domingo, 4 de noviembre de 2012

A fuga do Clóvis Baixo, n'A Charge do Dias

.
Um dia maravilhoso em Porto Alegre, 26º às 11 da manhã. Os boêmios como sempre espalhados pelas mesas na calçada do bar, aperitivando e jogando conversa fora. Hoje não haverá churrasco, o Terguino cumpre uma promessa antiga: meteu-se na cozinha e encaminha o seu famoso Pintado à Ferrão. Ao chegar, Nicolau Gaiola disse que o cheiro de peixe é sentido lá em cima, na ponta da escadaria do Beco da Fonte. Os gatos de rua da Cidade Baixa fazem plantão no canteiro do Beco do Oitavo, na sombra da oliveira. Mal-acostumados com carne crua dos churrascos, imagine peixe. O Contralouco vai lá dentro e volta corrrendo com um peixe inteiro, Terguino correndo atrás enxugando as mãos no avental, com não, não, palhaço, dá aqui, não..., não adianta, ele joga no chão do canteiro, pra sujar, depois corta em pedacinhos e dá aos gatos, para o branco na boquinha. Todo lambusado, lambusa a boca, ao comer ele mesmo  um pedaço semicru, desafiando ao gaúcho perseguidor, que ficou na calçada admirando.

Não temos a menor idéia de como é esse famoso prato, salvo que o "à Ferrão" tem a ver com ele próprio, Terguino Ferro, mas deve ser importante. Ao retornar da perseguição ao ladrão de "seres aquáticos" - como o Contra se refere aos peixes - o Terguino diz, com um sorriso conformado, depois de avisar ao Contralouco de que, se tornar a entrar na cozinha, morre: "Com essa, acho que vou tomar um merengue duplo, segurem esse maluco aqui fora". De lá do canteiro o Contra canta desaforado: "O aquático é pro fundo da rede, segredo é pra quatro paredes, primeiro é preciso julgar, pra depois condenar...".

Hoje é a folga da Leilinha, vai namorar, passear no Gasômetro e tal, então não houve revezamento entre os donos do botequim, o Portuga está presente. Ele fica uns instantes de papo com a tigrada lá na frente, quando diz, não sem uma pontinha de ciúme pelo Terguino ter-se aventurado em pratos que só ele acha que entende: "O gajo está a enfrascar-se lá na cozinha, mergulhado em peixe e pimenta, não quero dizeire nada...". A turma ri, havendo pimenta e sal já está bom. O Portuga deve saber o que fala, pois faz a melhor bacalhoada que já comemos, de cinema.

O Contralouco reconhece que está de noite atravessada e vai para casa, mora pertinho, tomar um banho e trocar de roupa. Vira as costas, às 11:30 h, e bate o Clóvis Baixo, sorridente, cabelos em desalinho. Baixo é apelido, mede um e setenta e quatro, é que o resto da turma é maior; é, quando não têm o que fazer ficam se medindo, cada ideia... Wilson Schu pergunta:

- O que houve, paisano, dormiu nas palhas?

O Clóvis puxa uma cadeira, pede uma cerveja e vai contando.

- Bah, tou vindo de longe. Escapei por pouco. Ontem à noite me meti no Buteco Blues, a uma da manhã tava quase vazio. Tinha duas quarentonas numa mesa lá do fundo, que olhavam pra cá, eu olhava pra lá, sabem como é, no segundo uísque me mudei pra mesa delas. Em uma hora fomos embora engalfinhados numa naice, eu e as duas.

- Pouca vergonha..., diz Jezebel do Cpers.

- Vocês não vão acreditar: elas têm um fuca 78. Isso mesmo, um fusca cor-de-vinho, incrivelmente inteiraço. De madrugada, me acomodando numa das tiangas enquanto a outra dirigia, nem vi pra onde estávamos indo, só percebi que não chegava nunca. Acabei num apezinho de um pombal na Tristeza.

Chupim da Tristeza ri e exclama: Epa, jogando pedra nas minhas pombas, malandro!?

Clóvis aproveita para um fundo-branco no copo. Segue.

- Pra encurtar a história, que tem mulheres e crianças aqui, as donas são enfermeiras, uma médica e uma enfermeira, ou uma enfermeira e outra médica, não interessa, os nomes não vão levar. Não são as mesmas do Contralouco!, já vou avisando, pra não me arranjarem encrenca. (As do Contra, AQUI). Uma é polaca e a outra morena. Saíram pro batente às 7 da manhã, me deixando lá trancado, dormindo. Terceiro andar. Acordei às 9, com uma cantoria de Parabéns a você, tinha aniversário de criança, depois vi que o salão de festas do pombal fica de frente pro quarto delas. Parou a cantoria. Eu lá na imensa camona. Um silêncio..., falei "Cadê as minhas gostosas" e nada. Levantei e topei com um bilhete na mesa da sala, olhem aqui, ó (estende o bilhete para o Aristarco), diz que de noite voltam pra continuar a festa, que a geladeira tá cheia, que tem bebida à vontade, televisão, computador, tudo, a casa é tua.

- A vida que pediu a Deus!, diz Tigran Gdanski.

- Menos, meu. Mas não deixaram o número do telefone, as frescas. Eu, hein, ficar o dia inteiro preso? A porta com três fechaduras, uma delas das brabas, daquele cachorrão. Me fuderam. E agora, fazer o quê? Olhei pela janela da sala, a única viável, lá embaixo um monte de pedras, não tinha como. Tomei uma cerveja para pensar. Depois vasculhei o apê atrás de uma conta de telefone, nada, mas descobri que moram juntas há cinco anos e sonham em arranjar um cara só pra elas, morar a três. Tomei outra cerveja, agora com uma pinga que achei atrás do botijão de gás extra, firmei a alma. Ficar lá o dia todo no domingo, com vocês aqui numa boa?, nem fudendo. Abri outra cerveja e comecei a emendar os lençóis, nó de marinheiro, molhei e apertei até ficarem cegos. Já com a corda pronta, escrevi um bilhete amoroso - entendi o gesto delas, gostaram de verdade de mim -, dizendo que também as adorei, nunca ninguém pegou assim em mim, queridas, de noite eu apareço, amores meus, assinado: Clóvis. Abaixo do meu nome fiz um rudimentar - não sou bom nisso - desenho de coração, com duas setas cravadas. Na hora pensei onde acharia flor pra comprar e trazer pra elas lá pelas dez da noite, rodoviária, aeroporto?, não tem. Ah, lembrei, tem no cemitério, na subida da Oscar Pereira, ui, fiquei feliz.

Atirei os sapatos na frente, de pé-no-chão é mais seguro, tou terminando de botar o corpo pra fora da janela, cuidando pra não cair, lençol enrolado no punho da canhota, quando ouço uma voz, vinda do segundo andar do bloco em frente à janela: "Peraí, meu camarada, volta pra dentro, te jogo uma corda de verdade, os lençóis podem arrebentar, guentaí, já tou indo!". O cara mal terminou de falar e ouvi um "réc", o puto do lençol desandou réeeec, me segurei na janela, custei a me livrar mas larguei o pano da mão esquerda e me segurei com as duas, lá pendurado pro lado de fora. Voltei, se voltar é subir arrastando pra cima, pra dentro, coração aos pulos. Lençóis lindos, coloridos, mas macios demais, eu deveria ter desconfiado.

Depois convidei o cara - o Maurício - pra aparecer aqui, gente fina. Com a corda foi um abraço. Já lá embaixo ele falou pra não me preocupar, depois ele pede de volta pra elas. Abraço o cara, apertado, devo uma, mano querido e tal e vou saindo, sabe aquele dia, finalmente me dei bem.

Dobrei a ruela do bloco, foi quando parei, ouvi a mulher dele rosnando lá de cima: "Que droga, toda semana é a mesma coisa, Maurício, pelo menos esse não ficou gritando socorro feito viado lá dentro, tu devia trocar de profissão, ser bombeiro!".

A turma vai ao delírio. Gustavo Moscão diz:

- Bah, tchê, ao menos tu ficou sabendo do lance das minas, dá pra sumir numa boa...

Jussara do Moscão, mulher dele, o interrompe:

- Mas como tu é babaca, Gustavo, parece que não conhece a figura: agora é que ele vai querer morar lá, não se lembra?, o sonho dele é esse, vive dizendo...

- Dez a zero pra Moscona! - exclama o Clóvis -, pensei em dálias, mas acho que vou levar mesmo rosas vermelhas.

Lúcio Peregrino diz: - Acho bom a gente escolher já as obras do dia, esta conversa vai longe.

A turma se pintou para a guerra e por maioria escolheu o Cazo, do Comércio do Jahu (Jaú, SP).




Pintaram-se de novo e se vieram com o Quinho, do Estado de Minas (Belo Horizonte, MG). Aqui Mr. Hyde, o Cético, comentou: "Viram como as 'otoridades', ministro da Justiça, aquele bundão, a Maria do Rosário, políticos, agora se movimentaram? Com meio milhão de assinaturas de protesto na goela eles ficam espertos". Pois é.



Na ausência da coordenadora da coluna, senhorita Leila Ferro, Lúcio Peregrino, redator e dono do nótibuc, fez um achego com o seu pai - Terguino, que liberou duas obras por conta da casa, disse que depois se acerta com ela. Os empinantes exultaram, com direito a cantar e então como é que é, é big, é big, para o Terguino. Hummm, vai dar encrenca com a menina.

Ficaram com o Amorim, do Correio do Povo (Porto Alegre, RS).




E com o inefável Nani.




(A coluna A Charge do Dias leva esse título pelo seu idealizador, o mestre Adolfo Dias Savchenko, que um belo dia se mandou para a Argentina, onde vive muito bem. Sucedeu-o na coordenação a jovem Leila Ferro, filha do Terguino, quando os boêmios amarelaram na hora de assumir o encargo. Antes eram dois butecos, o Beco do Oitavo e o Botequim do Terguino, que há poucos dias se..., bem..., se fundiram (veja AQUI), face a dívidas com o sistema agiotário, como eles dizem. O novo bar manteve o nome de um dos butecos: por sorteio ficou Botequim do Terguino, agora propriedade dos ex-endividados António Portuga e Terguino Ferro)

No hay comentarios.:

Publicar un comentario