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(Aí vai o outro lado da medicina, para reflexão. Sou leigo, não entro no mérito de com cubanos ou sem cubanos, os especialistas que falem. Mas sei que só quem viveu o drama entende perfeitamente do que a médica fala, o friozinho na espinha ditado pela impotência, os sete palmos se abrindo inexoravelmente, a palidez que nos toma. Em 2007 se fosse depender do SUS eu teria ido para o beleléu com um câncer no estômago e um bicho na válvula do coração. Sem plano de saúde - tragicamente a vigarice que detona o SUS - quietinho aligeirei-me: tomei empréstimos em todas as casas de agiotagem (os bancos) que pude, concediam diretamente, pela internet, sem sequer se precisar ir até a agência. Juntei o montão de grana, mais algum obtido com familiares, e encarei tudo - exames, médicos e bisturi - no particular, ainda que não no Sírio Libanês. Claro que não pude pagar os agiotas, fase ruim em tudo, e logo queimaram meu nome na praça, bloqueando a sua vida é o modo como eles tentam receber... Mas salvei a pele, por enquanto. E sigo torcendo pela Dilma - obviamente que não foi ela quem inventou esta terrível situação dos hospitais, os inventores todos sabemos quem são, os agiotas oficiais são alguns, a nomenklatura tanto congressista como estatal são outros - e por um governo de esquerda honesto e não associado aos múmios.)
Por Juliana Mynssen da Fonseca Cardoso, em 24/6/2013 no portal do Conselho Federal de Medicina.
Há alguns meses eu fiz um plantão em que chorei. Não contei à ninguém (é nada fácil compartilhar isso numa mídia social). Eu, cirurgiã-geral, ‘do trauma’, médica ‘chatinha’, preceptora ‘bruxa’, que carrego no carro o manual da equipe militar cirúrgica americana que atendia no Afeganistão, chorei.
Na frente da sala da sutura tinha um paciente idoso internado. Numa cadeira. Com o soro pendurado na parede num prego similar aos que prendemos plantas (diga-se: samambaias). Ao seu lado, seu filho. Bem vestido. Com fala pausada, calmo e educado. Como eu. Como você. Como nós. Perguntava pela possibilidade de internação do seu pai numa maca, que estava há mais de um dia na cadeira. Ia desmaiar. Esperou, esperou, e toda vez que abria a portinha da sutura ele estava lá. Esperando. Como eu. Como você. Como nós. Teve um momento que ele desmoronou. Se ajoelhou no chão, começou a chorar, olhou para mim e disse “não é para mim, é para o meu pai, uma maca”. Como eu faria. Como você. Como nós.
Pensei ‘meudeusdocéu, com todos que passam aqui, justo eu… Nãoooo….. Porque se chorar eu choro, se falar do seu pai eu choro, se me der um desafio vou brigar com 5 até tirá-lo daqui’.
E saí, chorei, voltei, briguei e o coloquei numa maca retirada da ala feminina.
Já levei meu pai para fazer exame no meu HU. O endoscopista quando soube que era meu pai, disse ‘por que não me falou, levava no privado, Juliana!’ Não precisamos, acredito nas pessoas que trabalham comigo. Que me ensinaram e ainda ensinam. Confio. Meu irmão precisou e o levei lá. Todos os nossos médicos são de hospitais públicos que conhecemos, e, se não os usamos mais, é porque as instituições públicas carecem. Carecem e padecem de leitos, aparelhos, materiais e medicamentos.
Uma vez fiz um risco cirúrgico e colhi sangue no meu hospital universitário. No consultório de um professor ele me pergunta: ‘e você confia?’.
‘Se confio para os meus pacientes tenho que confiar para mim.’
Eu pratico a medicina. Ela pisa em mim alguns dias, me machuca, tira o sono, dá rugas, lágrimas, mas eu ainda acredito na medicina. Me faz melhor. Aprendo, cresço, me torna humana. Se tenho dívidas, pago-as assim. Faço porque acredito.
Nesses últimos dias de protestos nas ruas e nas mídias brigamos por um país melhor. Menos corrupto. Transparente. Menos populista. Com mais qualidade. Com mais macas. Com hospitais melhores, mais equipamentos e que não faltem medicamentos. Um SUS melhor.
Briguei pelo filho do paciente ajoelhado. Por todos os meus pacientes. Por mim. Por você. Por nós. O SUS é nosso.
Não tenho palavras para descrever o que penso da ‘Presidenta’ Dilma. (Uma figura que se proclama ‘a presidenta’ já não merece minha atenção).
Mas hoje, por mim, por você, pelo meu paciente na cadeira, eu a ouvi.
A ouvi dizendo que escutou ‘o povo democrático brasileiro’. Que escutou que queremos educação, saúde e segurança de qualidades. ‘Qualidade’… Ela disse.
E disse que importará médicos para melhorar a saúde do Brasil….
Para melhorar a qualidade…?
Sra ‘presidenta’, eu sou uma médica de qualidade. Meus pais são médicos de qualidade. Meus professores são médicos de qualidade. Meus amigos de faculdade. Meus colegas de plantão. O médico brasileiro é de qualidade.
Os seus hospitais é que não são. O seu SUS é que não tem qualidade. O seu governo é que não tem qualidade.
O dia em que a Sra ‘presidenta’ abrir uma ficha numa UPA, for internada num Hospital Estadual, pegar um remédio na fila do SUS e falar que isso é de qualidade, aí conversaremos.
Não cuspa na minha cara, não pise no meu diploma. Não me culpe da sua incompetência.
Na frente da sala da sutura tinha um paciente idoso internado. Numa cadeira. Com o soro pendurado na parede num prego similar aos que prendemos plantas (diga-se: samambaias). Ao seu lado, seu filho. Bem vestido. Com fala pausada, calmo e educado. Como eu. Como você. Como nós. Perguntava pela possibilidade de internação do seu pai numa maca, que estava há mais de um dia na cadeira. Ia desmaiar. Esperou, esperou, e toda vez que abria a portinha da sutura ele estava lá. Esperando. Como eu. Como você. Como nós. Teve um momento que ele desmoronou. Se ajoelhou no chão, começou a chorar, olhou para mim e disse “não é para mim, é para o meu pai, uma maca”. Como eu faria. Como você. Como nós.
Pensei ‘meudeusdocéu, com todos que passam aqui, justo eu… Nãoooo….. Porque se chorar eu choro, se falar do seu pai eu choro, se me der um desafio vou brigar com 5 até tirá-lo daqui’.
E saí, chorei, voltei, briguei e o coloquei numa maca retirada da ala feminina.
Já levei meu pai para fazer exame no meu HU. O endoscopista quando soube que era meu pai, disse ‘por que não me falou, levava no privado, Juliana!’ Não precisamos, acredito nas pessoas que trabalham comigo. Que me ensinaram e ainda ensinam. Confio. Meu irmão precisou e o levei lá. Todos os nossos médicos são de hospitais públicos que conhecemos, e, se não os usamos mais, é porque as instituições públicas carecem. Carecem e padecem de leitos, aparelhos, materiais e medicamentos.
Uma vez fiz um risco cirúrgico e colhi sangue no meu hospital universitário. No consultório de um professor ele me pergunta: ‘e você confia?’.
‘Se confio para os meus pacientes tenho que confiar para mim.’
Eu pratico a medicina. Ela pisa em mim alguns dias, me machuca, tira o sono, dá rugas, lágrimas, mas eu ainda acredito na medicina. Me faz melhor. Aprendo, cresço, me torna humana. Se tenho dívidas, pago-as assim. Faço porque acredito.
Nesses últimos dias de protestos nas ruas e nas mídias brigamos por um país melhor. Menos corrupto. Transparente. Menos populista. Com mais qualidade. Com mais macas. Com hospitais melhores, mais equipamentos e que não faltem medicamentos. Um SUS melhor.
Briguei pelo filho do paciente ajoelhado. Por todos os meus pacientes. Por mim. Por você. Por nós. O SUS é nosso.
Não tenho palavras para descrever o que penso da ‘Presidenta’ Dilma. (Uma figura que se proclama ‘a presidenta’ já não merece minha atenção).
Mas hoje, por mim, por você, pelo meu paciente na cadeira, eu a ouvi.
A ouvi dizendo que escutou ‘o povo democrático brasileiro’. Que escutou que queremos educação, saúde e segurança de qualidades. ‘Qualidade’… Ela disse.
E disse que importará médicos para melhorar a saúde do Brasil….
Para melhorar a qualidade…?
Sra ‘presidenta’, eu sou uma médica de qualidade. Meus pais são médicos de qualidade. Meus professores são médicos de qualidade. Meus amigos de faculdade. Meus colegas de plantão. O médico brasileiro é de qualidade.
Os seus hospitais é que não são. O seu SUS é que não tem qualidade. O seu governo é que não tem qualidade.
O dia em que a Sra ‘presidenta’ abrir uma ficha numa UPA, for internada num Hospital Estadual, pegar um remédio na fila do SUS e falar que isso é de qualidade, aí conversaremos.
Não cuspa na minha cara, não pise no meu diploma. Não me culpe da sua incompetência.
Somos quase 400 mil, não nos ofenda. Estou amanhã de plantão, abra uma ficha, eu te atendo. Não demora, não.
Não faltam médicos, mas não garanto que tenha onde sentar. Afinal, a cadeira é prioridade dos internados.
Hoje, eu chorei de novo.
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