domingo, 8 de enero de 2012

Quando banqueiros se tornam gângsteres

.
 Por Mauro Santayana



 Primeiro-ministro da França entre 1988 e 1991, Michel Rocard é homem respeitável em seu país. Ele, e um economista mais moço, Pierre Larrouturou, publicaram, segunda-feira, em Le Monde, artigo baseado em fontes americanas sobre os empréstimos concedidos pelo Tesouro dos Estados Unidos aos bancos, em 2008. De acordo com as denúncias — feitas pela agência de informações econômicas Bloomberg — os juros cobrados pelo FED aos bancos e seguradoras foram de apenas 0,01% ao ano, enquanto os bancos estão emprestando aos Estados europeus em dificuldades a juros de 6% a 9% ao ano — de 600 a 900 vezes mais. De acordo com as denúncias da Bloomberg, retomadas por Rocard e Larrouturou, o montante do socorro por Bush e Henry Paulson, seu secretário do Tesouro, aos banqueiros, chegou a um trilhão e duzentos bilhões de dólares, em operações secretas.

 O artigo cita a cáustica conclusão de Roosevelt, durante sua luta para salvar os Estados Unidos depois da irresponsabilidade criminosa dos especuladores que haviam provocado a Grande Depressão: “Um governo dirigido pelo dinheiro organizado é igual a um governo dirigido pelo crime organizado”.

 Dentro do raciocínio de Roosevelt, podemos comparar a carreira de Henry Paulson à de qualquer grande boss de Chicago ou de Nova York no crime organizado. Desde 1974 — quando tinha 28 anos — Paulson tem servido ao Goldman Sachs, a cuja presidência chegou em 1999. Nos sete anos seguintes, ele consolidou a posição do banco em sua atuação internacional — e foi convocado por Bush para ocupar a Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos em 2006. Poucos dias antes, ele deixou a presidência do banco, e preferiu converter a indenização a que teria direito (o famoso bônus) em participação acionária. Isso o manteve ligado, por interesse próprio, aos destinos do banco.

 Uma das primeiras firmas a serem beneficiadas pela ajuda do Tesouro, por decisão de Paulson, durante a crise de 2008, foi a AIG — a maior seguradora norte-americana — com cerca de 80 bilhões de dólares. Ocorre que o principal credor da AIG era o Goldman Sachs, que desse dinheiro recebeu quase 30 bilhões, logo em seguida.

 O Goldman foi multado, em julho de 2010, pela SEC (Securities and Exchanche Commission) por fraude, em 550 milhões de dólares, por ter atuado de má-fé na questão das operações com papéis da dívida imobiliária. E são ex-diretores do Goldman Sachs (provavelmente ainda grandes acionistas do banco, como é o caso de Henry Paulson) que se encontram agora no controle do Banco Central Europeu (Mario Draghi), na chefia dos governos da Itália (Mario Monti) e da Grécia (Lucas Papademos). O que farão esses interventores do Goldman Sachs, no controle das finanças europeias, a não ser defender os interesses dos bancos — e seus lucros fraudulentos? Se Roosevelt fosse vivo, naturalmente estaria pensando em sua advertência dos anos 30.

 É brutal a semelhança entre a situação atual e a de 1929. Ao analisar os fatos daquele tempo, John Galbraight disse que “o outono de 1929 foi, talvez, a primeira ocasião em que os homens tiveram, em grande escala, a capacidade de enganar a si mesmos”. A escala do autoengano parece ser ainda maior em nossos dias. Rocard lembra a observação de Paul Krugman, de que a Europa entrou em uma “espiral da morte” — mas não é apenas a Europa que corre esse risco.

 Assim podemos explicar a advertência de Edgar Morin — também citada por Rocard — de que a civilização ocidental está entre a metamorfose e a morte. “O capitalismo sem regras é o suicídio da civilização”, como afirmam Morin e Stephane Hessel, em seu livro recente Le chemin de l’espérance.

 O ex-premier Rocard registra, em seu artigo no Le Monde, que as dívidas dos países europeus para com os grandes bancos são antigas, e sua solução não é difícil. Se o Tesouro americano foi capaz de emprestar a 0,01 aos bancos fraudadores e irresponsáveis, o Banco Central Europeu poderia emprestar, com as mesmas taxas, a instituições nacionais europeias — seu estatuto veda o empréstimo direto aos estados-membros — como os bancos estatais de fomento e caixas econômicas. Essas instituições repassariam as somas aos estados, cobrando-lhes juros em dobro — a 0,02% ao ano. Se prevalecessem a razão e a ética, estaria resolvido o problema europeu da dívida pública.

 Registre-se, no entanto, que o lema do Goldman Sachs, creditado a um de seus antigos controladores, Gus Levy, nos anos 50, é autoelucidativo: “long-term greedy”, ganância a longo prazo. O fato singelo é o de que, em tempos de crise — como disse Keynes em 1937, e Krugman relembrou também em texto recente — não cabe a austeridade, com corte de gastos sociais e de infraestrutura, mas, sim, é preciso investir e criar empregos. Os governantes de hoje, em sua maioria, não servem a seus povos, e em razão disso desprezam pensadores como Keynes. Estão a serviço de grandes corporações, dirigidas por fraudadores, como os banqueiros do Goldman Sachs.

 Talvez tenhamos que ir mais adiante ainda — e seguir o conselho de Morin: para não perecer, a civilização ocidental terá que sofrer a metamorfose necessária, encasular-se na razão e, nela, criar asas para o voo.

No hay comentarios.:

Publicar un comentario