viernes, 5 de octubre de 2012

Os boêmios abrem o voto

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Agora sim, primavera em sua plenitude, um dia maravilhoso em Porto Alegre, 30 graus ao sol às 4 da tarde. Como é sexta-feira, a alegria dos boêmios é dobrada, compareceram em peso e cedo começaram a enxugar chopes e patrícias no Botequim do Terguino, a diretoria nas mesas da rua.

Discussões sobre amenidades, pura recreação, ninguém estava a fim de esquentar a cuca num dia como hoje. Para se ter uma idéia dos assuntos, o Contralouco começou:

- Pessoal, ainda estou feliz pelo dia de ontem, pelo Zé Dirceu ter tomado bem dentro, ah, que primavera, eta vida boa... 

Os malandrões, todos curtidos nesta vida, sabem que o patíbulo está sendo erguido pelos funcionários do tribunal eleitoral, para utilização no domingo, mas ninguém quis falar das eleições, para que antecipar o sofrimento, ninguém é trouxa de sofrer duas vezes, antes e depois. Tratam de combinar o churrasco de sábado, o de domingo acertarão amanhã.

Até que chegou Mr. Hyde, o médico da confraria, ainda de jaleco, vindo do hospital. Sentou-se e pediu três chopes ao Portuga, reclamando de sede.

- Aquela porra de hospital, além de faltar de gaze pra cima, agora deu de faltar até água nas torneiras... Desculpem, não vou falar de tristezas...

Ninguém estranha os três chopes, com aquele seu metro e noventa até que é pouco. Entornou os referidos, pediu mais um, levantou-se e lascou:

- Seguinte, camaradas: ando desconfiado de que aqui no buteco tem eleitor do Fortunati, da Manuela e do Villa infiltrados, gente paga para nos espionar... Então proponho que hoje todo mundo se identifique e abra o voto.

Ele aproveitou o grande número de beberantes presentes no recinto, na calçada e lá dentro. A provocação tinha destino certo: para três estranhos e uma estranha, eles mal-encarados e ela com um "sou pistoleira" escrito na testa, que estavam numa mesa lá no extremo da calçada. A mulher corou de vereda, já os vagabundos se fizeram de desentendidos, mas deram um tempinho e pediram a conta. O Contralouco não lhes tirou os olhos por um segundo.

Viraram as costas e os mandriões deram de cogitar a qual gangue pertenceriam. Pura falta do que fazer. Isso de gangue é coisa do Contralouco. Arredondando, o Fortunati teve 50% das opiniões, contra 30 da Manuela e 20 do Villa.

Hyde gostou da ideia que teve e tornou a propor a enquete com os habitués. Lúcio Peregrino abriu uma folha de excel no notibuc. Passaram à contagem. Cada um tinha que levantar e pronunciar o nome do  seu candidato. Não houve indecisos. Nulo apenas um, da Veruschka, que deu um discurso ameaçando queimar o título de eleitor no domingo, diante do presidente da sua mesa, mas que acabou dizendo que iria para a Praia do Hans.

Só três candidatos a prefeito obtiveram votos. O boêmio  Lorildo de Guajuviras, de visita ao botequim, não votou, tem o título em Canoas. Isaac Financista (empresta dinheiro a juros, como pessoa física, mas ninguém o chama de agiota, pois os seus juros são muito inferiores aos da CEF e do BB, para não falar dos outros; financista é mais justo, o pessoal é honesto, mas ninguém gosta dele mesmo assim) quis votar no Fortunati mas foi impedido, quando chegou ao botequim o horário de votação tinha estourado, pretextou Lúcio, presidente da mesa de votação, isto é, dono do notibuc.

A Manuela comunista (faz-me rir, disse Tigran Gdanski, ao ouvir a palavra comunista) teve o voto de três meninas, de 7, 9 e 11 anos, filhas da Otília costureira ali da rua (rua é modo de dizer, o nome correto é Beco do Oitavo), que estavam brincando na calçada por entre as mesas dos boêmios.

O Robaina do PSol teve 8 votos: Leilinha Ferro, Terguino Ferro, Jandir da Casa do Cachorro, Jorge Pouco-Pé, Leonardo Berro do Cabrito, Wilson Schu, Roberto da Nira e Nego Janjão.

O Érico do PSTU teve 17 votos: Aristarco de Serraria, Contralouco, Jezebel do Cpers, Tigran Gdanski, Silvana Maresia, Jucão da Maresia, Gustavo Moscão, Jussara do Moscão, Clóvis Baixo, Cícero Bom Cabelo, Chupim da Tristeza, Lucas da Azenha, Marquito Açafrão, Carlinhos Adeva, Mr. Hyde, Walter Schiru e Lúcio Peregrino.

A Otília Costureira chegou para votar, bem depois do Isaac Financista, a ela Lúcio permitiu, dizendo que tinha avisado antes que viria. Com ela, 18 para o Érico.

No total, 26 votos válidos. Saíram fora o nulo da Veruschka e os 3 das gatinhas que sufragaram a Manuela (Lúcio, o presidente da mesa, invalidou-os porque as gurias são "de menor"). Resumo da ópera: Robaina do PSol com 8 e Érico do PSTU com 18.

(amigos, somem mais um aí para o Érico, do titular aqui do blog)

O chope rolando e Aristarco de Serraria pede a palavra, para exaltar o espírito cívico dos boêmios eleitores, mas lembra a todos sobre 2016:

- Hoje estamos aparentemente divididos, mas é isso, só aparência, pois somos todos do bem e as bandeiras que escolhemos têm o mesmo substrato, a igualdade e a fraternidade entre todos os viventes, homens, animais e plantas, e o desejo de que os ricaços que roubam, como os políticos por eles sustentados, acabem no paredón! Em 2016 viremos sob a mesma flâmula de amor, o Partido dos Boêmios, e elegeremos o prefeito João da Noite e uns dez vereadores.

A turma percebe que Aristarco já está pra lá da Bagdad, andou rebatendo os chopes com a fada-verde caseira do bar - a conserva de pinga com losna, mas ninguém se importa, aplaudem com grande regozijo.

- Pela força não adianta, Ari, matam a gente, ou pior: daqui a pouco aparece um dos nossos metido a Nosso Guia. A gente tem é que forçar os bandidos a aplicarem dez por cento do PIB em educação - reclamou a professora Jussara do Moscão.  

Aristarco encerra sua oratória:

- Sei, Ju, sei. Bem, meus irmãos... podemos ser empinantes, palhaços até desse sistema viciado, mas burros não! Então sabemos que seremos derrotados pelo poder econômico no domingo, de modo que proponho que todos compareçamos às urnas vestidos de palhaços!

- Eu vou fantasiado de bêbedo! Só bêbedo pra aguentar essa farsa!, rugiu o Contralouco.

- Não vai precisar de fantasia, vai assim como está, Contra - escrachou Carlinhos Adeva.

Decidem partir para a escolha dos candidatos a vereador da leal e valerosa Porto Alegre, a pedido de Jezebel.

- Aqui pode ser que tenhamos uma chance, disse a ilustre professora.

Nesse momento Lúcio Peregrino, o presidente da mesa "eleitrônica", como disse Chupim da Tristeza, precisa se retirar às pressas, levando o notibuc, nas pegadas de uma gostosa que acabou de passar pelo Beco. Na saída volta a cabeça sobre o ombro e exclama, à guisa de desculpas aos companheiros: "É que eu já vi aquela pena noutra ave... volto depois da meia-noite...".

E assim, por um motivo tão nobre, a divulgação dos nomes dos vereadores escolhidos pelos empinantes é transferida para amanhã.






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