domingo, 28 de octubre de 2012

Domingo feliz, n'A Charge do Dias

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Dez horas da manhã, céu um tantinho fechado, mas ainda assim um lindo dia de primavera em Porto Alegre, um calor..., de assar, e com a temperatura subindo. Uma leve brisa prometendo chuva à noite, é aquele ventinho mentiroso no qual os campeiros e colonos não levam muita fé.

No Botequim do Terguino já é grande a movimentação, poucos dentro do bar, meia-dúzia nas mesas de sinuca nos fundos - quatro rapazes e duas moças de noite atravessada.

A maior parte do pessoal, 3/4, está pelas mesas na calçada, camiseta, bermuda, chinelo-de-dedo, enfamiliados..., atualizando as informações, contando estórias e entornando seus tragos.

E trago não falta. É um tal de "merengue", "repolhuda", "pré-sal", "fada-verde", "petróleo"... Se o cara pede: "Salta um petróleo, Terguino!", é uísque vagabo, aquilo é quase como beber gasolina com água. Se diz "Salta um pré-sal, ó Portuga!", aí é mais embaixo, uísque mais caro. Petróleo e Pré-sal são invenções de Ivorix Getuliano Piazito, um italiano famoso como só, que volta e meia aparece para rever os amigos que um dia. O lendário boêmio parou com a bebida e baixou a bola depois que recebeu uma longa carta do seu Figueiredo, com graves ameaças de retaliação caso prosseguisse.

"Merengue" é caipirinha de vodka com um punhado de pétalas de rosas brancas, essa de roseiral é invenção de um beberante de Palmeira das Missões que sumiu do mapa, depois de um duelo com alguns agiotários paulistas, venceu na adaga mas perdeu no dinheiro, o bicho era teimoso, dizia "Fico duro mas não faço negócio em vão de escada". 

"Repolhuda com trigo" é universal. Leva esse nome - repolhuda - pelos boatos de que as cervejarias, em tempos idos, quando se apertavam por falta de malte usavam repolhos para a fermentação com as leveduras, isso antigamente, é claro, tudo calúnia, obviamente, mas o cheiro de pum é horroroso - todo boêmio sente de longe, no verão, então, que é quando falta malte... Faltava, digo, antigamente.

O "trigo" refere-se ao trigo-velho - Steinhäger - geladinho para acompanhar a repolhuda, sem ele não vai. "Fada-verde", também chamada de Dyabla-verde", este último nome nos parece mais apropriado, é o absinto caseiro fabricado no botequim, a famosa "losninha" - cachaça dentro de um vidro com tenras folhas de losna -, o aperitivo mais solicitado pela malandragem. Lá pelo quinto liso de fadinha-verde começam a bater em outro vidro, o de ovo em conserva. Dos deuses.

Para pedir uma caninha pura, o que raros amigos fazem, tem uns duzentos modos. Em geral pedem uma "branca", mas não falta quem peça água-de-briga, goró, marafa, caiana, arromba-cueca, mé, remédio, tome-juízo, marvada, amansa-corno... Agora apareceu uma orgânica muito tri, no começo a turma dizia: "Me dá uma canjebrina Ecológica aí, ó", agora é só "Uma Ecológica aqui". 

A mestra Jezebel do Cpers só diz "Me dá um tesão", e eles sabem: quer dizer o seu martini, que ela batizou de "Me dá um tesão", e para não dizer "me traz um Me dá um tesão", encolheu simplesmente para "Me dá um tesão". Se disser tesão doce é com cereja, tesão amargo é com azeitona. "Me dá um tesão durinho" é com pepino.   

Gustavo Moscão chega com 20 quilos de carne, mais os miúdos de galinha e salsichão para os miúdos, é a sua vez de coordenar os espetos no tonel - hoje dois tonéis cortados - no meio da rua. Espeta linguíça e coração e deixa a carne tapada na mesa auxiliar lá no canteiro, vem confraternizar com a turma, ainda é cedo.

Nos seus calcanhares aparece o Contralouco, feliz da vida, beijando todo mundo. O Contra tem uma pequena gráfica, como sabemos, então de madrugada se deu ao trabalho de imprimir uns papeizinhos. Pediu a atenção de todos:

- Gente, hoje tem eleições pelo Brasil, então vamos votar de faz de conta, vou largar as cédulas de votação nas mesas, uma para cada um, para votarmos em São Paulo, marquem com um X a opção desejada.

Alguns protestos: Pára meu, Paulistas de merda, Banqueiros putos, Por mim que se explodam, Tudo JD, Maluf ladrão, Nazistas da Paulista, Lula Sírio-libanês... Porém a maioria, louca para fazer arte, gostou da ideia.

- É só de brincadeira, gente, parem de frescuras e votem, - repetia enquanto distribuía o material, com as opções e um quadrinho ao lado de cada uma:



ELEIÇÕES NO BOTEQUIM - 28/10/2012 - San Pablo
A) Tomara que se fodam
B) Com um prendedor de roupa no nariz: vou de Serra Vampiro da extrema-direita
C) Com um prendedor de roupa no nariz: vou de Haddad Poste do Chefe da Quadrilha

Foi um tal de me empresta a caneta, alguns bate-bocas, críticas mútuas pelas escolhas, o Contra indo de mesa em mesa, e após concluir a distribuição fez a volta e imediatamente começou a recolher os votos, apressando os embromados. A maioria empacados, olhavam, olhavam, para a cédula, sacudiam a cabeça...

- Não adianta pensar, amados irmãos, não vão achar o Zé Maria nem o Plínio Sampaio aí, botem o prendedor de roupa e tratem de cravar logo qualquer coisa -, incentivava o maluco.

Depois sentou-se com Aristarco de Serraria, Wilson Schu, Lúcio Peregrino e Carlinhos Adeva. Pediu uma fada e a bebeu numa talagada, pediu outra enquanto mexia nas cédulas, separando-as na mesa. Logo anunciou: no total deu 35 votos, gente, o Portuga não votou porque é estranja, e dos de casa a Leilinha, o Hyde, o Nicolau, o Da Nira, Açafrão e mais alguns ainda não chegaram, eu vou votar por eles...

Protestos: Não pode! Não senhor, nada de votar pelos outros! Assim não vale! Tramposo!

O Contra sorri:

- Eheheh, tava brincando, palhaços. Agora vamos fazer a apuração. Aristarco preside a mesa, vai ler em voz alta, rubrica a cédula; o Schu vai secretariar, lê de novo, rubrica também, e o Carlinhos confere, rubrica e passa para o Lúcio, que será o dedógrafo, vai somando no nótibuc...

- E quem vai conferir o Lúcio? Pô, pra quê tudo isso, dá pra fazer a conta de cabeça -, reclama Gustavo Moscão, que não é assim tão moscão.

Pombas - responde o Contra -, o Lúcio é um homem sério, mas, bem, tá certo, temos que fazer direito. E precisamos manter a aparência de seriedade, como eles fazem lá, uma apuração solene, digna, ora conta de cabeça... Convido a companheira Silvana Maresia para fazer parte da mesa, vai ficar ao lado do nóti, de olho nos votos e no que o Lúcio vai botar no equicél.

Silvana vem toda pimpona, enquanto o Lúcio ri e chacoalha a cabeça com ar de eu não mereço isso.

O Contralouco estava na terceira losninha quando encerrou a apuração. A turma de dentro do bar veio para fora, todos em pé aguardando, lotaram a frente do bar. Aristarco de Serraria, o presidente, levantou-se e leu o resultado:

- 1 voto nulo. Um espertinho escreveu que "se fodam é pouco", e mais um monte de palavrões, que nem em banheiro de rodoviária se usa mais, ao lado dos nomes dos candidatos. Quem poderia ter sido?

Todo mundo, em uníssono: Clóvis Baixo!

O Clóvis faz cara de inocente, mas doido pra explodir numa gargalhada, lá sentado com a Jêze, Gustavo, Jussara e Cícero Bom Cabelo.

- Bem, 17 votos para A) Tomara que se fodam, e 17 votos para C) Com um prendedor de roupa no nariz: Haddad Poste do Chefe da Quadrilha

Se empatou não valeu!, grita Janjão, no que é secundado por Chupim da Tristeza e terceirado (ops) por Lorildo de Guajuviras.

O presidente Aristarco encerra o papo: ora, valeu, sim, ganhou o Haddad.

- Ditador!, resiste Lorildo, rindo.

Depois dessa experiência desgastante, todos renovam os copos e voltam às suas conversas de antes.

Pelas mesas, o pessoal concordou que nem tudo está perdido para o glorioso Internacional de Porto Alegre, maior clube do universo. Outro dia (AQUI) haviam chegado a conclusão de que bastaria ganhar do Palmeiras ontem no Beira Rio e o São Paulo sifu com o Sport lá na Ilha do Retiro. A diferença cairia para 4 pontos. No outro domingo, quatro de novembro, o Flu crã no São Paulo e o Inter goleia o Náutico nos Aflitos. Cairia para 1. No domingo do dia onze o Grêmio daria uma mãozinha vencendo o São Paulo no Olímpico, e o Inter crã na Macaca lá em Campinas. Pronto, 2 pontos na frente deles e adeus tia chica.

Não deu muito certo porque o Sport ontem não ajudou, "Perderam em casa, como puderam nos fazer essa!?", diz escandalizada Jussara do Moscão.

Nada está perdido - exclama Nicolau Gaiola chegando, com sua voz de ator, braços abertos no último degrau da escadaria do Beco da Fonte -, basta o restante dar certo e o São Paulo apanhar do Corinthians na última rodada.

Desde que o Inter ganhe todas - diz António Portuga -, ao passar recolhendo copos e garrafas nas mesas, cara de amigo da onça - pois se pegar mais um lanterna GMorto pela frente, deu.

Sai espírito-de-porco! Babaca! Gremistão! Volta pra Portugal! Secador! Porco! Só não chamaram o Portuga de santo.

O Contralouco mexe nos bolsos e surgem mais papeizinhos, agora das eleições em Pelotas. Para encurtar o relato, deu a opção B) Marroni, apesar do Chefe do Mensalão, com larga vantagem sobre o Que se fodam: 26 a 17, agora já com mais votantes. O adversário do Marroni teve necas.

Parece que vai dar o outro, o direitoso do PSDB, segundo as pesquisas - lembra Lúcio Peregrino.

Não entendo esse povo de Pelotas, uma cidade tão politizada, artistas maravilhosos, o futebol, o teatro, o bar Já Comi, a areia de água doce.., em Campinas a direita nem foi pro segundo turno - diz Nicolau, já tomando a sua repolhuda com trigo, em infame insinuação.

Eu entendo, e como entendo... - diz Aristarco -, misterioso, para depois arrematar: isso não é nada, triste é o PSOL perder em Belém do Pará, salvo acontecer um milagre hoje... por essas e outras a cada dia odeio mais o Lula.

Protestos: Ei, esquece coisa ruim! Pára, Ari, é domingo, felicidade! Hoje faz um dia lindo! Olha pra criançada, meu presidente! 

Silvana Maresia entoa a marchinha: "Vê, estão voltando as flores / Vê, nesta manhã tão linda / Vê, como é bonita a vida / Vê, há esperança ainda...", a moçada pega nos instrumentos, rufa o tarol...

Um show.

Gustavo começa a espetar as carnes de boi, as linguíças e os corações de penosa a criançada já bateu. Dona Otília chega com as travessas de maionese, direto pra geladeira.

Jezebel anuncia o aniversário do pernambucano Capiba, 108 anos, saudosa dos seus tempos de Recife, diz que a última vez que lá esteve foi em 2004, no seu centenário. A moçada dos batuques se mexe, com Cícero nas cordas e Janjão no trombone, e a acompanham no frevo É de amargar.

O Contralouco voando pega do colo da Ju o Gatolino da Jêze, na passagem o chapéu de malandro do Mateus do Pinho e sai dançando na rua, um típico bailarino de frevo, pernada pra todo lado, de repente pulando usa o gato como sombrinha e a cantante Jezebel quase se afoga com a letra da música, para salientar depois, quando sentiu o Gatolino a salvo, e o Contra todo arranhado mas ainda dançando, a parte que diz: Eu vou cair no frevo, que É DE AMARGAR...


Leilinha Ferro vem chegando e já começam as piadinhas sobre o tardar da hora - 15 pra meio-dia - e o seu namoro com o Gabriel do PSol, ela nem liga para os boêmios, apenas sorri. O Gabrielito também sorri e procura uma cadeira junto aos boêmios. Ela em pé cobra as obras do dia, dos artistas do traço e do pensamento do Brasil. "Preciso enviar pro blog o quanto antes, o pessoal lá também quer sair, se não me derem agora só vai aparecer no blog de noite".

Não tardaram, já estavam mais ou menos alinhavadas. Disseram à Leila que, mesmo havendo obras maravilhosas, hoje expurgaram a política, referindo-se aos bandidos de todo dia, esses ficam para amanhã. Depois das canções, decidiram por um domingo sem más lembranças.

Ficaram com o Zop. Dez a zero pro Zop, vai para a parede do botequim, por deliberação unânime da diretoria.





E com o Cazo, do Comércio do Jahu (Jaú, SP).




Como Leilinha Ferro é a coordenadora da coluna, não vai por eles nem lhes deve satisfações, escolhe a sua a solas. E firmona escolheu a obra do Nani. Putz, o que gostam do Nani, quando não são eles, é ela.




O Contralouco, que perdeu no voto nas escolhas, fez um achego com as mulheres e elas conseguiram uma extra. Para a Jezebel a Leilinha não consegue negar nada. Então, em nome das mulheres, já que os barbados são maioria e elas sempre são voto-vencido, escolheram o Rico, do Vale Paraibano (São José dos Campos, SP).






(A coluna A Charge do Dias leva esse título pelo seu idealizador, o mestre Adolfo Dias Savchenko, que um belo dia se mandou para a Argentina, onde vive muito bem. Sucedeu-o na coordenação a jovem Leila Ferro, filha do Terguino, quando os boêmios amarelaram na hora de assumir o encargo. Antes eram dois butecos, o Beco do Oitavo e o Botequim do Terguino, que há poucos dias se..., bem..., se fundiram (veja AQUI), devido a dívidas com o sistema agiotário, como eles dizem. O novo bar manteve o nome de um dos butecos: por sorteio ficou Botequim do Terguino, agora propriedade dos ex-endividados António Portuga e Terguino Ferro. Os nomes de todos e de tudo foram levemente modificados, alguns têm lá suas razões, mas não para quem sabe ou vê... fácil demais)






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