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A instigante matéria é de Júlio Chiavenato, publicada no jornal A Cidade, de Ribeirão Preto (SP), em 23/jun/2012.
Garçom virou ‘garzón’; média, ‘café cortado’;
requentado, ‘recalentado’. E o que era carioca dançou.
Um dos maiores sucessos de Noel Rosa, "Conversa de botequim" (com parceria de Vadico), foi descaradamente plagiado pelos argentinos Charlo e Enríque Cadicamo e transformou-se no tango "Y qué más".
A letra em castelhano, que Cadicamo impingiu em "Conversa de botequim", praticamente é uma tradução literal do português, com pequenas mudanças para não alterar o ritmo da melodia, esta simplesmente a mesma, sem mudar uma nota, transposta de samba para tango por Charlo.
Noel Rosa compôs "Conversa de botequim" em 1931 e sua primeira gravação é de 1935. O plágio de Charlo e Cadicamo foi gravado em Buenos Aires no dia 2 de junho de 1937.
É um plágio tão evidente que não há nenhuma dúvida das intenções dos artistas argentinos. E não se trata de picaretas: são figuras exponenciais da história do tango.
Segundo Julio Nudler, um dos mais destacados pesquisadores da música argentina, depois de Carlos Gardel "Charlo é o mais importante cantor que nos deu o tango (...) embora não tenha se convertido em um mito popular".
Charlo foi o cantor que mais gravou na Argentina e, segundo Nudler, "contribuiu para estabelecer um estilo emocional, mais austero, isento de modismos, de perfeita afinação e refinada musicalidade". Também foi compositor de sucesso.
Enrique Cadicamo dispensa apresentação. É um excelente letrista. Viveu quase cem anos e compôs inúmeros sucessos, gravados pelos maiores cantores argentinos. Uma obra-prima da música popular de todos os tempos é "Los Mareados", que Cadicamo "letrou", sob um velho tango de Juan Carlos Cobián. Foi gravado por Astor Piazolla e Amelita Baltar. No Brasil um dos seus tangos mais conhecidos é "Nostalgia", gravado por Gardel.
Se não bastasse, era um poeta "lunfardo" (dialeto do submundo buenairense) cujo poema, "El cuarteador" foi transformado em tango e serviu de modelo para Jorge Luis Borges compor seu personagem don Nicanor Paredes.
Então, a pergunta: porque esses dois personagens cometeram um plágio tão descarado? Como tiveram a "coragem" de gravá-lo, dando-nos a prova do crime?
Em 1935, conta o jornalista argentino Federico Garcia Blaya, no site Todotango, Enrique Cadicamo e Charlo, com uma equipe de cinema argentina e artistas, permaneceram oito meses no Rio de Janeiro.
"Era uma época de esplendor, com uma ebulição artística sem precedentes", segundo Blaya, com os cassinos da Urca, de Copacabana e o Atlântico. A trupe argentina naturalmente conheceu os artistas brasileiros. E, como não poderia deixar de ser, Noel Rosa.
A conclusão, de quase todos os pesquisadores argentinos, é que Charlo e Cadicamo ao ouvirem "Conversa de botequim" não resistiram e plagiaram.
Em Buenos Aires, dois anos depois, gravaram o "crime". No entanto devem ter se assustado com a façanha, porque "Y qué más", embora de apelo popular e de fácil assimilação para os portenhos, ficou esquecido.
Como Charlo e Enrique Cadicamo são dois mitos do tango, na Argentina todos fingem que não viram nem ouviram a malandragem. Talvez, os dois tenham acreditado no que dizia o sambista Sinhô: "Samba é como passarinho, é de quem pegar". Eles pegaram, transformaram em tango, mas o espírito do Noel Rosa deve ter-lhes aparecido...
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