miércoles, 5 de septiembre de 2012

À sombra de uma sentença

.
Por Wilson Figueiredo, no JB Online


Decisão do Supremo não se discute: cumpre-se. Mas, é bom lembrar, não se trata de medida autoritária. O aspecto restritivo deixado no ar não ultrapassa o campo jurídico. Ao Supremo Tribunal Federal cabe dizer a última palavra na área de competência legal. Mas a palavra é de quem a pede ou a toma pela convicção. A democracia tem a sua dinâmica, e nada está imune à razão e à emoção. Daí para baixo, juízos de valor não são privativos de ministros do Supremo e também estão ao alcance da cidadania. A sociedade é um campo fértil, onde a democracia viceja com o vigor que a tonifica nas variações ao longo da História. Decisões do Supremo podem e devem ser debatidas livremente pelos cidadãos.

Não custa lembrar, no caso brasileiro, que a liberdade de opinião está calibrada para o exercício do contraditório e não se confina à paixão do futebol. Opiniões pairam acima de eleições e de governos, dos municípios à República, e, onde quer que se apresentem, dizem respeito à democracia que vem sendo lapidada aos poucos, à medida que os costumes nacionais trocam seu avesso tradicional pela modernidade.

A oportunidade de reavaliar o mensalão, sob seus múltiplos aspectos, não pode ser desperdiçada, e, se não tiver efeito exemplar, o saldo da política brasileira vai apenas trocar a beira do abismo retórico pelo risco de disparar ladeira abaixo, e que não seria a última instância. A ordem inversa favoreceria o entendimento democrático da frase portadora de uma sombra juridicamente óbvia, mas sem familiaridade com a cidadania. Nada impede a discussão popular sobre o julgamento do mensalão, que merecia atender por um nome mais explícito do que o aumentativo sem conteúdo. Do ponto de vista da cidadania e da democracia, devia-se acreditar que decisões do Supremo estão acima de recursos, mas podem e devem ser discutidas pelo proveito de que, nas divergências de opinião, pouco se perde na hora, e alguma vantagem se resgata com o tempo. Além de que se dissiparia o efeito residual de sotaque autoritário, que soa mal aos ouvidos como sentença definitiva: o Supremo falou, está falado.

Mutatis mutandis, a verdade é que, fora do domínio jurídico, a oportunidade de comentar decisões do Supremo, como está ocorrendo com suficiente teor de amadorismo, ganharia sotaque brasileiro se, depois do essencial, uma adversativa ressalvasse que os cidadãos podem e devem discutir à vontade decisões dos ministros, com inegável proveito para a credibilidade da democracia, que já não é a “plantinha tenra” a que se referia Octavio Mangabeira na passagem da ditadura anterior à legalidade democrática em 1945.

Desenha-se imperdível a oportunidade de esterilizar na vida pública os hábitos que levaram a democracia a ser via de enriquecimento pessoal, mediante desempenho do mandato representativo ou exercício de responsabilidades públicas. O efeito geral pode dissuadir em tempo os que tomaram esse caminho como se fosse um ato de distração cometido pelos que pedem aos cidadãos um voto para servir — passam ao verbo pronominal e se servem com falta de cerimônia digna de algo mais do que figurar em lista de aproveitadores, como se fosse exercício de cidadania.

É insuficiente o destaque em que o ex-presidente Lula, sem se dar conta das palavras e movido pela incapacidade de ficar calado, nem esperou o espetáculo terminar para depor contra ele próprio: no seu entender, não houve mensalão, e omitiu o resto com que está engasgado desde que deixou o poder. Se, por princípio, a História não se repete, Lula, por falta de princípios, não faz outra coisa senão chover no molhado.

O que tem faltado, da parte dele, Luiz Inácio Lula da Silva, é a coragem de assumir a responsabilidade política que o episódio do mensalão lhe reservou, e ele delegou ao chefe de seu Gabinete Civil na hora do aperto, mas à maneira de Pilatos. Se não houve o mensalão, por que não aplicou sua certeza na manutenção (ou na volta) de José Dirceu?

A ordem dos fatores altera o produto. Se fosse dito que “decisão do Supremo cumpre-se, mas se discute”, as cabeças não cederiam à timidez. Onde ficaria o centro de gravidade da sentença, num país em que a liberdade de divergir não fosse suspeita? No centro, acrescentaria o conselheiro Acácio, como avalista do óbvio. Que se cumprissem decisões do Supremo, mas fosse admitida como natural a liberdade de discuti-las, nos efeitos e consequências a que ficariam expostas. O resto viria por gravidade.



NE: A ilustração - Têmis - não é do original.

No hay comentarios.:

Publicar un comentario