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Por Mauro Santayana, no JB
Ao assumir inteira
responsabilidade pelos seus atos, o soldado Bradley Manning, corpo debilitado pela
prisão, foi um homem em si mesmo. Leu as trinta e cinco laudas de sua defesa
prévia diante da juíza militar, a coronel Denise Lind, de forma clara e viva,
com voz forte e serena, segundo a edição digital dos principais jornais
americanos. Declarou-se culpado em dez das acusações do promotor militar,
suficientes para condená-lo a 20 anos de prisão. Provavelmente, só deixará o
presídio — se não for condenado à prisão perpétua — aos 45 anos,
ainda a tempo de confirmar, em liberdade, a coragem de seu gesto.
No julgamento que se
inicia, e que prosseguirá a partir de junho, o grande réu não é o frágil
militar, que se confessa solitário em sua homossexualidade, e, sim, o sistema
norte-americano, em sua arrogância diante do mundo, que o faz presumir-se
ditador político e econômico de todos os povos, guardião e juiz de uma
sociedade universal tutelada pelos seus interesses e crenças.
Bradley é um homem só, contra o mais poderoso governo do
planeta; um soldado raso contra o Pentágono; um jovem de 25 anos atormentado e
estimulado pela sua consciência humanística; um réu minúsculo diante de um
tribunal do qual, como Joseph K. — o herói de Kafka, em O Processo — só
pode esperar o pior. À diferença de Joseph K., no entanto, ele sabe por que
será condenado, e faz de sua “culpa” um libelo de acusação poderoso.
Alguns fatos, até agora
desconhecidos, se revelam em sua defesa prévia. Antes de transferir os dados de
que dispunha ao site do WikiLeaks, Bradley tentou passá-los
aos dois mais importantes jornais norte-americanos, o Washington Post e o New York Times. Não conseguiu. O sistema burocratizado
do jornalismo moderno impediu-lhe encontro pessoal com um repórter
competente. Não havia jornalistas como Bob Woodward e Carl Bernstein,
prontos a ouvir as revelações de um Mark Felt, do FBI, sobre Watergate, faz 40
anos. Quem o ouviu talvez fosse entediado profissional de plantão, apressado
para deixar a redação, no caso do Post. Com o mais importante jornal do mundo, o New York Times, foi
pior: deixou o recado em uma secretária eletrônica, que automaticamente
prometeu a Manning resposta de um dos ombudsman do
jornal — o que não houve. O soldado decidiu então, nas horas que lhe
restavam em Washington, levar pessoalmente sua informação ao Político, jornal
especializado em acompanhar o poder na capital dos Estados Unidos, mas uma
tempestade de neve o impediu de ir à sua sede, em Arlington.
Manning foi incisivo, ao afirmar que não foi pressionado por
ninguém do WikiLeaks, e que supõe ter conversado, pela internet, com Julián
Assange. Em sua solidão, o jornalista australiano foi-lhe uma voz amiga, diante
de seu drama de consciência com os crimes cometidos contra
civis — entre eles o assassinato, pela guarnição de um helicóptero
norte-americano de pessoas desarmadas, documentado por vídeo, que Manning
ajudou a divulgar.
“Quanto mais eu lia os telegramas secretos, mais eu me convencia
de que eles deviam ser de conhecimento público” — afirmou à juíza.
“Eu queria tornar o mundo um lugar melhor” — resumiu.
A sanha vingadora do sistema, por intermédio do promotor
militar, é evidente. Foram convocadas mais de cem testemunhas de acusação, e se
prevê que várias delas deporão a portas fechadas e com a sua identidade
preservada.
Qualquer que venha a ser a decisão do tribunal, esse julgamento
irá para a História como ocorreu com o de Georgi Dimitrov, o líder comunista
búlgaro, acusado por um tribunal nazista de incendiar o Reichstag, há
exatamente 80 anos. Dimitrov foi absolvido.
Os verdadeiros patriotas americanos e os povos do mundo têm, a
partir de agora, mais um herói a admirar.
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