jueves, 2 de septiembre de 2010

Tarso

Senhor Tarso


Imagino que o senhor ficou preocupadíssimo com a minha saúde, quando soube que surtei em Rivera. Tranquilize-se, patrício, estou observando as ordens médicas e não acontecerá de novo. Já pensou se eu tivesse uma arma à mão, e não uma corda? Ainda bem que jamais portei arma na vida. Salvo a adaga missioneira que ganhei da minha velha charrua quando completei 15 anos, mas aquela, para todos os efeitos, apesar da lâmina de 30 centímetros, era para picar fumo em noites galponeras, o minuado rugindo lá fora e invadindo pelas frinchas, eu sonhando com uma morena de dar cambota na imaginação.

Por algum tempo decidi afastar da mente as preocupações, deleguei a meus funcionários (os seguranças de arremetida), eles cuidarão de tudo, são bons, o mais fraquinho acerta a 1 cm do meio do diagrama a 100 metros de distância, os demais é bem no centro branquinho, no coração, por assim dizer. Com o blanco se movendo, claro, em alvo parado não tem graça. Alvos com figuras de hienas e tubarões são preferíveis, para desopilar. Outro dia queimamos 50 caixas de balas na foto de um bicho feio, mão-de-gato, da Academia e do Maranhão.

Dolores e eu até parece que estamos em lua-de-mel: vinho, música e dança. De certa forma estamos, mas ainda não bolei o jeito adequado de apresentá-la a minha mãe, a índia velha tem umas idéias antiquadas... Enfim, tenho ainda alguns dias para isso.

Na verdade o surto ocorreu instantes após ter acompanhado o seu programa na televisão. Quero parabenizá-lo: o asqueroso do seu marqueteiro é muito hábil, subliminarmente restou pacífico que o senhor sabe tudo de agricultura, que trabalhou na terra e é colono da antiga. Os gringos com forte sotaque da roça, italianos e alemães, ajudaram muito, que bom que numa hora dessas o senhor tenha amigos de infância nessa castigada profissão, deu para notar pela intimidade nas conversas entre vocês, abraçados, emocionados pelo reencontro. Mágicos momentos de ternura, quase chorei, imaginei a colonada assistindo aquilo, coração apertado, pensando "O Tarso é um dos nossos, nosso irmão".

Mande-me o nome do competente profissional da marquetagem, não tema, saberei lidar com o estelionatário, tenho experiência, por muitos anos visitei presídios, e uma das alas do Presídio Central concentrava peritos em 171. Posso vir a precisar dos serviços do embusteiro depois que eu fizer uma cirurgia de estômago, retirando-o, e resolver me transformar em pastor eletrônico ou no cientista que descobriu o remédio definitivo para o câncer. Ou quando quiser me tornar o Jesus Cristo que voltou para a todos redimir.

Por falar em redenção, no dia em que me aconteceu o probleminha da tentativa de suicídio eu andava com a inesquecível Praça da Redenção dando voltas na cabeça, ah, que saudade, quantos passeios maravilhosos, as corridas, o futebol, aquelas tardes de primavera, as domésticas, as flores... Ao anoitecer, quando se instalava a turma da fumaceira do Bonfa - na época todos eleitores do Fogaça - a gente atravessava a Av. Osvaldo Aranha e ia jogar sinuca e tomar cerveja no Bar João, cerveja quebrada com cana verde, losninha. No taco o Pato e eu éramos profissionais, digamos, aposentados (ele já trabalhava no banco do brasil, no tempo em que o banco roubava pouco, e eu vendia iô-iô, guarda-chuva e foto do papa na Rua da Praia), então a gente dava aos maconheiros a 7 livre e a saída de vantagem, pela despesa. Jamais precisamos pagar alguma coisa no João.

Foi quando surgiu o Fogaça na tela, não recordo de mais nada. Desconfio que foi pela destruição da amada praça que me bateu o desespero cego do qual falou Dolores. Para não votar naquele indivíduo tenho uma cinquentena de motivos. Outro dia voltarei ao assunto da tática dos bundões para se dar bem na vida.

Onde estávamos, ah... Viste: a tua amiga Mad Madam Mim (a Dilminha), com o azedume natural e a cara de poucos amigos dos bruta montes de Minas, do dia para a noite se transformou na Mulher Maravilha, poderosa, doce, querida e valorosa. Quem diria. Viste que lindo o sorriso de metalocerâmica que ela agora ostenta? Luminoso. Contagiante. E aqueles olhos antes apagados, agora repuxados, a reluzir. A vida é bela. Muito show. Recordou-me as fêmeas de vagalume quando vão à caça, brilhantes luciferinas de atração. Acaso o sujismundo que a assessora seria o mesmo seu?

Bem, mas não foi por acaso, senhor Tarso, que comecei esta cartinha falando em tiro ao alvo, em armas. Quero falar sobre o desarmamento da população brasileira, lhe fazer algumas perguntas para entender aquele imenso engodo de que fez parte. Alguém me disse o que todos já sabem: o senhor simplesmente não sabe perder, tenha ou não razão, é o seu lado "soviético". Mas eu não engulo essa, fácil demais.
(segue)

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