sábado, 29 de septiembre de 2012

O pio do macuco

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Plínio Marcos  de Barros (Santos, SP, 29/9/1935 - São Paulo, SP, 19/11/1999). Clicando no seu nome cai no sítio com a vida e obra do espetacular brasileiro. Funileiro, camelô, palhaço de circo, ator, diretor, escritor, humorista, jornalista e dramaturgo.

O pio do macuco


Tu, que sempre pega a pior, tu, que só come da banda podre, tu, que mora nas barrancas do rio e quase se afoga toda vez que chove, sabe melhor do que eu que, com a vida custando os olhos da cara do jeito que está, a negada faz qualquer negócio pra defender o feijão de cada dia. Se agarram em fio desencapado, matam cachorro a grito, jacaré a beliscão, catam lata e os cambaus. Por isso, não causa espanto dizer que o Onorino vivia de matar macuco. Profissãozinha escamosa, uma vez que, nos esquinapos dessa vida, a fauna, a flora e a pesca da pátria amada estão sendo esculachadas e findando por causa de gente que, a fim de lucro ou de diversão, vão botando pra quebrar sem medir as conseqüências. E o resultado da presepada do Onorino está aí mesmo pra não me deixar mentir. Mas deixa isso de lado. O que pesa na balança é que o Onorino era caçador de macuco e todo santo dia se metia nas matas de Mangaratiba, pra ajudar a acabar com a espécie dessa ave e pra garantir a continuação da sua, que era, na sua consideração, sua mulher e quatro filhos.

Enquanto o Onorino matava macuco pra viver, Antoniel da Cruz e Adolfo de Castro eram esportistas. Gente bem plantada dentro da sociedade, mas nem tanto que desse pra caçar leão na África. E como não tendo tu vai tu mesmo, os dois iam, toda vez que podiam, pras matas de Mangaratiba, outrora paraíso dos macucos, inhaúmas, jacus, jaguatiricas e outros bichos, mas que hoje (a bem da verdade é preciso que se diga) se espiantaram daquele pedaço ou foram pro beleléu por conta dos caçadores de fim de semana. Mas o Antoniel e o Adolfo não queriam nem saber se havia ou não caça nas matas de Mangaratiba. Se enfeitaram de caçadores e meteram as fuças todo embandeirados.

Levavam na mochila tudo quanto era badulaque. Facão de mato, espingarda de grosso calibre própria pra derrubar elefante, repelente contra inseto, cerveja em lata e um apito de chamar macuco. A única coisa que os dois tinham a lamentar, quando, às primeiras horas da matina, entraram mata adentro, era o cano que o Nego Leléu deu neles. O Leléu, que não era otário, prometeu que ia, mas logo se mancou que seu papel na fita seria o mesmo que crioulo em filme de Tarzã e por isso não compareceu. Aqui, ói, que o Nego Leléu ia querer passar o dia carregando o saco dos caçadores, pra no fim ser isca de onça. Não foi. E fez muito bem. Mas nem por isso os otários se acanharam. Se enfurnaram na mata serrada e foram logo assoprando o assobio de fêmea de macuco pra atrair macuco macho.

Parece até que combinaram horário com o Onorino. Ele entrou no mato no mesmo instante que os dois caçadores de araque. Só que pelo outro lado. E foi o Onorino entrar, pra começar a piar como fêmea de macuco pra atrair macuco macho. E nessa, o Onorino foi avançando na selva de Mangaratiba, enquanto, do outro lado, o Antoniel e o Adolfo também avançavam.

Já disse aqui, e repito: do jeito que andam matando bicho no Brasil, daqui a pouco só vai ter caça na Praça da República, depois das dez. Nas matas de Mangaratiba, já anda difícil às pamparras. E a prova disso é que, com pio de fêmea de macuco e tudo, os caçadores bateram perna pra chuchu e não apareceu nada. Nem do lado do Onorino, nem do lado do Antoniel e do Adolfo. Mas nenhum deles afinou. Os três foram levando. E chegaram na serra do Rubião. Não recuaram. Sempre piando, subiram a serra. O Onorino, de um lado, movido pela necessidade, e o Antoniel e o Adolfo, do outro, movidos pela vaidade. Ninguém queria sair de mãos vazias. Se o caçador profissional chegasse no seu mocó sem, pelo menos, ter matado um macuquinho filhote, sua filharada ia espernear de fome. Se os dois caçadores esportistas chegassem em casa sem, pelo menos, um macuquinho filhote, iam ter que agüentar gozação de muita gente. E. nesse embalo, os três iam subindo a serra do Rubião nas matas da Mangaratiba. Gente de fibra estava ali. Subiam, assopravam o pio de fêmea de macuco pra chamar macuco macho e não perdiam o fôlego.

E nessa toada, chegaram quase no pico. O Onorino, de um lado, e o Antoniel e o Adolfo, do outro. Estavam quase próximos, quando o Onorino escutou o piado do apito dos dois caçadores. Saudou Seu Ogum, santo guerreiro da floresta, e caprichou no assobio de fêmea de macuco.

Do outro lado, o Adolfo escutou e alertou o parceiro. Os dois firmaram o pensamento, ligaram as antenas e ouviram o piado de fêmea de macuco que o Onorino soltava. Retumbaram de alegria. O Adolfo, que estava todo prosa por ter sido o primeiro a escutar o pio da ave, botou banca e escarrou regra:

— Tá perto. Vai com cuidado pra não fazer barulho, que esse macuco deve ser dos grandes.

E os dois, com todo o cuidado, se deitaram no chão e foram rastejando pelo mato, rumo ao lugar onde o Onorino assobiava como fêmea de macuco chamando o macuco macho. De vez em quando, um dos dois dava um assopro no apito de fêmea de macuco, esperavam o Onorino responder e avançavam.

O Onorino, caçador com mais experiência, de saída estranhou que a resposta ao seu pio de fêmea de macuco chamando macuco macho fosse outro pio de fêmea. Mas, como tinha sempre idéias de jerico, falou consigo mesmo:

— Tamos roubado. Até no meio dos bichos tá faltando macho. Vê se pode: macuco fêmea responder chamado de macuco fêmea. Mas, já que tá aí, deixa chegar.

Armou a espingarda de chumbo grosso e foi piando e armando a mira na direção em que imaginava que a caça ia aparecer. E não estava enganado. Se arrastando como cobra, o Antoniel e o Adolfo foram se chegando. E aí, não prestou. O ouvido apurado do Onorino escutou o barulho de galho quebrando e mato sendo espalhado pelos corpos dos outros dois caçadores. Assombrado com o esparramo que o Antoniel e o Adolfo faziam, apesar do cuidado, o Onorino imaginou que era uma jaguatirica que se aproximava. Não fez questão de conferir. Deu no gatilho e mandou bala. Acertou em cheio nos dois caçadores. O Adolfo foi falar com Deus direto. O Antoniel, mais feliz, ficou todo chamuscado e teve que ser guindado para um hospital.

E o Onorino vai ter que gastar muita saliva pra rachar essa mumunha, até se conformar que não tem mais macuco nas matas de Mangaratiba. O homem acabou com as aves. E, pelo jeito, pra se divertirem, vão se acabar entre si.

1 comentario:

  1. Parabéns conto muito bem elaborado e escrito. Vê se publica, vale a pena. Parabéns

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