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Quando a gente começa algo desta magnitude, de propor guardar textos sem ódio sobre a Ação Penal 470, há que se ter em mente que se trata somente disto: guardar textos, reuni-los. Muitos pesquisadores e comerciantes de toda sorte estão fazendo isso desde o começo, para amanhã ou depois jogarem livros para os pouco ilustrados, a preço de ocasião. O circo armado, eles lá, megafones na mão, com os olhos presos na plateia, com suas certezas e interesses. Uns esquecerão, convenientemente, os ministros Levandowski e Toffoli em suas manifestações; outros, convenientemente, os lembrarão. O mesmo para Joaquim Barbosa e demais membros da Suprema Corte. Todos esquecerão os advogados, seres abjetos. Concentrarão ogivas naqueles ministros com quem desacordaram. Atos falhos, escancarados, se pretenderem se passar por imparciais, o que sabem não pertencer ao mundo terreno.
Ontem, que já é anteontem, abrimos com um texto da notável jornalista Dora Kramer, linhas que cumprimentavam um homem pelo seu aniversário e sua aposentadoria, pela sua trajetória. E o texto foi irretocável, quem assistiu ao julgamento sabe que a Dora não fez favor algum. A Dora é tida e havida como direitosa. Se o é, nesse texto não o foi. Anteontem, domingo, cometeu honra ao mérito.
Hoje trazemos o famoso jornalista Mauro Santayana, uma glória nacional, ao nosso ver, em sangrenta defesa do que sabe e acredita. Surpreendeu-nos, o pensador.
Enfim, a gente de longe enxerga pouco. E não mais se falará aqui sobre lados e ângulos de visões, os autores falarão por si. Por ser o começo, foi preciso o esclarecimento, pois este blog está lleno de passagens sobre o que pensamos, por termos visto.
UM JULGAMENTO POLÍTICO
Por Mauro Santayana
O julgamento da
Ação 470, que chega ao seu fim com sentenças pesadas contra quase todos os réus,
corre o risco de ser considerado como um dos erros judiciários mais pesados da
História. Se, contra alguns réus, houve provas suficientes dos delitos, contra
outros os juízes que os condenaram agiram por dedução. Guiaram-se pelos
silogismos abengalados, para incriminar alguns dos réus.
O relator do
processo não atuou como juiz imparcial: fez-se substituto da polícia e passou a
engenhosas deduções, para concluir que o grande responsável fora o então
Ministro da Casa Civil, José Dirceu. Podemos até admitir, para conduzir o
raciocínio, que Dirceu fosse o mentor dos atos tidos como delituosos, mas
faltaram provas, e sem provas, não há como se condenar ninguém.
O julgamento,
por mais argumentos possam ser reunidos pelos membros do STF, foi político. Os
julgamentos políticos, desde a Revolução Francesa, passaram a ser feitos na
instância apropriada, que é o parlamento. Assim foi conduzido o processo contra
Luis XVI. Nele, de pouco adiantaram os brilhantes argumentos de seus notáveis
advogados, Guillaume Malesherbes, François Tronchet e Deseze, que se valiam da
legislação penal comum.
O julgamento
era político, e feito por uma instituição política, a Convenção Nacional, que
representava a Nação; ali, os ritos processuais cediam lugar à vontade dos
delegados da França em processo revolucionário. A tese do poder absoluto dos
parlamentares para fazer justiça partira de um dos mais jovens revolucionários,
Saint-Just. Ela fora aceita, entre outros, por Danton e por Robespierre, que se
encarregou de expô-la de forma dura e clara, e com a sobriedade própria dos
julgadores - segundo os cronistas do episódio - aos que pediam clemência e aos
que exigiam o respeito ao Código Penal, já revogado juntamente com a
monarquia.
- “Não há
um processo a fazer. Luis não é um acusado. Vocês não são juízes, vocês são
homens de Estado. Vocês não têm sentenças a emitir em favor ou contra um homem,
mas uma medida de segurança pública a tomar, um ato de providência nacional a
exercer. Luis foi rei e a República foi fundada”. E Robespierre,
implacável, explica que, em um processo normal, o Rei poderia ser considerado
inocente, desde que a presunção de sua inocência permaneceria até o julgamento.
E arremete:
- “Mas, se
Luis é absolvido, o que ocorre com a Revolução? Se Luis é inocente, todos os
defensores da liberdade passam a ser caluniadores”. Os fatos
posteriores são conhecidos.
O STF agiu, sob
aparente ira revolucionária de alguns de seus membros, como se fosse a
Convenção Nacional. Como uma Convenção Nacional tardia, mais atenta às razões
da direita - da Reação Thermidoriana, que executou Robespierre, Saint Just e
Danton, entre outros - do que a dos montagnards de 1789. Foi um tribunal
político, mas sob o mandato de quem? Quem os elegeu? E qual deles pôde assumir,
com essa grandeza, a responsabilidade do julgamento político, que assumiu o
Incorruptível? E qual dos mais exacerbados poderia dizer aos outros que
deviam julgar como homens de Estado, e não como juízes?
Como o Tartufo,
de Molière, que via a sua razão onde a encontrasse, foram em busca da teoria do
domínio do fato, doutrina que, sem essa denominação, serviu para orientar os
juizes de Nurenberg, e foi atualizada mais tarde pelo jurista alemão Claus
Roxin. Só que o domínio do fato, em nome do qual incriminaram Dirceu,
necessita, de acordo com o formulador da teoria, de provas concretas. Provas
concretas encontradas contra os condenados de Nurenberg, e provas concretas
contra o general Rafael Videla e o tiranete peruano Alberto
Fujimori.
E provas
concretas que haveria contra Hitler, se ele mesmo não tivesse sido seu próprio
juiz, ao matar-se no bunker, depois de assassinar a mulher Eva Braun e sua mais
fiel amiga, a cadela Blondi. Não havendo prova concreta que, no caso, seria
uma ordem explícita do Ministro a alguém que lhe fosse subordinado (Delúbio não
era, Genoíno, menos ainda), não se caracteriza o domínio do fato. Falta provar,
devidamente, que ele cometeu os delitos de que é acusado, se o julgamento é
jurídico. Se o julgamento é político, falta aos juizes provar a sua condição de
eleitos pelo povo.
Dessa condição
dispunham os membros da Convenção Nacional Francesa e os parlamentares
brasileiros que decidiram pelo impeachment do Presidente Collor. As
provas contra Collor não o condenariam (como não condenaram) em um processo
normal. Ali se tratou de um julgamento político, que não se pretendeu técnico,
nem juridicamente perfeito, ainda que fosse presidido pelo então presidente do
STF.
A nação, pelos
seus representantes, foi o tribunal. O STF é o cimo do poder judiciário. Sua
sentença não pode ser constitucionalmente contestada, mesmo porque ele é,
também, o tribunal que decide se isso ou aquilo é constitucional, ou não. A
História, mais cedo do que tarde, fará a revisão desse processo, para
infirma-lo, por não atender às exigências do due process of law, nem a
legitimidade para realizar um julgamento político.
O julgamento
político de Dirceu, justo ou não, já foi feito pela Câmara dos Deputados, que lhe cassou o mandato.
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(a foto-ilustração não consta no original).
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(a foto-ilustração não consta no original).
SALITO
ResponderBorrarPARABÉNS...CONTINUAS ESCOLHENDO BEM OS TEXTOS..MAURO SANTAYANA DEVERIA SER POLÍTICO,DOCE ILUSÃO...ELE É UM EXCELENTE JORNALISTA,CERTAMENTE NÃO GOSTARIA DE SE MISTURAR A "MALEDETA" CLASSE POLÍTICA ...