Horário de Verão n'A Charge do Dias

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Dez da manhã, que é nove, rodeado de companheiros, notibuc na mesa da calçada, Lúcio Peregrino abriu os trabalhos com uma losninha tripla. Aturou meia hora de reclamações desta "bosta de horário novo" dos presentes e dos que chegavam. Quando a turma já andava lá pelo elétrico lupanar de Belo Monte, desviou o assunto apontando com os olhos para uma dona que passava no outro lado da rua. Aqui não podemos detalhar o significado dos olhares para a semidesnuda senhora, menos ainda transcrever os ardentes comentários, mas o horário novo foi imediatamente esquecido. Em seguida furungou na geringonça e postou-se, como de hábito, para dar início à leitura das manchetes do dia.

Não me venha com más notícias, tou numa ressaca dos diabos - antecipou-se o Contralouco, de copo de cerveja na mão.

Tirando as charges e os quadrinhos, jornal só traz más notícias ou besteirol, Contra -, respondeu Lúcio -, não posso inventar.

Mas notibuc não é jornal, diz Gustavo Moscão.

Lúcio deixa passar essa.

Como sempre, vou ler só as manchetes. Se alguém se interessar por algo, então leio por dentro.

- Aquele amigo e parceiro de negócios do José Dirceu e do Marcos Valério, o José Maria, presidente do Banco Espírito Santo, de Portugal, está atolado em denúncias em seu país, a "suspeita" maior é lavagem de dinheiro. Uma lavanderia do tamanho do mundo.

Eis uma boa notícia para o Livrandowski, hoje mesmo embarca pra Portugal pra absolver o cara!, exclama Mr. Hyde.

Essa pode pular, a manchete diz tudo, encerra Chupim da Tristeza.

- Dilma se atira de corpo e alma nas campanhas dos seus candidatos. Em Campinas diz que PT representa nova forma de fazer política.

Por falar nisso - intervém Aristarco de Serraria -, alguém sabe em qual penitenciária estão presos o Antonio Palocci e todos os outros seus ex-ministros? Os caras do mensalão irão para a mesma?

Ninguém sabe. Mr. Hyde solta a sua risada de trovão.

O Contralouco levanta dizendo: "Eu vou dar uma volta, na segunda notícia já tou com ânsia de vômito, De repente dou sorte e encontro aquela dona, meu Deus, que bunda. Em último caso encontro o aspone de deputado ruralista que eu quero pegar, aí ele vai ver".

Lúcio emenda uma manchete da hora:

- Quincas Berro D'Água vai dar uma volta pelo bairro, já que de noite não pegou ninguém.

A turma explode em risos, enquanto o Contralouco se afasta fazendo rodinha com os dedos.

- O Hitler de Israel, Benjamin Netanyahu, depois de interceptar mais um barco de ajuda aos palestinos, disse que, se os ativistas da chamada Flotilha da Liberdade se preocupassem com os direitos humanos, navegariam até a Síria.

As recém-chegadas Jezebel do Cpers e Silvana Maresia gritam: Pula, pula, pula!

-  O condenado José Genoíno diz que o julgamento do mensalão foi um espetáculo midiático.

O próprio Lúcio rosna entredentes um "Ora vai à merda", antes de prosseguir.

- O candidato do PT à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, intensificará ações com a classe mérdia. Serra cumprirá agenda nos bairros dos pés-de-chinelos.

Todo mundo: Pula, pula, pula.

- Urgente. Praça São Pedro lotada. O Papa da Inquisição do Santo Ofício nomeia mais sete santos, entre estes uma índia norte-americana na tribo Mohawk do século 16, que colocava carvão em brasa entre os dedos do pé e dormia numa cama de espinhos.

Faz sentido, a Inquisição adorava um sofrimentozinho, diz Clóvis Baixo, mas tem a sua voz abafada pelas exclamações de Pula, pula, pula.

- Políticos filhos da puta, isto é, todos, invadem as redes sociais com propaganda, não respeitam nada, alucinados para entrar na roubalheira. Surgem movimentos contrários no Facebook, como o "Vamos decapitar os filhos da puta".

Epa - atalha Aristarco - você tá inventando, essas drogas de agências de notícias não falam assim.

Ah, nesta só dei uma melhoradinha, responde Lúcio, e segue:

- É hoje à tarde o mais esperado confronto do Campeonato Brasileiro. A partida entre Atlético-MG e Fluminense no estádio Independência pode decidir definitivamente o rumo da competição.

"Decidir definitivamente", esses caras não foram à escola, observa a professora Jezebel.

- Inter não perderá hoje, a massa colorada vibra.

Sacanagem, meu! - protesta Clóvis Baixo -, o Inter não joga hoje, só quarta.

António Portuga, único gremista presente, solta um urro lá da porta do bar.

Ar de suspense, Lúcio anuncia: e a última selecionada, meus amigos, que em seu bojo traz o segredo de muitas vitórias nas eleições.

- Estudo indica que 76% da população brasileira é formada por analfabetos funcionais.

O Contralouco está voltando e diz: isso aí broxa qualquer um, e tu ainda fica escrachando. Acho melhor a gente parar com esse negócio de notícias, acaba estragando o ambiente.

Alguns concordam.

Toca o telefone do Lúcio, que levanta-se e sai falando. "Alô, oooiiiiiiiii..., claro que pode, estou no bar... Sim... O quê?...  Mesmo?... Beleza..."

Lúcio retorna: Era a minha irmã do Rio. Queriam uma boa notícia, é? Peguem esta. E diz como se estivesse lendo:

- Neste momento uns duzentos foliões homenageiam o Supremo Tribunal Federal na orla das praias de Ipanema e Leblon, todo mundo com máscara de Joaquim Barbosa. Com carro de som tocando marchinhas contra a corrupção. Colado no carro tem um bruto cheque de 153 milhões, nominal ao povo brasileiro e assinado por um tal de "Mensaleiro Lalau da Silva". O esquema da Delta e a CPI do Cachoeira também são lembrados.

Jussara do Moscão suspira: ah, o Rio é outro papo, praia, música...

Falou em música e o Contralouco se toca, nota que "os maconheiros da música" ainda não chegaram, e manda botar o CD do boêmio Telmo de Lima Freitas no som do bar.

Que injustiça, pobres dos meninos - diz Jezebel - só dão um tapinha lá que outro...

Ao som de Primavera de Sonhos chega Nicolau Gaiola, direto da boemia, reclamando do horário novo. Olha para os lados e diz: "Ué, cadê o churrasco?". Só então a turma lembra de telefonar para Marquito Açafrão, que hoje é o encarregado das compras e ainda não apareceu.

Instados por Leilinha Ferro, passam a escolha das obras do dia.

Ficaram com o Mariosan, de O Popular (Goiânia, GO).

E com o Nani.

Leilinha Ferro parou no Duke, de O Tempo (Belo Horizonte, MG).

(A coluna A Charge do Dias leva esse título pelo seu idealizador, o mestre Adolfo Dias Savchenko, que um belo dia se mandou para a Argentina, onde vive muito bem. Sucedeu-o na coordenação a jovem Leila Ferro, filha do Terguino, quando os boêmios amarelaram na hora de assumir o encargo. Antes eram dois butecos, o Beco do Oitavo e o Botequim do Terguino, que há poucos dias se..., bem..., se fundiram (veja AQUI), devido a dívidas com o sistema agiotário, como eles dizem. O novo bar manteve o nome de um dos butecos: por sorteio ficou Botequim do Terguino, agora propriedade dos ex-endividados António Portuga e Terguino Ferro)