jueves, 28 de febrero de 2013

De Rui Barbosa para Renan Calheiros e seus 56 rebotalhos

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Ficamos a imaginar o que diria Rui Barbosa aos desmoralizados que elegeram Renan. Sim, o sujeito não caiu lá por milagre: foi eleito à socapa, em 1º de fevereiro, por 56 mandaletes, e isso quando a grita já tinha tomado o País. Elegeram conscientemente, contra a voz da nação que se erguia inconforme. Apenas 18 senadores ouviram o brado popular e votaram em Pedro Taques, este um homem digno e capaz, pelo que se sabe. À margem, também ficaram homens como Pedro Simon, de uma meia-dúzia com currículo para dirigir a Câmara Alta. Optaram pelo lixo.

Rui Barbosa escreveu o texto abaixo em março de 1919. Dá para se ter uma idéia do que diria hoje aos 56 acumpliciados.

A VISÃO DOS MANDA-CHUVAS 

Se os manda-chuvas deste sertão mal roçado, que se chama Brasil, o considerassem habitado, realmente, de uma raça de homens, evidentemente não teriam a petulância de o governar por meio de farsanterias, como a com que acabam de arrostar a opinião nacional e a opinião internacional, atirando à cara da primeira o ato de mais violento desprezo, que nunca se ousou contra um povo de mediana consciência e qualquer virilidade.

Para animar esses gozadores inveterados nas covardias do egoísmo a esse rasgo de intrepidez contra os sentimentos de uma nação inteira, justamente quando esses sentimentos se estão patenteando com toda esta intensidade, havendo de supor que o vezo de se encontrarem com um país de resignação ilimitada e eterna indiferença os acostumou a verem nos seus conterrâneos a caboclada lerdaça e tardonha da família do herói dos Urupês, a raça despatriada e lorpa, que vegeta, como os lagartos, ao sol, madraçaria e lombeira dos campos descultivados.

O que eles vêem, sucedendo à idade embrionária do colono, dobrado ao jugo dos capitães-mores; o que eles vêem, seguindo-se à época tenebrosa do africano vergalhado pelo relho dos negreiros, é o período banzeiro do autóctone, cedido pela catequese dos missionários à catequese dos politiqueiros, lanzudo ainda na transição mal-amanhada, e susceptível, pelo seu baixo hibridismo, das bestializações mais imprevistas.

Eis o que eles enxergam, o que eles têm por averiguado, o que os seus atos dão por líquido, no povo brasileiro: uma ralé semi-animal e semi-humana de escravos de nascença, concebidos e gerados para a obediência, como o muar para a albarda, como o suíno para o chiqueiro, como o gorila para a corrente; uma raça cujo cérebro ainda se não sabe se é de banana, ou de mamão para se empapar de tudo que lhe embutam; uma raça cujo coração ainda não se estudou se é de cortiça, ou de borracha, para não guardar mossa de nada, que o contunda; uma raça, cujo sangue seja de sânie, ou de lodo, para não sair jamais da estagnação do charco, ou do esfacelo da gangrena; uma raça, cuja índole não parti- cipe, sequer, por alguns instintos nobres ou úteis, dos graus superiores da animalidade.

De outra sorte não poderia suceder que, precisamente quando se trata do ato mais vital de uma nação, a escolha da cabeça do seu governo, seja essa nação a que se elimine, para exercer as suas vezes o lendeaço dos seus parasitas. De outro modo não se conceberia que, justamente quando os mais obdurados e truculentos despotismos do mundo rolam pelo chão, arrastando na queda os mais velhos tronos e as dinastias mais poderosas, aqui, três ou quatro moirões de lenho podre até o cerne, se ponham rosto a rosto com todas as expressões do sentimento público, e as levem de vencida. 

De outra maneira não se explicaria que, exatamente quando se anunciava aos quatro ventos um movimento de regeneração dos costumes políticos, empenhados em corresponder à grandeza das dificuldades com a grandeza dos exemplos, tudo se resolvesse na comédia mais ignóbil, de que nunca foi testemunha a nossa História. 

Não, senhores, de outro jeito não se explicaria que, quando todas as nações andam à competência, no campo da honra, em dar, qual a qual mais, em modelos ao universo atento, os seus maiores homens, as suas maiores ações e as suas maiores qualidades, a política brasileira elegesse este momento, para assombrar o mundo com a sua inveja, a sua tacanharia, a sua corrupção e a sua cegueira; para juntar, aos olhos do estrangeiro, em uma só cena, como representação da nossa mentalidade e da nossa moralidade, um concurso de indivíduos, vícios e opróbios, que obrigariam a corar o mais desgraçado e o menos sensível retalho da humanidade.
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(A charge é do Paixão, de 29/jan/2013).

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