domingo, 3 de marzo de 2013

Baixos fudetórios, n'A Charge do Dias

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Um domingo abafado em Porto Alegre, 24º C e prenúncio de chuva. Que chova a potes, isso não impedirá o tradicional churrasco no meio da rua, em frente ao botequim, graças à criatividade do ilustre boêmio Contralouco, que certo dia, quando desabou uma chuvarada sobre o tonel cortado cheio de espetos, deu de mão em guarda-chuvas e os pendurou abertos nos galhos do pé de oliveira que há no canteiro, arrastando o tonel para baixo.

Dez da manhã e a turma ainda toma chimarrão pelas mesas da calçada, alguns já rebatendo com tiros de dyabla verde, nunca vi um povo gostar tanto da amarguinha, cachaça de São Chico em conserva com losna, em cada canto do botequim há um vidrão com o líquido precioso. Os proprietários, Terguino e Portuga, são caprichosos, também há um vidrão de ovo em conserva, que mantém a turma serena.

Hoje o encarregado da carne é novamente Wilson Schu, o índio gosta da lida. Deve aparecer ali pelas onze carregadinho. Hoje a turma vai longe: às quatro da tarde os televisores serão ligados, entrará em campo o glorioso Internacional de Porto Alegre, no estádio Centenário de Caxias do Sul, contra o Esportivo de Bento Gonçalves, jogaço.

Gustavo Moscão se queixa para a turma:

- Andei meio malito de grana e atrasei dois meses o condomínio. Sexta-feira fui lá na Prejudicadora Predial pagar e os malandros me achacaram. Além dos trezentos mangos de cada mês, me tomaram mais cinquenta a título de honorários advocatícios extra-judiciais. Com uma fila atrás de mim no caixa, discordei, e logo comecei a gritar "Polícia, socorro!", e fiz uma lambança danada, o segurança veio para o meu lado e avisei: "Toque  em mim que tu morre, desgraçado". Acabei pagando, por insistência da Jussara, mas vou me informar, isso não pode estar certo, nunca ouvi falar de "honorários extra-judiciais", o trabalho que os patifes tiveram foi o de me mandar uma carta emitida automaticamente pelo computador, me notificando do atraso, como se eu não soubesse. Na saída peguei o leão-de-chácara de canhota na ponta do queixo, caiu de olhos virados lá na rua. Depois eles registraram queixa, é só o que eu queria, agora vão ver o que é bom.

O advogado da turma, Carlinhos Adeva, se manifesta:

- Não é minha especialidade, mas também nunca ouvi falar de picaretagem semelhante, segunda-feira vamos ver, depois os fincamos na Justiça. Quando te chamarem na delegacia me avise, vou junto, deixa que eu falo.

- Em caso de precisão, ainda temos a mala de molotovs que o Hyde deixou... -, diz o Contralouco.

- Tu só pode estar brincando, Contra, já chega o Gustavo ter aprontado -, diz Jussara do Moscão.

Por falar em Mr. Hyde, a turma aguarda seu retorno para breve, saiu do hospital na quinta-feira.

O Contralouco fica quieto, cruza os olhos com o Gustavo, esses dois se entendem.

Lúcio Peregrino, o homem do notibuc, intervém para ler algo que achou na internet. 

- Senhores seus e senhoras minhas, por falar em delegacia, muita atenção, vou ler um laudo pericial, suponho de corpo de delito, lavrado numa cidade no interior do Piauí, uma jóia que constará para sempre nos anais da medicina. A nobre profissional, que supria a falta de médicos, assim se expressou:

Eu, Marinivalda das Dores, parteira oficial do Distrito de Sapupemaçu, declaro para o bem do meu ofício que, examinando os baixos fudetórios de Maria das Mercedes, constatei manchas arrôxicadas na altura da críca, e também falta de couro de inocência na bastiana da xana, que, pela minha experiência, foi capada fora por supapo de rola ou solavanco de pica. É verdade e dou fé.

O bar vai abaixo, Jezebel do Cpers quase se afogou rindo. E com essa a confraria resolve abrir mesmo os trabalhos. Salta uma batida de limão seca, Portuga!, pede Lúcio. Jezebel vai de martini seco com pepino em conserva de enfeite. O Contralouco pede uma loura e um steinhager congelado, no que é seguido pela moçada da faculdade. Wilson Schu, dobrando a esquina com o saco de carnes nas costas, já sob um chuvisqueiro de molhar bobo, vê a movimentação e grita: "Pra mim uma caipirinha de vodka e uma água com gás, primeiro a água", depois senta-se e reclama: "Puta que pariu, cansei, acho que trouxe carne demais, trinta quilos".

Jucão da Maresia não deixa o laudo passar em branco:

- Essa história da perita Marinivalda revela um problema seríssimo no Brasil: a falta de médicos no interior. Os bundinhas, a maioria filhinhos de papai, se formam na universidade federal, subsidiados pelo dinheiro do povo, e depois só querem ir para as grandes cidades, o povo que se foda. A Dilma está importando médicos cubanos, a um custo de meio bilhão de reais. Tomara que os cubanos, que já salvaram o Haiti depois do terremoto, arrasem por aqui, tirando o emprego desses almofadinhas.

Partem para as obras do dia, é só para isso que o notibuc serve aos domingos, pois o Lúcio não é louco de vir estragar o dia com as Notícias do Notibuc, programa que apresenta nos dias de semana. Só se permitiram um comentário, que cobriu o Beco do Oitavo de nuvens escuras: foi sepultado o rapaz de 25 anos, 240ª vítima da boate Beijo da Morte. O filósofo Aristarco de Serraria traduz o pensamento de todos:

- Agora, com um número redondo, talvez resolvam prender os verdadeiros culpados: as "otoridades" corruptas.


Na outra calçada passa a gostosa da zona, a ex-noiva que era apaixonada pelo Contralouco, e que não o perdoa pelo seu affaire com a Ingrid, a cativante deusa da praia. Silvana Maresia provoca:

- Olhe lá quem passa, Contra, veja só que o você perdeu, aqueles "baixos fudetórios". 

Nova explosão de gargalhadas, todos olhando para outro ponto, para a moça não desconfiar. Uma barbaridade, mas hoje irão nesse tranco.

Leilinha Ferro trata de apressá-los: "Gente, fiquei de mandar as charges até o meio-dia".

Votaram nas seguintes (vão em desordem):

Amâncio, do Jornal de Hoje (Natal, RN). O bar aplaude ao artista, a turma não liga a tevê há dias, ninguém aguentava mais o besteirol dos noticiários. A coisa funciona assim no botequim: cada obra escolhida tem direito a salva de palmas e gritos de bravo.



Após a escolha do mestre Nani, Aristarco de Serraria tomou a palavra: - Certíssimo o nosso amado Joaquinzão, exceto quando é com pobre, que não tem grana para pagar certos advogados e mexer certos pauzinhos.




Cazo, do Comércio do Jahu (Jaú, SP). Depois dos aplausos, quem comentou foi Jussara do Moscão: "Taí, esses tipos não usam os baixos fudetórios para desopilar, aí dá nisso".



E Sinfrônio, do Diário do Nordeste (Fortaleza, CE). Nicolau Gaiola manifestou-se: "Por falar em gente que não usa os baixos fudetórios...".



Miss Leilinha Ferro, a coordenadora da coluna, fechou com o Newton Silva (Fortaleza, CE). O Contralouco desabafou: "Ninguém suporta mais a petulância e o deslumbramento desse bosta, por que é que não morre!?". A moçada da faculdade riu, pensando ser de brincadeira. Não estamos muito certos disso.



E com o Zop. De novo a incompetência das redes mal havidas.



Y así pasan los dias.


 A coluna A Charge do Dias leva esse título pelo seu idealizador, o mestre Adolfo Dias Savchenko, que um belo dia se mandou para a Argentina, onde vive muito bem. Sucedeu-o na coordenação a jovem Leila Ferro, filha do Terguino, quando os boêmios amarelaram na hora de assumir o encargo. Antes eram dois butecos, o Beco do Oitavo e o Botequim do Terguino, que no ano passado se..., bem..., se fundiram (veja AQUI), face a dívidas com o sistema agiotário. O novo bar manteve o nome de um dos butecos: por sorteio ficou Botequim do Terguino, agora propriedade dos ex-endividados António Portuga e Terguino Ferro.

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