Por Mauro Santayana, no JB Online
Mais uma vez, nestas últimas décadas, as duas Colômbias se encontram, para a busca da paz. O país andino e amazônico carrega dura e emocionante história, no confronto secular entre os brancos, ricos e de alma europeia, e seu povo, quase todo mestiço, de face acobreada, seja pela origem amazônica ou pelas alturas frias da grande cordilheira. Até hoje, tantos séculos de história, não foi possível fundir em um só caráter as duas etnias principais, a dos autóctones e a de origem europeia. Elas, ao longo da formação do país, tornaram-se classes sociais. A maioria absoluta é constituída dos pobres mestiços. Os mestiços acompanham uma ou outra visão de mundo.
As Farc, queiram ou não os políticos e intelectuais que têm dirigido o país, são a Colômbia predominantemente mestiça e pobre. A outra Colômbia é senhora das terras médias em que se produz o café — de excelente qualidade — e dos outros recursos nacionais. Grande parte dessa elite participa hoje da principal riqueza exportável da Colômbia, a das drogas.
A maconha, que foi a primeira delas, tem hoje participação marginal no comércio ilegal. A cocaína continua sendo o principal produto, tendo superado, segundo as estimativas, a receita da venda ao exterior do café — mas a heroína, refinada do ópio extraído da papoula, começa a crescer em importância econômica.
Em 1946, com a vitória dos conservadores, iniciou-se a caçada aos liberais, acusados de violência contra os conservadores em 1930. As retaliações promovidas pelo governo encontraram a resistência de comitês liberais. Nessa época matava-se, de um lado e do outro, com la corbata (degolava-se parcialmente a vítima, e se puxava a língua para fora, simulando uma gravata) ou com a degola completa, la franela.
A situação atual, com os guerrilheiros dominando parcelas do território nacional, tem a sua raiz no famoso bogotazo de 9 de abril de 1948, quando Jorge Eliécer Gaytan, líder da ala esquerda dos liberais, foi assassinado, durante reunião da OEA em Bogotá, e sob a orientação da CIA, de acordo com algumas fontes.
Os comitês de resistência organizados durante La violencia, transformaram-se, pouco a pouco, nas Farc, que, em sua origem, nada tinham a ver com o marxismo, mas a ele aderiram no decorrer do processo.
Tudo isso — e mais as tentativas frustradas de conversações ao longo do tempo — recomendam o ceticismo nas próximas conversações em Oslo e em Havana. É nítido o interesse do governo da Colômbia e de Timoshenko, o atual comandante das Farc, em encontrar a paz. Mas, conforme o atual procurador geral da Colômbia, Eduardo Montalegre, a mão negra da direita sempre sabotou as anteriores negociações entre o governo e as Farc. Para lhe dar razão, oficiais militares da reserva da Colômbia divulgaram, ontem, uma proclamação de dez pontos, fazendo exigências que os guerrilheiros não podem aceitar.
A paz é difícil porque contraria grandes interesses nacionais e internacionais. A vitória militar sobre as Farc, ou delas sobre o governo, é praticamente impossível, conforme o resultado dos combates dos últimos 50 anos. Enquanto houver guerrilha, Washington continuará impondo sua vontade sobre Bogotá, os grandes traficantes continuarão dominando a economia e, de forma dissimulada, a política colombiana. Isso torna ainda mais difícil o pacto para a paz. Os que morrem, seja nas fileiras do Exército, seja nas forças revolucionárias, são apenas os pobres.
Como reconhece o presidente Santos, só a paz pode acabar com a guerra. E a paz, quando a vitória militar é improvável, só se consegue em negociações. A vitória militar de uma facção sobre a outra, se viesse a ocorrer, seria apenas uma trégua. Só o entendimento, com concessões de parte a parte, poderá levar a Colômbia a sair do alçapão histórico em que se encontra e se transformar em verdadeiro estado democrático, no qual os partidos possam alternar-se no poder, sem perseguições e retaliações.
A paz na Colômbia, que a libertará da tutela do Pentágono, é absolutamente necessária à unidade e à defesa comum da América do Sul.
No hay comentarios.:
Publicar un comentario