampaio – Quando voltei do exílio, em 76, vim com a idéia de fazer um partido socialista democrático. Almino Affonso, Fernando Henrique Cardoso e eu tínhamos uma combinação nesse sentido, feita no exterior. Chegando aqui, procuramos o pessoal que estava na briga: Jarbas Vasconcelos, Waldir Pires, a esquerda do MDB. Passamos 76, 77 e 78 articulando no Brasil inteiro. A idéia era FH disputar na eleição de 78 uma sublegenda dentro do MDB e, se passássemos de 1 milhão de votos, teríamos base para formar um partido. Fernando teve 1 milhão e 200 mil votos. Foi uma euforia: “Vamos estourar a boca do balão!”. No dia seguinte acordei cedo, liguei a TV e vi o flamante sociólogo sendo entrevistado como o ás da eleição. E ele dizia: “Neste momento a unidade da oposição é importantíssima e qualquer saída do MDB é divisionismo”. Telefonei para ele: “Desci do bonde! Não foi isso o combinado”.
Ricky Goodwin – E ele respondeu: “Esqueçam tudo que combinei!”
Plínio – Vocês não fazem idéia de como fiquei abatido! Quando a FAO me convidou para trabalhar na Europa, com base na minha experiência com reforma agrária durante meu exílio, eu aceitei. Nesse meio tempo, Lula começou a montar um partido e aí José Álvaro Moisés me procurou para que eu fizesse o estatuto deste futuro Partido dos Trabalhadores. É curioso porque a minha campanha hoje à presidência do PT, nas eleições de setembro próximo, está referida a esta concepção de partido. Isto que está acontecendo no PT é porque esta concepção foi abandonada.
Demerval Netto – E que concepção é essa?
Plínio – “No PT as bases mandam.” O PT usou isto como slogan mas não o adotou na prática. As decisões teriam que ser tomadas pela base. Podia ser numa fábrica, num bairro ou numa corporação, mas esses petistas deveriam ser consultados por todas as instâncias do partido antes de se tomar decisões.
Ziraldo – Mas isso é muito imobilizador, né?
Plínio – É o que eles diziam. Eu não acho. É o pau que está dando na minha campanha agora. Mas, na verdade, é o sadio anarquismo dos cristãos. E com a internet essa organização ficou mais fácil.
Ana Maria – Não é o assembleísmo de que tanto acusam o PT?
Plínio – Mas precisamos politizar o nosso povo. Um partido político é um instrumento pedagógico. Por exemplo: a campanha do desarmamento. Dizem que vão consultar o povo. Mas antes do povo se pronunciar ele precisa discutir a questão. Para mim, isto está sendo usado para desviar das causas reais da violência. E a transposição do Rio São Francisco, que vai afetar a vida de milhões de pessoas? O povo não está discutindo isso.
Demerval – Em que momento o PT deixou de ouvir as bases?
Plínio – O PT eram três forças: os católicos, os sindicalistas e os ex-revolucionários. Os católicos não têm formação política, a Igreja os proveu de uma indignação moral contra a injustiça mas não lhes deu a teoria. Não tinham organicidade. Os sindicalistas eram corporativistas. Quem tinha teoria política era a turma que veio da luta armada.
Demerval – Esse pessoal: José Dirceu, Genoino...
Plínio – Que estavam interessados em ter contato com a massa. Então promoviam assembléia atrás de assembléia. Era o auge das Comunidades Eclesiásticas, da CUT, do MST, das Pastorais da Terra, Associação de Moradores, e tudo isso convergiu no PT. Neste primeiro momento, os núcleos de base eram muito vivos e o povo ficou fascinado por discutir política. Os cristãos e os sindicalistas não conseguiam entender isso e às vezes ficavam indignados. O PT então tinha uma estratégia de dois braços: um era a pressão direta de massas (estende o braço esquerdo) e outro buscava ocupar espaços na estrutura institucional do Estado através das eleições (estica o braço direito). Naquele primeiro momento os deputados do PT viviam aqui (aponta o braço esquerdo). Não tinha greve ou ocupação em que não estivessem à frente. Hoje não se vê deputado do PT em assembléia nenhuma. De 81 a 89 houve um PT aguerrido, voltado para as bases.
Ana Maria – E já com uma participação no poder. Em 88 elegeu Erundina em SP.
Plínio – Com o tempo esse braço paralisou (encolhe o braço esquerdo) e esse braço cresceu (estica ainda mais o direito). No momento em que se tornou uma alternativa eleitoral, a coisa complicou. Tenho a impressão de que subiu à cabeça a idéia de conquistar o Estado, e através do Estado fazer a transformação. E aí não usaram mais os métodos artesanais, mas os profissionais. Mal interpretado, deu no que deu. Num certo momento, o PT optou por isto. A primeira campanha do Lula, em 89, teve um programa muito forte. Ali realmente desequilibraríamos. Sem dúvida, aquele era um processo de ruptura. Muito difícil. Possivelmente nem terminaríamos o mandato. A decisão de mudar era real em todos os níveis, a começar pela renegociação da dívida.
Ricky – Conseguiria alguma coisa ou era mesmo um sonho de verão?
Plínio – Alguma coisa, mas a gente cairia. Haveria o embate.
Ricky – Pelo menos cairia de pé e não de quatro, como agora.
Plínio – Um ano depois, quando fui candidato a governador de SP, eu dizia que era o terceiro turno. Meu filho Plínio, mais inteligente do que eu, dizia: “Papai, mudou tudo. Não vai ter terceiro turno”. Pensaram também que a candidatura de Lula em 94 seria um terceiro turno, mas foi uma coisa morta. Lula estava com 40% e em um mês caiu totalmente. Sua estratégia era a mesma de 89 e não pegava mais.
Ricky – Mas o PT em 89 chegara tão perto do poder, mas tão perto, que provou daquela água e nunca mais esqueceu o gosto. Não queria mais parar de concorrer.
Plínio – E alguma coisa mudou. Em 98 o Lula chegou a ter dúvidas de que seria candidato. Tive a oportunidade de ter uma longa conversa com ele sobre isso. Vínhamos num avião para Pedro Canário, onde íamos dar uma mão ao José Rainha. Estávamos Vicentinho, João Paulo Magalhães, eu e o Lula, que disse: “Não posso ficar bloqueando os outros nomes do partido... não sei, também se eu perder novamente vou ficar com pecha de perdedor... o que vocês acham?” Eu disse: “O senhor deve ser candidato porque é o único que tem alcance nacional, mas não deve fazer uma campanha para ganhar”. “Como? Uma campanha para perder?!” “Você vai perder de qualquer maneira. E se por acaso ganhar não leva. Faça então uma campanha para denunciar o sistema e para enunciar o socialismo, que nunca foi enunciado para o povo brasileiro. Exponha essas idéias para o povo conhecer.” Me lembro da cara do João Paulo (boquiaberto): “Mas como? Campanha para perder?!” Expliquei: “É evidente que ele não vai chegar na TV e dizer ‘Meus amigos, eu quero perder’. Não estou propondo que seja burro e sim realista. Não vai ganhar agora mas pode plantar para mais adiante.” Lula ficou tão preocupado com isso que reuniu os companheiros mais chegados para discutir o assunto. Foram umas 50 pessoas, no Instituto de Cidadania. Não pude ir e mandei o Plininho, que depois me telefonou: “Ih, pai, tua idéia apanhou que nem vaca na horta! Acharam um absurdo!” Me contaram depois que uma das pessoas da reunião dizia: “Que isso, Lula, pára com isso, é uma estupidez do Plínio. O negócio é marketing! Marketing!”
Ana Maria – Quem falou isso? Por que aconteceu justamente isso!
Plínio – Não tenho o nome do santo mas o milagre está aí.
Ivan Alves – No documentário Entreatos, Lula faz referência a esta conversa.
Plínio – Tanto isso foi uma coisa forte que anos depois ainda comenta, revoltado: “Imaginem que um intelectual disse pra mim que eu devia perder!” Lembram da euforia que ele estava no final da campanha? Ali tinham feito a opção pelo marketing e pelo processo normal de chegar ao poder. Fizeram a opção pelo que está acontecendo agora. E isso com que agora as vestais estão horrorizadas, todos os governantes do Brasil fizeram! Todos, sem exceção! Desde Pedro Álvares Cabral, que deve ter pago mensalão para algum cacique!
Ana Maria – O primeiro marqueteiro foi Pero Vaz de Caminha!
Ziraldo – Estão caindo em cima do Lula como se ninguém mais tivesse feito! Por que alguns faladores estão caladinhos e ninguém quer que se estenda a CPI pra trás?
Claudius – E as privatizações? E as teles? E a reeleição de FH?
Ivan – O PT obteve em 2002 uma formidável vitória eleitoral e hoje está derrotado politicamente. A que você atribui isso?
Plínio – Tudo tem uma lógica interna. Se opto para chegar ao poder através da eleição tenho que ampliar meu eleitorado entre a classe média. Logo, tenho que tomar cuidado ao falar algumas coisas. Começo a adocicar minha mensagem de tal maneira que eu fale o que o eleitor quer ouvir. O marqueteiro é isso: um especialista em fazer você falar o que o outro quer ouvir.
Ivan – Mas o povo votou por mudanças. Se o PT encarnasse essas mudanças o povo apoiaria.
Plínio – O povo votou sem saber que a mudança tem um preço. Esse é o drama do Brasil. Não há solução sem um período forte de instabilidade e de grande disputa. Tem que enfrentar o imperialismo e não pagar a dívida. Não pagando a dívida, a inflação sobe. Subindo a inflação, atrapalha o equilíbrio econômico e setores ficarão sem emprego, outros ficarão sem abastecimento. Como é que se enfrenta uma situação dessas? Com o povo do seu lado.
Ricky – Que é a linha Chávez.
Plínio – O Chávez fica lá porque o povo vai pra rua. Mas se você tem 53 milhões de votos conseguidos pelo Duda Mendonça, dizendo “paz e amor, bicho”, qual a segurança que você tem de que o povo vai te agüentar na hora em que você sofrer represálias?
Claudius – O que está faltando não é justamente essa convocação ao povo? O PT seria o único partido capaz de clamar por mudanças. Mas não fez.
Rodolfo Athayde – Já não havia uma acomodação ideológica tal, antes da eleição, que seria impensável qualquer tipo de mudança consistente depois de tomado o poder?
Plínio – Sim. Estas decisões foram tomadas há mais tempo. Tanto que fui convidado para ser da coordenação da campanha de 2002 e não aceitei.
Claudius – O que aconteceu na vida dessas pessoas que tinham uma certa biografia? José Dirceu, por exemplo, que agora está saindo à francesa?
Plínio – Houve uma queda brutal no pensamento socialista. O comunismo acabou e verificaram que na Rússia havia era a pilantragem. Os soviéticos continuavam com sua fé religiosa e de noite rezavam para Rosa de Luxemburgo. Sobrou o quê? O poder. “Para mudar as coisas, vamos para o poder!” Isso matou o partido. É um pouco essa idéia de que os fins justificam os meios.
Ivan – Só que o fim acabou e foi substituído pelos meios!
Ricky – Vale a pena ainda lutar então pelo socialismo?
Plínio – Eu estou mais preocupado em falar umas tantas coisas que precisam ser ditas e em resgatar umas esperanças que precisam ser resgatadas. Principalmente as esperanças das pessoas muito simples. Hoje, vindo para cá, aproximou-se de mim um homem com uma criança no colo e disse: “O senhor é o Dr. Plínio? Ô, doutor, que situação, hein! Confio no senhor, hein!”. Não estou vendo nenhuma revolução socialista amanhã.
Ziraldo – (abraça Plínio) Que maravilha! Setenta e cinco anos e ainda pensa num futuro distante!
Plínio – Se a nossa geração deixar um instrumento político sério para o povo brasileiro, cumpriu seu papel.
Ivan – Você fala muito no efeito do marketing. Mas na verdade o que ganhou a eleição foi a figura do Lula, que encarnou a esperança do povo brasileiro.
Plínio – Ele foi um bom produto, mas criou-se uma esperança infundada. Ninguém pensou que para repartir a terra teria que brigar com o agronegócio, que aí não exporta, caindo então a receita de dólares, e aí não se pode pagar a dívida. Já há aí uma primeira briga. Uma segunda briga seria mexer com o capital imobiliário. Experimenta fazer isso aqui no Rio para ver quem se levantará contra! E a mídia inteira contra? Vai brigar com ela também? Só se transforma esse país com uma tremenda luta e o PT era para preparar essa luta e não para preparar medidas administrativas.
Claudius – E agora, acabou a esperança? Volta o medo?
Plínio – Olha, a minha chapa se chama Esperança Militante. Eu não perco minha esperança de jeito nenhum.
Ricky – Quem é sua chapa?
Plínio – São uns loucos que querem ver esse troço dar certo. Estou com três tendências que são gente finíssima: a Ação Popular Socialista do Ivan Valente, o Brasil Socialista do Bruno Maranhão e o Fórum Socialista do Renato Simões. Estou também com dissidências da articulação de esquerda e um grupo de Minas Gerais chamado Tendência Marxista-Leninista.
Ana Maria – Somados, dão quantos por cento do diretório do PT?
Plínio – Do diretório atual, uns 15%. Mas... (abre seu caderno para uma folha em branco) o PT são 4 ou 5 mil pessoas na sede do partido (desenha um círculo pequeno no centro). Aqui tenho uns 15%. Depois tem o grupo de pessoas que vota sempre no PT, acompanha tudo de política e tal (desenha um círculo maior em torno do primeiro). Os mesmos 15% devo ter aqui. Mas em volta destes todos existem 800 mil filiados que votam (desenha um círculo enorme englobando os anteriores). O discurso que estou fazendo hoje para vocês tem muita entrada no PT. Esse pessoal aqui (aponta para o segundo e terceiro círculos) está indignado com o que está acontecendo.
Demerval – Se você ganhar, o que o PT vai fazer com o Lula?
Plínio – Se eu ganhar será uma revolução enorme. Terá um impacto brutal. O grande esforço do governo Lula, através do Palocci, é o confidence building: construir a confiança dos credores. Se ganha uma pessoa que diz ao JB ser a favor da renegociação da dívida... Não falo em não pagar, mas em ter uma atitude soberana, sentar todo mundo para renegociar, dizendo: “O Brasil precisa dos recursos para atender a sua situação social terrível e para investir em seu crescimento e criar empregos. O que sobrar daí será usado para pagar a dívida”. Se eu ganho, então, a pergunta não é o que o PT fará com o Lula, mas o que o Lula fará com o PT. O efeito será tal que terá que tomar uma posição, pois o PT estará engajado na campanha da renegociação da dívida.
Ivan – Kirchner tomou essa posição e sobreviveu.
Plínio – Eu vou dizer: “Lula, você é o portador da esperança de mudança. Minha vitória é a demonstração de que o partido quer mudança. Oferecemos a você um programa que não é de ruptura, mesmo porque você tem um ano e meio de governo, mas que implica em gestos. Mudar a política econômica é um gesto”.
Claudius – E como o PT vai compor esse governo? Sem as alianças é um partido minoritário.
Plínio – Tem que se desfazer de todas essas alianças. O regime é presidencialista e o presidente pode governar em minoria. Não seria o primeiro a governar sem maioria. Temos uma Constituição. O presidente tem o veto, tem a iniciativa das leis que implicam em gastos e tem a faculdade de requisitar qualquer veículo de comunicação a qualquer momento para falar ao povo. No dia daquela conversa com o Lula eu disse a ele: “O Brasil não precisa de um presidente. O Brasil precisa de um líder. Não se muda uma sociedade com um presidente, mas com um líder sim. De Gaulle era um líder”. Claro, sempre será necessária alguma composição. A política não é só uma ciência, é também uma arte. O problema é ser hegemônico nesse processo. Por exemplo: em 89 tentei trazer o PMDB para apoiar o Lula, mas era o PMDB do Ulysses, do Covas, do Severo Gomes e do Montoro.
Claudius – Esse papel de líder não está muito próximo ao de um ditador? Não é o contrário de tudo o que você está pregando com relação a consultar as bases?
Plínio – Todo processo tem uma figura de liderança.
Demerval – Mas isso não vira uma figura messiânica?
Plínio – Há uma diferença entre líder carismático e líder populista. Lula foi diferente dos líderes populistas brasileiros por sempre ter sido um homem de partido, e de um partido forte. Mas o que está acontecendo agora? Estão deslocando a figura do Lula do seu partido político. É um retrocesso. Lula terá a conexão direta com a massa sem a intermediação de um partido, o que é perigoso. É por isso que o noticiário dos jornais conservadores colocam José Dirceu como o grande vilão da história e preservam o Lula.
Ziraldo – Mas o Lula está se prestando a isso! Vai se candidatar novamente e vai ser reeleito como uma rainha da Inglaterra. Vão impor um ministério a ele. E só daqui a seis anos vamos ter uma luz.
Claudius – Isso seria uma tragédia maior do que perder a eleição.
Ricky – Seria melhor que o PT tivesse perdido em 2002?
Plínio – Não deveríamos ter ganhado em 2002 – e com isto não ganharíamos em 2006 – e neste tempo poderíamos ter construído um líder que chegasse lá com sustentação firme. Uma coisa é chegar ao governo. Outra é chegar ao poder. Não podemos queimar etapas. O que aconteceu com o PT foi que chegou ao governo antes de ter poder. De que adianta chegar ao poder se não tem os elementos para fazer o que considera necessário?
Ricky – Como conseguir esses elementos?
Plínio – Mobilização.
Ziraldo – Por que você não foi pro PSOL?
Plínio – Estão loucos atrás de mim, mas precisamos rever o método de fazer política. Fazer um outro partido através de três ou quatro deputados é continuar no andar de cima. Deveriam estar se preocupando com cursos de formação, em solucionar os problemas de comunicação, mas não, é a eleição, depois outra eleição... Devido ao atual estado emocional do país pode haver uma grande votação mas não haverá uma base. E eles não deveriam ter saído do PT. Tem um grupo inclusive dizendo: “Se o Plínio ganhar eu volto”.
Demerval – Plininho, seu filho, disse que o PT é irrecuperável.
Plínio – As limitações do PT precisam ser vistas dentro do prisma de que este é um país de dois andares (constrói com as mãos um prédio imaginário de dois andares). A política sempre foi privativa da elite. Até 1930, nem passava perto do andar de baixo. De lá para cá, uma facção de cima, para ser governo, passou a ter que ir lá embaixo, conseguir votos e voltar. Com isto já se estendeu a educação e se abriu o funcionalismo para a classe média. O PT é a primeira cabeça-de-ponte que o povo, do andar de baixo, consegue no andar de cima. A primeira com dimensão nacional, para não fazer injustiça com os companheiros que foram torturados nos partidos comunistas anteriores, partidos que fizeram essas cabeças-de-ponte, mas pequenas, não agüentaram. O que era grande no PT era sua heterodoxia, misturando cristãos com comunistas e com sindicalistas, num amálgama autêntica. Dava pau, era doído, mas era autêntico. Isso precisa ser reconstruído. Precisamos primeiro esgotar a experiência petista.
Claudius – Como essa crise é decantada e chega ao andar de baixo?
Plínio – Foi a primeira vez que o povo gestou uma coisa dele. Como coisa do povo, teve os defeitos do povo, mas sentiram que era alguma coisa a ver com eles. Temos dificuldade em perceber isto porque um homem do povo fala conosco como se fôssemos girafas. Seus padrões de julgamento não são os nossos. Outro dia a direção dos sem-terra estava em casa comigo discutindo: “Mas o Lula tem coragem de dar um aumento de R$ 6!”. Aí um caboclinho da base, que tinha vindo com eles, falou: “Pô, mas R$ 6 é uma grana, meu!”.
Demerval – Você falou que sua eleição influenciaria o Lula a tomar algumas atitudes, mas é possível realmente haver uma volta deste governo às origens do PT, com esses compromissos que já assumiu na política econômica e na política externa? Não é uma visão romântica?
Plínio – Você vai numa estrada. Tem uma encruzilhada. Escolhe um rumo e anda por dez quilômetros até perceber que está no caminho errado. O que você faz? Volta. Durante o tempo que gasta voltando, poderia estar andando no caminho certo, mas a única maneira é voltar para a encruzilhada e refazer seu rumo. A possibilidade de avanço que o Lula tinha com 53 milhões de votos está perdida, não existe mais. Mas se fizer um ou dois gestos pelo menos estará marcando um rumo, menor, é verdade, mas evitando seguir no caminho errado. A grande massa que votou nele ainda tem uma imensa confiança nele.
Fonte: Jornal do Brasil
Plínio de Arruda Sampaio – Quando voltei do exílio, em 76, vim com a idéia de fazer um partido socialista democrático. Almino Affonso, Fernando Henrique Cardoso e eu tínhamos uma combinação nesse sentido, feita no exterior. Chegando aqui, procuramos o pessoal que estava na briga: Jarbas Vasconcelos, Waldir Pires, a esquerda do MDB. Passamos 76, 77 e 78 articulando no Brasil inteiro. A idéia era FH disputar na eleição de 78 uma sublegenda dentro do MDB e, se passássemos de 1 milhão de votos, teríamos base para formar um partido. Fernando teve 1 milhão e 200 mil votos. Foi uma euforia: “Vamos estourar a boca do balão!”. No dia seguinte acordei cedo, liguei a TV e vi o flamante sociólogo sendo entrevistado como o ás da eleição. E ele dizia: “Neste momento a unidade da oposição é importantíssima e qualquer saída do MDB é divisionismo”. Telefonei para ele: “Desci do bonde! Não foi isso o combinado”.
Ricky Goodwin – E ele respondeu: “Esqueçam tudo que combinei!”
Plínio – Vocês não fazem idéia de como fiquei abatido! Quando a FAO me convidou para trabalhar na Europa, com base na minha experiência com reforma agrária durante meu exílio, eu aceitei. Nesse meio tempo, Lula começou a montar um partido e aí José Álvaro Moisés me procurou para que eu fizesse o estatuto deste futuro Partido dos Trabalhadores. É curioso porque a minha campanha hoje à presidência do PT, nas eleições de setembro próximo, está referida a esta concepção de partido. Isto que está acontecendo no PT é porque esta concepção foi abandonada.
Demerval Netto – E que concepção é essa?
Plínio – “No PT as bases mandam.” O PT usou isto como slogan mas não o adotou na prática. As decisões teriam que ser tomadas pela base. Podia ser numa fábrica, num bairro ou numa corporação, mas esses petistas deveriam ser consultados por todas as instâncias do partido antes de se tomar decisões.
Ziraldo – Mas isso é muito imobilizador, né?
Plínio – É o que eles diziam. Eu não acho. É o pau que está dando na minha campanha agora. Mas, na verdade, é o sadio anarquismo dos cristãos. E com a internet essa organização ficou mais fácil.
Ana Maria – Não é o assembleísmo de que tanto acusam o PT?
Plínio – Mas precisamos politizar o nosso povo. Um partido político é um instrumento pedagógico. Por exemplo: a campanha do desarmamento. Dizem que vão consultar o povo. Mas antes do povo se pronunciar ele precisa discutir a questão. Para mim, isto está sendo usado para desviar das causas reais da violência. E a transposição do Rio São Francisco, que vai afetar a vida de milhões de pessoas? O povo não está discutindo isso.
Demerval – Em que momento o PT deixou de ouvir as bases?
Plínio – O PT eram três forças: os católicos, os sindicalistas e os ex-revolucionários. Os católicos não têm formação política, a Igreja os proveu de uma indignação moral contra a injustiça mas não lhes deu a teoria. Não tinham organicidade. Os sindicalistas eram corporativistas. Quem tinha teoria política era a turma que veio da luta armada.
Demerval – Esse pessoal: José Dirceu, Genoino...
Plínio – Que estavam interessados em ter contato com a massa. Então promoviam assembléia atrás de assembléia. Era o auge das Comunidades Eclesiásticas, da CUT, do MST, das Pastorais da Terra, Associação de Moradores, e tudo isso convergiu no PT. Neste primeiro momento, os núcleos de base eram muito vivos e o povo ficou fascinado por discutir política. Os cristãos e os sindicalistas não conseguiam entender isso e às vezes ficavam indignados. O PT então tinha uma estratégia de dois braços: um era a pressão direta de massas (estende o braço esquerdo) e outro buscava ocupar espaços na estrutura institucional do Estado através das eleições (estica o braço direito). Naquele primeiro momento os deputados do PT viviam aqui (aponta o braço esquerdo). Não tinha greve ou ocupação em que não estivessem à frente. Hoje não se vê deputado do PT em assembléia nenhuma. De 81 a 89 houve um PT aguerrido, voltado para as bases.
Ana Maria – E já com uma participação no poder. Em 88 elegeu Erundina em SP.
Plínio – Com o tempo esse braço paralisou (encolhe o braço esquerdo) e esse braço cresceu (estica ainda mais o direito). No momento em que se tornou uma alternativa eleitoral, a coisa complicou. Tenho a impressão de que subiu à cabeça a idéia de conquistar o Estado, e através do Estado fazer a transformação. E aí não usaram mais os métodos artesanais, mas os profissionais. Mal interpretado, deu no que deu. Num certo momento, o PT optou por isto. A primeira campanha do Lula, em 89, teve um programa muito forte. Ali realmente desequilibraríamos. Sem dúvida, aquele era um processo de ruptura. Muito difícil. Possivelmente nem terminaríamos o mandato. A decisão de mudar era real em todos os níveis, a começar pela renegociação da dívida.
Ricky – Conseguiria alguma coisa ou era mesmo um sonho de verão?
Plínio – Alguma coisa, mas a gente cairia. Haveria o embate.
Ricky – Pelo menos cairia de pé e não de quatro, como agora.
Plínio – Um ano depois, quando fui candidato a governador de SP, eu dizia que era o terceiro turno. Meu filho Plínio, mais inteligente do que eu, dizia: “Papai, mudou tudo. Não vai ter terceiro turno”. Pensaram também que a candidatura de Lula em 94 seria um terceiro turno, mas foi uma coisa morta. Lula estava com 40% e em um mês caiu totalmente. Sua estratégia era a mesma de 89 e não pegava mais.
Ricky – Mas o PT em 89 chegara tão perto do poder, mas tão perto, que provou daquela água e nunca mais esqueceu o gosto. Não queria mais parar de concorrer.
Plínio – E alguma coisa mudou. Em 98 o Lula chegou a ter dúvidas de que seria candidato. Tive a oportunidade de ter uma longa conversa com ele sobre isso. Vínhamos num avião para Pedro Canário, onde íamos dar uma mão ao José Rainha. Estávamos Vicentinho, João Paulo Magalhães, eu e o Lula, que disse: “Não posso ficar bloqueando os outros nomes do partido... não sei, também se eu perder novamente vou ficar com pecha de perdedor... o que vocês acham?” Eu disse: “O senhor deve ser candidato porque é o único que tem alcance nacional, mas não deve fazer uma campanha para ganhar”. “Como? Uma campanha para perder?!” “Você vai perder de qualquer maneira. E se por acaso ganhar não leva. Faça então uma campanha para denunciar o sistema e para enunciar o socialismo, que nunca foi enunciado para o povo brasileiro. Exponha essas idéias para o povo conhecer.” Me lembro da cara do João Paulo (boquiaberto): “Mas como? Campanha para perder?!” Expliquei: “É evidente que ele não vai chegar na TV e dizer ‘Meus amigos, eu quero perder’. Não estou propondo que seja burro e sim realista. Não vai ganhar agora mas pode plantar para mais adiante.” Lula ficou tão preocupado com isso que reuniu os companheiros mais chegados para discutir o assunto. Foram umas 50 pessoas, no Instituto de Cidadania. Não pude ir e mandei o Plininho, que depois me telefonou: “Ih, pai, tua idéia apanhou que nem vaca na horta! Acharam um absurdo!” Me contaram depois que uma das pessoas da reunião dizia: “Que isso, Lula, pára com isso, é uma estupidez do Plínio. O negócio é marketing! Marketing!”
Ana Maria – Quem falou isso? Por que aconteceu justamente isso!
Plínio – Não tenho o nome do santo mas o milagre está aí.
Ivan Alves – No documentário Entreatos, Lula faz referência a esta conversa.
Plínio – Tanto isso foi uma coisa forte que anos depois ainda comenta, revoltado: “Imaginem que um intelectual disse pra mim que eu devia perder!” Lembram da euforia que ele estava no final da campanha? Ali tinham feito a opção pelo marketing e pelo processo normal de chegar ao poder. Fizeram a opção pelo que está acontecendo agora. E isso com que agora as vestais estão horrorizadas, todos os governantes do Brasil fizeram! Todos, sem exceção! Desde Pedro Álvares Cabral, que deve ter pago mensalão para algum cacique!
Ana Maria – O primeiro marqueteiro foi Pero Vaz de Caminha!
Ziraldo – Estão caindo em cima do Lula como se ninguém mais tivesse feito! Por que alguns faladores estão caladinhos e ninguém quer que se estenda a CPI pra trás?
Claudius – E as privatizações? E as teles? E a reeleição de FH?
Ivan – O PT obteve em 2002 uma formidável vitória eleitoral e hoje está derrotado politicamente. A que você atribui isso?
Plínio – Tudo tem uma lógica interna. Se opto para chegar ao poder através da eleição tenho que ampliar meu eleitorado entre a classe média. Logo, tenho que tomar cuidado ao falar algumas coisas. Começo a adocicar minha mensagem de tal maneira que eu fale o que o eleitor quer ouvir. O marqueteiro é isso: um especialista em fazer você falar o que o outro quer ouvir.
Ivan – Mas o povo votou por mudanças. Se o PT encarnasse essas mudanças o povo apoiaria.
Plínio – O povo votou sem saber que a mudança tem um preço. Esse é o drama do Brasil. Não há solução sem um período forte de instabilidade e de grande disputa. Tem que enfrentar o imperialismo e não pagar a dívida. Não pagando a dívida, a inflação sobe. Subindo a inflação, atrapalha o equilíbrio econômico e setores ficarão sem emprego, outros ficarão sem abastecimento. Como é que se enfrenta uma situação dessas? Com o povo do seu lado.
Ricky – Que é a linha Chávez.
Plínio – O Chávez fica lá porque o povo vai pra rua. Mas se você tem 53 milhões de votos conseguidos pelo Duda Mendonça, dizendo “paz e amor, bicho”, qual a segurança que você tem de que o povo vai te agüentar na hora em que você sofrer represálias?
Claudius – O que está faltando não é justamente essa convocação ao povo? O PT seria o único partido capaz de clamar por mudanças. Mas não fez.
Rodolfo Athayde – Já não havia uma acomodação ideológica tal, antes da eleição, que seria impensável qualquer tipo de mudança consistente depois de tomado o poder?
Plínio – Sim. Estas decisões foram tomadas há mais tempo. Tanto que fui convidado para ser da coordenação da campanha de 2002 e não aceitei.
Claudius – O que aconteceu na vida dessas pessoas que tinham uma certa biografia? José Dirceu, por exemplo, que agora está saindo à francesa?
Plínio – Houve uma queda brutal no pensamento socialista. O comunismo acabou e verificaram que na Rússia havia era a pilantragem. Os soviéticos continuavam com sua fé religiosa e de noite rezavam para Rosa de Luxemburgo. Sobrou o quê? O poder. “Para mudar as coisas, vamos para o poder!” Isso matou o partido. É um pouco essa idéia de que os fins justificam os meios.
Ivan – Só que o fim acabou e foi substituído pelos meios!
Ricky – Vale a pena ainda lutar então pelo socialismo?
Plínio – Eu estou mais preocupado em falar umas tantas coisas que precisam ser ditas e em resgatar umas esperanças que precisam ser resgatadas. Principalmente as esperanças das pessoas muito simples. Hoje, vindo para cá, aproximou-se de mim um homem com uma criança no colo e disse: “O senhor é o Dr. Plínio? Ô, doutor, que situação, hein! Confio no senhor, hein!”. Não estou vendo nenhuma revolução socialista amanhã.
Ziraldo – (abraça Plínio) Que maravilha! Setenta e cinco anos e ainda pensa num futuro distante!
Plínio – Se a nossa geração deixar um instrumento político sério para o povo brasileiro, cumpriu seu papel.
Ivan – Você fala muito no efeito do marketing. Mas na verdade o que ganhou a eleição foi a figura do Lula, que encarnou a esperança do povo brasileiro.
Plínio – Ele foi um bom produto, mas criou-se uma esperança infundada. Ninguém pensou que para repartir a terra teria que brigar com o agronegócio, que aí não exporta, caindo então a receita de dólares, e aí não se pode pagar a dívida. Já há aí uma primeira briga. Uma segunda briga seria mexer com o capital imobiliário. Experimenta fazer isso aqui no Rio para ver quem se levantará contra! E a mídia inteira contra? Vai brigar com ela também? Só se transforma esse país com uma tremenda luta e o PT era para preparar essa luta e não para preparar medidas administrativas.
Claudius – E agora, acabou a esperança? Volta o medo?
Plínio – Olha, a minha chapa se chama Esperança Militante. Eu não perco minha esperança de jeito nenhum.
Ricky – Quem é sua chapa?
Plínio – São uns loucos que querem ver esse troço dar certo. Estou com três tendências que são gente finíssima: a Ação Popular Socialista do Ivan Valente, o Brasil Socialista do Bruno Maranhão e o Fórum Socialista do Renato Simões. Estou também com dissidências da articulação de esquerda e um grupo de Minas Gerais chamado Tendência Marxista-Leninista.
Ana Maria – Somados, dão quantos por cento do diretório do PT?
Plínio – Do diretório atual, uns 15%. Mas... (abre seu caderno para uma folha em branco) o PT são 4 ou 5 mil pessoas na sede do partido (desenha um círculo pequeno no centro). Aqui tenho uns 15%. Depois tem o grupo de pessoas que vota sempre no PT, acompanha tudo de política e tal (desenha um círculo maior em torno do primeiro). Os mesmos 15% devo ter aqui. Mas em volta destes todos existem 800 mil filiados que votam (desenha um círculo enorme englobando os anteriores). O discurso que estou fazendo hoje para vocês tem muita entrada no PT. Esse pessoal aqui (aponta para o segundo e terceiro círculos) está indignado com o que está acontecendo.
Demerval – Se você ganhar, o que o PT vai fazer com o Lula?
Plínio – Se eu ganhar será uma revolução enorme. Terá um impacto brutal. O grande esforço do governo Lula, através do Palocci, é o confidence building: construir a confiança dos credores. Se ganha uma pessoa que diz ao JB ser a favor da renegociação da dívida... Não falo em não pagar, mas em ter uma atitude soberana, sentar todo mundo para renegociar, dizendo: “O Brasil precisa dos recursos para atender a sua situação social terrível e para investir em seu crescimento e criar empregos. O que sobrar daí será usado para pagar a dívida”. Se eu ganho, então, a pergunta não é o que o PT fará com o Lula, mas o que o Lula fará com o PT. O efeito será tal que terá que tomar uma posição, pois o PT estará engajado na campanha da renegociação da dívida.
Ivan – Kirchner tomou essa posição e sobreviveu.
Plínio – Eu vou dizer: “Lula, você é o portador da esperança de mudança. Minha vitória é a demonstração de que o partido quer mudança. Oferecemos a você um programa que não é de ruptura, mesmo porque você tem um ano e meio de governo, mas que implica em gestos. Mudar a política econômica é um gesto”.
Claudius – E como o PT vai compor esse governo? Sem as alianças é um partido minoritário.
Plínio – Tem que se desfazer de todas essas alianças. O regime é presidencialista e o presidente pode governar em minoria. Não seria o primeiro a governar sem maioria. Temos uma Constituição. O presidente tem o veto, tem a iniciativa das leis que implicam em gastos e tem a faculdade de requisitar qualquer veículo de comunicação a qualquer momento para falar ao povo. No dia daquela conversa com o Lula eu disse a ele: “O Brasil não precisa de um presidente. O Brasil precisa de um líder. Não se muda uma sociedade com um presidente, mas com um líder sim. De Gaulle era um líder”. Claro, sempre será necessária alguma composição. A política não é só uma ciência, é também uma arte. O problema é ser hegemônico nesse processo. Por exemplo: em 89 tentei trazer o PMDB para apoiar o Lula, mas era o PMDB do Ulysses, do Covas, do Severo Gomes e do Montoro.
Claudius – Esse papel de líder não está muito próximo ao de um ditador? Não é o contrário de tudo o que você está pregando com relação a consultar as bases?
Plínio – Todo processo tem uma figura de liderança.
Demerval – Mas isso não vira uma figura messiânica?
Plínio – Há uma diferença entre líder carismático e líder populista. Lula foi diferente dos líderes populistas brasileiros por sempre ter sido um homem de partido, e de um partido forte. Mas o que está acontecendo agora? Estão deslocando a figura do Lula do seu partido político. É um retrocesso. Lula terá a conexão direta com a massa sem a intermediação de um partido, o que é perigoso. É por isso que o noticiário dos jornais conservadores colocam José Dirceu como o grande vilão da história e preservam o Lula.
Ziraldo – Mas o Lula está se prestando a isso! Vai se candidatar novamente e vai ser reeleito como uma rainha da Inglaterra. Vão impor um ministério a ele. E só daqui a seis anos vamos ter uma luz.
Claudius – Isso seria uma tragédia maior do que perder a eleição.
Ricky – Seria melhor que o PT tivesse perdido em 2002?
Plínio – Não deveríamos ter ganhado em 2002 – e com isto não ganharíamos em 2006 – e neste tempo poderíamos ter construído um líder que chegasse lá com sustentação firme. Uma coisa é chegar ao governo. Outra é chegar ao poder. Não podemos queimar etapas. O que aconteceu com o PT foi que chegou ao governo antes de ter poder. De que adianta chegar ao poder se não tem os elementos para fazer o que considera necessário?
Ricky – Como conseguir esses elementos?
Plínio – Mobilização.
Ziraldo – Por que você não foi pro PSOL?
Plínio – Estão loucos atrás de mim, mas precisamos rever o método de fazer política. Fazer um outro partido através de três ou quatro deputados é continuar no andar de cima. Deveriam estar se preocupando com cursos de formação, em solucionar os problemas de comunicação, mas não, é a eleição, depois outra eleição... Devido ao atual estado emocional do país pode haver uma grande votação mas não haverá uma base. E eles não deveriam ter saído do PT. Tem um grupo inclusive dizendo: “Se o Plínio ganhar eu volto”.
Demerval – Plininho, seu filho, disse que o PT é irrecuperável.
Plínio – As limitações do PT precisam ser vistas dentro do prisma de que este é um país de dois andares (constrói com as mãos um prédio imaginário de dois andares). A política sempre foi privativa da elite. Até 1930, nem passava perto do andar de baixo. De lá para cá, uma facção de cima, para ser governo, passou a ter que ir lá embaixo, conseguir votos e voltar. Com isto já se estendeu a educação e se abriu o funcionalismo para a classe média. O PT é a primeira cabeça-de-ponte que o povo, do andar de baixo, consegue no andar de cima. A primeira com dimensão nacional, para não fazer injustiça com os companheiros que foram torturados nos partidos comunistas anteriores, partidos que fizeram essas cabeças-de-ponte, mas pequenas, não agüentaram. O que era grande no PT era sua heterodoxia, misturando cristãos com comunistas e com sindicalistas, num amálgama autêntica. Dava pau, era doído, mas era autêntico. Isso precisa ser reconstruído. Precisamos primeiro esgotar a experiência petista.
Claudius – Como essa crise é decantada e chega ao andar de baixo?
Plínio – Foi a primeira vez que o povo gestou uma coisa dele. Como coisa do povo, teve os defeitos do povo, mas sentiram que era alguma coisa a ver com eles. Temos dificuldade em perceber isto porque um homem do povo fala conosco como se fôssemos girafas. Seus padrões de julgamento não são os nossos. Outro dia a direção dos sem-terra estava em casa comigo discutindo: “Mas o Lula tem coragem de dar um aumento de R$ 6!”. Aí um caboclinho da base, que tinha vindo com eles, falou: “Pô, mas R$ 6 é uma grana, meu!”.
Demerval – Você falou que sua eleição influenciaria o Lula a tomar algumas atitudes, mas é possível realmente haver uma volta deste governo às origens do PT, com esses compromissos que já assumiu na política econômica e na política externa? Não é uma visão romântica?
Plínio – Você vai numa estrada. Tem uma encruzilhada. Escolhe um rumo e anda por dez quilômetros até perceber que está no caminho errado. O que você faz? Volta. Durante o tempo que gasta voltando, poderia estar andando no caminho certo, mas a única maneira é voltar para a encruzilhada e refazer seu rumo. A possibilidade de avanço que o Lula tinha com 53 milhões de votos está perdida, não existe mais. Mas se fizer um ou dois gestos pelo menos estará marcando um rumo, menor, é verdade, mas evitando seguir no caminho errado. A grande massa que votou nele ainda tem uma imensa confiança nele.
Fonte: Jornal do Brasil
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