Lima Barreto volta e meia é lembrado. Ultimamente tem sido com mais frequência, talvez pelo efeito das eleições em algumas almas.
Já na sua estréia como escritor, em 1909, veio com o seu belo e terrível Recordações do Escrivão Isaías Caminha, por alguma razão publicado através de uma editora de Portugal.
Uma obra-prima que mais tarde custou-lhe a vida.
Os ofendidos não lhe perdoaram as verdades proferidas. Aquele mulato, libertário, plebeu, relaxado na escrita... como ousa!
Não sei onde meti o meu velho exemplar, então reli na Biblioteca Virtual.
Tendo os jornais brasileiros de hoje como suporte, para a caneta não me falhar, anoto fragmentos.
Sobre os críticos de literatura:
"Se o nome do autor era obscuro, se as informações colhidas lhe não davam de pronto um estado civil decente, Floc adiava a notícia e esperava que os grandes nomes da crítica se pronunciassem. Se eram favoráveis ao livro, ele repetia os elogios, ampliava as observações; se eram desfavoráveis, o elegante e viçoso crítico dava curso à sua natural hostilidade aos nomes novos que não surgiam nos jornais. Havia, porém, uma casta de autores, que ele sempre elogiava; eram os diplomatas. Um destes senhores publicou certa vez uma compilação de naturalistas e de receitas agrícolas, com fingimentos de Maeterlinck, sobre as frutas nacionais. Floc não se conteve: desandou um folhetim inteiro sobre o volume, elogiando a sua virtuosidade artística, o seu estilo límpido e sereno, mostrou o pensamento panteístico que o animava, só porque o primeiro-secretário da Legação de Caracas dissera que o mamão era terno e resignado".
E lá adiante metia na boca do seu personagem Leiva:
"... A Imprensa! Que quadrilha! Fiquem vocês sabendo que, se o Barba-Roxa ressuscitasse, agora com os nossos velozes cruzadores e formidáveis couraçados, só poderia dar plena expansão à sua atividade se se fizesse jornalista. Nada há tão parecido como o pirata antigo e o jornalista moderno: a mesma fraqueza de meios, servida por uma coragem de salteador; conhecimentos elementares do instrumento de que lançam mão e um olhar seguro, uma adivinhação, um faro para achar a presa e uma insensibilidade, uma ausência de senso moral a toda a prova... E assim dominam tudo, aterram, fazem que todas as manifestações de nossa vida coletiva dependam do assentimento e da sua aprovação... Todos nós temos que nos submeter a eles, adulá-los, chamá-los gênios, embora intimamente os sintamos ignorantes, parvos, imorais e bestas... Só se é geômetra com o seu placet, só se é calista com a sua confirmação e se o Sol nasce é porque eles afirmam tal coisa... E como eles aproveitam esse poder que lhes dá a fatal estupidez das multidões! Fazem de imbecis gênios, de gênios imbecis; trabalham para a seleção das mediocridades...
...é a mais tirânica manifestação do capitalismo e a mais terrível também... É um poder vago, sutil, impessoal, que só poucas inteligências podem colher-lhe força e a ausência da mais elementar moralidade, dos mais rudimentares sentimentos de justiça e honestidade! São grandes empresas, propriedade de venturosos donos destinadas a lhes dar o mínimo sobre as massas, em cuja linguagem falam, e a cuja inferioridade mental vão ao encontro, conduzindo os governos, os caracteres para os seus desejos inferiores... Não é fácil a um indivíduo qualquer, pobre, cheio de grandes idéias, fundar um que os combata... Há necessidade de dinheiro; são preciosos, portanto, capitalistas que saibam bem o que se deve fazer num jornal... Vocês vejam: antigamente, entre nós, o jornal era de Ferreira de Araújo, de José do Patrocínio, de Fulano, de Beltrano... Hoje de quem são? A Gazeta é do Gaffrée, o País é do Visconde de Morais e assim por diante. E por detrás dela estão os estrangeiros, inimigos nossos naturalmente, indiferentes às nossas aspirações..."
...é a mais tirânica manifestação do capitalismo e a mais terrível também... É um poder vago, sutil, impessoal, que só poucas inteligências podem colher-lhe força e a ausência da mais elementar moralidade, dos mais rudimentares sentimentos de justiça e honestidade! São grandes empresas, propriedade de venturosos donos destinadas a lhes dar o mínimo sobre as massas, em cuja linguagem falam, e a cuja inferioridade mental vão ao encontro, conduzindo os governos, os caracteres para os seus desejos inferiores... Não é fácil a um indivíduo qualquer, pobre, cheio de grandes idéias, fundar um que os combata... Há necessidade de dinheiro; são preciosos, portanto, capitalistas que saibam bem o que se deve fazer num jornal... Vocês vejam: antigamente, entre nós, o jornal era de Ferreira de Araújo, de José do Patrocínio, de Fulano, de Beltrano... Hoje de quem são? A Gazeta é do Gaffrée, o País é do Visconde de Morais e assim por diante. E por detrás dela estão os estrangeiros, inimigos nossos naturalmente, indiferentes às nossas aspirações..."
Cem anos se passaram. Folgamos que tudo mudou...
Mudou para pior!
ResponderBorrarAbracinhos.