sábado, 23 de marzo de 2013

Negociando às/as margens

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Já que estamos em Porto Alegre, cidade onde..., ah, eu disse aos companheiros: vamos dar um tempo ao Luciano até sábado à noite, depois voltamos. Sinto-me perdido em Porto Alegre.

Os companheiros não se sentem perdidos em lugar algum, onde quer que andemos, como eu também. Eu exceto aqui. 

Um homem de Angola, Miquirina Segundo; da Tanzânia, Kafil M'Oba. Aristide Neptune do Haiti. Entre outros que não convém. Só que eles não moraram quinze anos em Porto Alegre, eu sim. Machucaram-me demais.

E assim, com lindos pensamentos, iniciei a noite de sexta-feira na velha palafita. Depois do inverno que fez ao final do verão, agora um verão no início do outono em Porto Alegre. A gente de calção, pés no chão. A bergamoteira está carregada.

Domingo à noite cairemos fora. 

Aí a bela surpresa.

Recebo, por correio eletrônico, convite para assistir a uma defesa de tese de mestrado, na segunda-feira. O Rei de Porto Alegre deve ter enviado por educação, como poderia saber que estamos por aqui?

Ah, assim me mata, tudo clareou, que noite linda, há vida em Porto Alegre, não são apenas aqueles zumbis. 

Fui-me ao Beco do Oitavo. Vou sozinho, compañeros. Deixei a tigrada na palafita, não dá nada, ninguém lembrará de mim deste jeito. Miquirina argumentou, apreensivo: E o teu jeito de caminhar, Sala... o desenho do corpo... deixa só eu ir junto, fico 10 metros atrás... 

Não, não precisa. Eles só olham para o próprio umbigo. A moçada não, me verão de longe...

O Rei de Porto Alegre tem 24 anos, mas já é rei há uns 8, sem saber. Tocou-se há uns 5, mas ainda lhe é difícil, pela modéstia, admitir. E isso acarreta muita responsabilidade. Para quê agora, né? OK, façamos de conta de que não é. Quando retornar do doutorado em Buenos Aires assumirá o posto. Sim, neste abril já estará num apartamentinho próximo ao Obelisco.

Miquirina me deixa na Olaria com Venâncio, dali vou de a pé. Seis ou sete quarteirões curtos a percorrer, aproveito para ver os bares al pasar... Lindos, faturando alto. Fiquei com a impressão de que estão elitizando a zona boêmia da cidade. Deve ser impressão. 

Olho o que restou da antiga arquitetura daquela via. Depois da República afundo o chapéu e aperto o passo. Neste mundo tudo muda. 

Abracei umas 25 almas na chegada. Ou 20, não contei, e não quero contar agora, prefiro pensar como é bom um abraço sincero. 

Está decidido, ficaremos em Porto Alegre. Vamos assistir à defesa da tese na segunda-feira. No Uruguay é feriado a partir deste Domingo de Ramos, 24, a semana inteira, pára quase tudo. No Brasil só a partir de jueves, quinta-feira.

Na mesa com o Rei, a moçada da Antropologia: Ana Paula, Patrícia, que já defenderam, o moçambicano Segone (uma risonha escultura de ébano), que defenderá em julho, e o  colombiano Tomaz, também em julho. Cristiano, de niver, pandeiro na mão. Em seguida chegam pessoas de outras cátedras, Jessica, Bárbara, Mareu, Brumi e uma numerosa rapaziada. Sim, senhores: mestres. Logo irão para o doutorado. 

O Brasil precisa desses moços. Uma nova esquerda, para substituir os que temos hoje na cúpula do governo, uns comprometidos pelo rancor, sofreram na carne a terrível ditadura, outros que passaram para o outro lado, adotando idênticas práticas dos que combatíamos. Fizeram a sua parte, muitas coisas boas. Hora de curtirem a aposentadoria, uns bem belos em casa, outros na cadeia.

Uma nova esquerda, uma vida nova, necessariamente com visões antagônicas entre os muitos componentes, mas sem grupelhos com sede demais, o pote é raso para tanta vaidade. Uma nova, sem ranço, capaz de admitir o outro, as razões do outro, sem bola nas costas de traição. Talvez não seja nesta década o sonho, pois, antes desta geração que hoje vejo, já temos outra, abjeta.

Esta geração, mestres agora, doutores amanhã, será o começo de um novo Brasil. Em cinco anos? Tomara. Quinze já estará bom.

Bem, Alex Martins Moraes, o Rei de Porto Alegre, defenderá sua tese às 14 horas de segunda-feira (Lunes), no miniauditório do Campus do Vale. 

Li rapidamente algumas folhas esparsas, a intensa movimentação no bar O Porto (na Rua André da Rocha, ao sopé da escadaria da Duque), superlotado de estudantes curtindo música latina ao vivo, de chamamés a tangos, não permitiu a leitura da íntegra. 

O prólogo li inteiro. Guapo, não tem agradecimento nem dedicatória de puxa-saquismo. Lembrou, sim, dos amigos do bar e dos sofridos fronteiriços do meio em que trabalhou. De arrepiar.

Rei é rei.


NEGOCIANDO ÀS/AS MARGENS


Experiências de trabalho, deslocamento, indocumentação e acesso aos serviços do Estado na fronteira uruguaio-brasileira.




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