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Por João Ubaldo Ribeiro
A cada instante, e cada vez mais, somos alvejados por milhares de informações de todos os tipos, muitas delas procurando, como consequência final, alterar nosso comportamento, seja para pormos fé nas lorotas pseudoestatísticas e conceituais que nos pregam os fabricantes de remédios, pastas de dentes e produtos de farmácia em geral, seja para acreditarmos que determinado partido político, ao pedir com fervor nossa adesão, realmente tem alguma identidade que não seja a que lhes emprestam seus tão frequentemente volúveis caciques. Aparentemente, nossos cérebros se defendem de ser entulhados com essa tralha e grande parte dela é esquecida.
A cada instante, e cada vez mais, somos alvejados por milhares de informações de todos os tipos, muitas delas procurando, como consequência final, alterar nosso comportamento, seja para pormos fé nas lorotas pseudoestatísticas e conceituais que nos pregam os fabricantes de remédios, pastas de dentes e produtos de farmácia em geral, seja para acreditarmos que determinado partido político, ao pedir com fervor nossa adesão, realmente tem alguma identidade que não seja a que lhes emprestam seus tão frequentemente volúveis caciques. Aparentemente, nossos cérebros se defendem de ser entulhados com essa tralha e grande parte dela é esquecida.
Mas em algum lugar da mente ela permanece e afeta talvez até nossa maneira de
ver o mundo. Se prestarmos atenção aos comerciais de tevê e fizermos um
esforçozinho de abstração, veremos que temos plena ciência de que quase todos
eles, ou mesmo todos, se apoiam em pelo menos uma mentira ou distorção. O xampu
não produz cabelos como aqueles, a empresa não dá o atendimento ao cliente que
apregoa, o plano de saúde falha na hora da necessidade, a velocidade da banda
larga não chega nem à metade do que contrata, o sistema de saúde que descrevem
como o nosso parece gozação com o pessoal que estrebucha em macas no hospital, o
banco professa carinho e oferece gravações telefônicas diabólicas, o lançamento
imobiliário mente sobre as vantagens do bairro e a segurança da construtora, a
moça não é bonita como aparece, o sinal da operadora não é confiável, a
prestação sem juros é enganação, a garantia do carro não vale nada para a
concessionária. Tudo, praticamente, é mentira e sabemos disso. Mas, mistérios
desta vida, agimos como se não soubéssemos, numa postura acrítica e já meio
abestalhada.
Em relação à política, talvez nossa situação possa ser até descrita em termos
mais drásticos. As afirmações mais estapafúrdias são divulgadas e ninguém se
preocupa em examiná-las. Não me refiro a chutes que prostituem a estatística e
fazem dela, como já se disse, a arte de mentir com precisão. Os números nos
intimidam desde a escola primária e qualquer embusteiro se aproveita disso para
declarar que 8.36% (quanto mais decimais, melhor) de alguma coisa são isso ou
aquilo e ver esta assertiva ser recebida reverentemente, como se não fosse
possível desconfiar de tudo, da coleta dos dados, às categorias empregadas e os
cálculos feitos. Média, então, é uma festa e eu sempre penso em convidar o dr.
Bill Gates para morar em Itaparica e me transformar em nativo do município de
maior renda média do Brasil, cuíca do mundo.
Não, não me refiro a números, mas a alegações estranhas. Por exemplo, esse
negócio de o governo ser de esquerda. Só se querem dizer que a maior parte do
nosso cada vez mais populoso bando ministerial é constituído de canhotos. O
presidente Lula, que não quis ser presidente emérito e prefere continuar sendo
presidente perpétuo mesmo, já disse - e creio que com sinceridade - que não é,
nem nunca foi, de esquerda e que não usa mais nem a palavra "burguesia". E que é
que o governo fez que caracterize uma posição de esquerda? Apoiar Chávez com
beijos e abraços, ao tempo em que respalda os bilhões de dólares de negócios
brasileiros na Venezuela? Manter boas relações com Cuba, o que não quer dizer
nada em matéria de objetivo político? Ser da antiga turma que combatia o
governo, no regime militar? E já perguntei aqui, mas pergunto de novo: o PMDB é
de esquerda? Quem é esquerda, nesse balaio todo? Furtar, desviar, subornar,
corromper são de esquerda? Zelar por valores éticos e morais é de direita?
É gritaria da direita reclamar (e pouca gente reclama) do descalabro
inacreditável em que se tornaram as trombeteadas obras do rio São Francisco,
hoje uma vasta extensão de ruínas e destroços, tudo abandonado ao deus-dará, em
pior estado do que cidades bombardeadas na Segunda Guerra? Ou o que está
acontecendo com a Petrobrás, que, da segunda posição entre as petrolíferas,
despencou para a oitava e pode despencar mais, acrescida a circunstância de que
ninguém explica direito qual é mesmo a situação do hoje já não tão radioso
pré-sal? E combater a miséria nunca foi de esquerda ou direita. Ter altos
índices de popularidade tampouco.
Também se diz que as elites dominantes querem derrubar o governo. Que elites
dominantes? A elite política, que se saiba, é a que exerce o poder político. O
Poder Executivo é exercido pelo governo que está aí e que, presumivelmente, não
atua contra si mesmo. O Poder Legislativo está sob o controle da base do
governo. E o Judiciário, por mais que isso seja desagradável aos outros
governantes, não pode associar-se à ação política no sentido estrito. Já as
elites econômicas não parecem empenhadas em subverter uma situação em que os
bancos têm lucros nunca vistos, conforme o próprio presidente perpétuo já
frisou, e as empreiteiras estão muito felizes e, convocadas pela presidente
adjunta, prometeram fazer novos investimentos. Qual é a elite conservadora que
está descontente e faz oposição ao governo? É justamente o contrário.
Finalmente, temos a imprensa golpista. Que imprensa golpista? Que editorial
ou comentário pediu golpe? Comportamento golpista é o de quem acusa o Judiciário
de ser agente de armações politiqueiras, quem chega a esboçar desobediência a
ordens judiciais, quem se diz vítima de linchamento, quando foi condenado em
processo legítimo e incontestável. A imprensa sempre se manifesta contra o
desrespeito à Constituição e a desmoralização das instituições democráticas e
tem denunciado um rosário sem-fim de ações lesivas ao interesse público.
Golpista é quem busca silenciá-la ou controlá-la, não importa que explicações se
fabriquem e que eufemismos inventem.
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