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Por Janio de Freitas, hoje na Folha.
Vamos fingir que nos sentimos surpresos e indignados. Vamos à ONU com um 
protesto contra a espionagem com que o governo dos Estados Unidos invadiu 
mensagens eletrônicas no Brasil. Vamos cobrar do governo americano explicações 
sobre a central de espionagem instalada em Brasília pelo combinado CIA-NSA.
Faz parte da boa educação cívica mostrar-se surpreso e indignado. Tal como os 
franceses do presidente François Hollande, pouco antes de ele se sujeitar aos 
EUA e proibir o sobrevoo da França pelo avião em que supunham estar Edward 
Snowden, o revelador das espionagens americanas naquele, no nosso e em numerosos 
outros países.
Cumprido o ritual da surpresa e da indignação, podemos reconhecer que estamos 
entre os países de maior hospitalidade, senão a maior de todas, a agentes de 
informação, de subversão antidemocrática e de espionagem dos EUA. Qualidade 
nacional de que há provas sem conta. Mas, para ficar só em exemplos poucos e 
notórios, lembremos que o golpe de 1964 foi articulado em três frentes --a 
militar, a empresarial e a política.
A primeira foi montada pelo adido militar da embaixada dos EUA, general 
Vernon Walters, especialista em golpes mandado ao Brasil para mais um.
A segunda foi executada pelo próprio embaixador Lincoln Gordon, junto ao 
grande empresariado e a meios de comunicação. E a terceira ficou a cargo de uma 
entidade da CIA chamada Ibad, montada e dirigida por um tal Ivan Hasslocher, 
deslocado para a Suíça logo depois do golpe.
Antes disso, outro embaixador americano, Adolf Berle Jr., orientou, com sua 
equipe, uma conspiração militar para derrubada de Getúlio.
Repórteres americanos como John Gerassi e ex-agentes da CIA como Phillip 
Agee, entre muitos outros, publicaram artigos, reportagens e livros sobre a 
atividade de agentes na América Latina e, em particular, no Brasil. Foram muito 
pouco publicados aqui.
Não se esperariam atitudes, contra essa liberdade de invasão da CIA, por 
parte dos seus aliados-beneficiários brasileiros, fossem ainda conspiradores ou 
já governo. Mesmo os alvos da ação, porém, jamais usaram dos seus poderes legais 
para contê-la. Todo o governo Jango sabia das atividades de Gordon e de Walters. 
Em Pernambuco e em Goiás foram identificados agentes insuflando lavradores. O 
governo nada fez. Desde sempre consta da legislação brasileira que os militares 
são responsáveis pela soberania nacional. Nenhum dos seus chefes se moveu contra 
as violações praticadas pelos americanos.
Mais recentemente, a criação do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) foi 
entregue à Raytheon, empresa que presta serviços ao Departamento de Defesa (nome 
do departamento que superintende o planejamento e a execução dos ataques 
militares e invasões de países pelos EUA). A concorrência foi tão limpa, que a 
precedeu até a invasão dos escritórios da então Thomson no Rio, multinacional 
francesa que era a mais provável vencedora e teve todos os seus estudos e 
projetos roubados.
Declarada "vencedora" a Raytheon, Fernando Henrique telefonou ao presidente 
Bill Clinton para informá-lo a respeito. Depois explicaria o resultado e o 
telefonema: "O Clinton pediu pela Raytheon...".
Desde então, todos os dados sobre espaço aéreo, solo e subsolo da Amazônia 
são transmitidos, em rede e equipamentos criados pela Raytheon, para a central 
do Sivam. Se você quiser, pode acreditar que a transmissão termina aí.
Os espiões e agentes de americanos são íntimos nossos. Mas cumpramos o ritual 
de fingir-nos surpresos e indignados com a espionagem agora revelada. 
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(Acrescentamos a imagem de um espião, tinha de ser da turma do Chavez)
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