lunes, 12 de noviembre de 2012

Desmanche

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Há quem diga, com propriedade, que cada um escreve sobre o que conhece, isto é, sobre o que já viveu. É verdade. Impossível alguém escrever sobre o que nunca viu. Daí este esclarecimento: o "já viveu" significa, no contexto da assertiva, ter vivido ou testemunhado, ou simplesmente ter ouvido falar. No limite, um déjà-vu. Com esta, notem os amigos que saltamos fora rapidinho, antes que os trilhões de leitores comecem a imaginar coisas. Já vimos a estória que segue ser contada de muitas maneiras. A que vai diz respeito a um querido boêmio, habitué do Botequim do Terguino, ali do Beco do Oitavo, que por razões óbvias não declinamos o nome. Autoria, de papo de botequim, no botequim fica.
 
 
DESMANCHE
 
 
Sinceridade: não sou do tipo que chama a atenção pelo porte físico ou coisa parecida, franzino e narigudo. Já passei dos quarenta, meus cabelos me abandonaram há uns sete ou oito verões e minha protuberante barriga denota o grande sucesso que tive na arte de comer e beber. Minhas rugas procedem da total falta de credibilidade em protetor solar (esse troço não é coisa de homem sério), aliada a centenas de noites que fiquei sem dormir na expectativa de não ir para casa sozinho. Bom, esse sou eu, mas em má-fase, já tive melhores.
 
Ainda bem que para caras como eu (tem um monte igual por ai) existem os desmanches.
 
O que é um desmanche? Sinceridade: na mesma proporção de caras como eu, existem mulheres com características semelhantes. Se não são carecas, têm cabelos mal cuidados; se a barriga não é tão grande quanto a minha, tem lá aquela coisa instalada ali na frente. Ruga então... Puta que pariu, não quero falar disso.
 
Voltando ao assunto, um desmanche é um local onde tem porteiro-gorila vestido de pastor da universal, música de quinta, bebida falsificada, um globo vagabundo rodando no teto, banheiro mal-cuidado (bah, mal-cuidado é elogio), etc. O local tem que ser escuro porque, sinceridade: com muita luz acho que ninguém pegaria ninguém, mesmo enchendo a cara antes.
 
A balada onde sempre vou (não vou chamar de desmanche, as mulheres se ofendem, pois há quem diga que estes locais tem este nome porque as princesas que os frequentam desmancham em um toque) fica perto de onde moro, pois não tenho carro e, se arrumo alguma coisa, dá para ir a pé até o apartamento.
 
Coloquei minha roupa de passeio e fui para a caçada, com vintão no bolso: cinco para entrar e o resto para beber e comer um cachorro-quente na hora de ir embora.
 
Dancei forró, pagode, rancheira, lenta (não sei nem como se chama hoje em dia estas músicas de se dançar apaixonado, eu falo lenta) com umas dez mulheres diferentes. Passava das três da madruga, eu já num prego do cacete, achando que ia acabar mais uma noite sozinho, só de pensar, putz..., quando saquei uma gata me olhando. Bom, era eu ou uma meninada bêbeda, o desmanche tava estourando. Não fui agraciado com beleza, mas...  Papo... Bom, sai da frente, papo eu tenho. Minto bem, com ares de cara sincero. Paciência para ouvir a hipocrisia da infeliz também tenho, a história com seu ex, vocês sabem, o quanto o amava, aquela vez na praia e tal. Aproximei-me.
 
Era um loira com uma calça preta com listras amarelas (estas calças de ir em academia), uma bota que imitava couro de cobra, com um salto bem alto. O cano da bota ia até os joelhos, o que dificultava um pouco os movimentos da "mocinha". Sua blusa era vermelha, toda cheia de umas coisas brilhantes (não sei o nome desses troços). Não sei se é moda, mas, tudo bem, eu não tava procurando ninguém para ser modelo e sim apenas pra tirar o meu atraso. Encostei do lado e comecei a jogar meu charme.
 
Sinceridade: não precisei conversar muito. Cinco minutos de conversa e ela topou ir até o morredor. Eu também aceitaria, no lugar dela, pois o primeiro ônibus que iria em direção da sua casa só passaria a partir das sete horas. Fomos caminhando até o meu apartamento. Quando passávamos por luzes fortes eu podia ver com mais clareza o seu rosto.
 
Amigos: se alguém aí tem menos de dezesseis anos e/ou estômago fraco, aconselho interromper a leitura agora, pois daqui pra frente a coisa começa a esquentar. Tinha mais rugas que meu saco, já não sabia se era loira ou morena. Quero dizer, era morena, pois o cabelo estava do ombro para baixo loiro e para cima moreno. Segundo ela, com a próxima grana que ganhar de diarista vai dar um jeito no cabelo.
 
Sinceridade: A dona era até gostosa, para a minha bola, mas feia pra caralho. Mas, pombas, eu não queria para bater foto, só não aguentava mais, precisava comer uma mulher, nem que fosse ela.
 
Abri a porta do apê e já fui beijando e socando a mão em tudo quanto é lugar. Aí, como toda mulher, começou: "Pára com isso! O que é que você tá pensando que eu sou?"  Suportei a vontade de mandá-la tomar naquele lugar. Tudo bem. Todos nós passamos por isso, até as feias tem direito àquelas frescuras do início. Veio com a história do ex.
 
Dei mais um beijão e já coloquei a mão no bolso e peguei umas balas. Compreensível: Quatro horas da manhã, fumando, bebendo, qualquer um fica com bafo de onça. Como toda mulher que você põe no carro ou leva para seu apartamento (até as feias são assim), então ela veio com aquele papinho: "Acho que está na hora de ir embora". Puta que pariu, a gente tem que passar por isso. Veio com a despedida do ex. Este arrumou um empregaço em Manaus e a deixou morando por uns dias no apartamento de uns amigos, espere que eu volto te buscar no mês que vem.
 
Tudo bem, eu ali de barraca armada e ainda tinha que vencer esta fase. Bom, fiz minha parte no teatro de sempre. Paciência, sorri e fiquei ouvindo simulando interesse. Conversava um pouco, beijava um pouco, passava a mão, pegava a mão dela e colocava em cima da minha calça, sabe como é, todo aquele ritual básico. Passados longos vinte minutos desta interminável lenga-lenga, a Marta (este não é o nome verdadeiro, mas vamos deixar como se fosse), deixou que eu tirasse a sua blusa. Quando tirei a blusa encontrei um enorme obstáculo: estas cintas que apertam o corpo para tampar um pouco a gordura. Tirei aquele troço. Meu Deus! Desandou o mundo.
 
Sinceridade: O cheiro que saiu dali de baixo, se minha tara não fosse do tamanho do Pão de Açúcar, eu teria brochado, mas achei até compreensível; afinal, ficar a noite toda dançando com aquele negócio quente enrolado no corpo, não podia dar em outra coisa. Passados alguns minutos meu nariz já havia se acostumado com o cheiro. Pra quem já tinha beijado a boca fedendo a cigarro, um WC não ia matar.
 
Tirei o corpete (foi assim que ela chamou o negócio) e comecei a chupar os peitos. Tava meio salgado, quero dizer, tava bem salgado, mas, vamos lá, era para comer mesmo, que mal tinha estar temperado? Fiquei ali chupando aquela coisa flácida por uns cinco minutos, até que finalmente a Marta pegou no meu. Tinha, finalmente, quebrado a barreira entre o acho que vou embora e o acho que vou te dar. Começamos então a fase final. Ela com a mão no meu e eu com a mão na dela.
 
Não deu dois minutos de dedinho e já veio com aquela outra famosa "Eu quero! Eu quero!" como se não quisesse desde o começo, mas, tudo bem, respeito. Se não respeita, fica com fama de insensível e... bom, deixa pra lá, vamos ao que interessa. Como todo bom cavalheiro, tirei a mão de lá e coloquei no nariz para "reconhecer o gramado". Sinceridade: Minha sorte que meu pinto não tem nariz, se tivesse acho que não encararia a parada.
 
Começamos a nos despir. Fui abaixar a sua calça e me deparei com as botas. Preciso comentar o cheiro que saiu de dentro das botas? Se tivesse lugar, poderia jurar que ela escondeu um gato morto em cada pé. Pensei em dar a primeira depois de um banho, talvez melhorasse um pouco as condições.
 
Fomos até o banheiro e, para variar, estava sem água. Sinceridade: Tava louco pra dar uma trepada, os testículos tavam doendo. Comi ali mesmo dentro do banheiro (sim, usei camisinha!). Comecei sentado na privada, depois encostei a Marta na parede do banheiro e peguei ela por trás. Pra não ir muito rápido, fiquei contando quantas bolas de celulite ela tinha na bunda. Quando chegou na vinte e cinco, ela pediu para mudar de posição, eu estava tão empolgado com a minha estatística que nem percebi que ela batia a cabeça na parede com força e acho que já tava machucando.
 
Fomos para o corredor do apartamento (no banheiro não tem espaço para ficar deitado). Dei umas bombadas ali e fomos terminar na cama. Quando consegui ardeu o canal. Ela disse que gozou três vezes (quem será que está mentindo, eu ou a Marta?). 
 
Entrei então naquela parte conhecida pelos homens como o cúmulo da eternidade (Cúmulo da Eternidade: Os minutos entre depois que goza e a hora em que leva a mulher embora). Sinceridade: com pinto mole não há a menor possibilidade de encarar a Marta. Já nos preparativos finais para ir embora ela disse que estava com fome. Meus vintão já tinham ido para o espaço (as balas não foram de graça). Perguntou se não podia pedir uma pizza ou comer um cachorro-quente. Para não ficar feio pra minha cara, ofereci-me para fazer algo para comermos, muito melhor. "Nossa, que romântico!" Pronto! Só faltava a baranga achar que gostei dela.
 
Fucei os armários e achei dois miojos. Na geladeira tinha uma dessas latas de molho de tomate, grandona, pela metade, que fazia um ano que estava lá. Fiz a gororoba. Tinha dois tomates de verdade que só parti em quatro e coloquei junto para tirar aquele ar de anemia do prato. Tapei a mesa com um pano de prato e sentamos. Comi pouco, quase nada, mas a Marta acho que fazia uma semana que não comia, se atracou. Não devia ter colocado aquele molho. A Marta comeu tudo e começou a passar mal. Ficou com dor de barriga. Até me deu dó dela. Dar um cagão na casa de alguém que você acaba de conhecer, não é o "sonho" de nenhuma mulher.
 
Correu para o banheiro. Cinco e dez da manhã, nenhum barulho na rua, a porta do banheiro não fecha direito. Sinceridade: nunca uma mulher tinha ido ao banheiro perto de mim, e logo na estreia tive direito a show de efeitos sonoros. Aquele barulhão de quando você acelera uma motoca velha denunciava a forma "líquida" em que a coisa tava vindo. Minha TV queimada, o radinho meu irmão havia pego emprestado para ir ao jogo. Tive que ouvir a sinfonia do começo ao fim. Ouvi quando ela tentou puxar a descarga (estava sem água, lembram?), depois quando tentou abrir a torneira para lavar as mãos, idem.
 
Veio então nossa heroína daquela batalha que achei não ter mais fim. Foi quase meia-hora de gemidos e barulhos de motoca e de água caindo no vaso. Ela saiu pálida do banheiro, deixando lá toda a sua obra, deu uma cheirada na mão, esfregou-as e me abraçou. Aquelas mãos passando em meu rosto como quem quer fazer um carinho, não sei quanto tempo poderia aguentar.
 
Pegou no bobo, viu que estava mole e disse: "Vou levantar o bebê de novo" (bebê?). O danado mesmo com todo aquele cheiro de enxofre no ar (ele não tem nariz, lembram?) ficou em pé de novo. A dona então resolveu escancarar: começou a fazer um streap (nem sei escrever isso). Tudo bem, vamos respeitar o ritual, pra não parecer insensível. A sala estava meio escura e ela, achando que estava realmente agradando com aquelas incontáveis bolas de celulite (tinha parado a contagem na 25, lembram?), acendeu a luz. Quando tudo ficou mais claro olhei para aquela bunda e pensei: puta que pariu, a gorda tem um monte de espinha na bunda para ajudar.
 
Na verdade, para meu espanto ou alívio (já não sabia mais o que pensar) não eram espinhas. Eram algumas sementes do tomate que coloquei na macarronada. A desinteria deve ter escorrido pela sua bunda e o papel higiênico não limpou tudo, elas ficaram por ali grudadinhas. Peguei minha cueca, dei uma cuspida, limpei em volta e comi a Marta de novo.
 
Sete horas da manhã ela pegou o ônibus.
A água voltou às dez.
Sinceridade: não quero nunca mais tocar neste assunto.

 

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