domingo, 22 de enero de 2012

Martinho da Vila, para Leonel Brizola

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Pela manhã fomos torrar no sol, andando pela orla do Leme ao Leblon, exceto Juanito Diaz Matabanquero, que disse que isso é coisa de doido e ficou tomando cerveja no quiosque do Antônio. Claro, fomos devagar, com muitas paradas para molhar o bico. Na volta, topamos com Juanito e 24 cascos de cerveja sobre a mesa, ele absorto nas folhas do jornal O Dia.

E nas páginas de O Dia encontramos o espetacular artista e cidadão Martinho da Vila, glória nacional, com o mesmo recuerdo que teve João da Noite lá em cima. Fomos às lágrimas. A falta que faz o seu Brizola... com a sua partida, os torpes ganharam espaço no seu partido, ao ponto de declararem amor aos cargos, ora, vejam só, eu te amo?

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Para Leonel Brizola

Por Martinho da Vila



Rio - Desde menino, sou encantado pelo Rio Grande. Quando se fala assim, entende-se que trata-se do Estado do Sul, imenso, muito maior que o do Norte, que é pequeno. Eu estudava na Escola pública Rio Grande do Sul, um estabelecimento de ensino padrão do bairro Engenho de Dentro, e o encantamento começou em um livro que ganhei, entre outros prêmios, por ter vencido um concurso de redação. Casei-me com uma gaúcha e tenho o honroso título de Cidadão de São Borja.

Já fui tema de desfile da E. S. Imperatriz de Porto Alegre e depois do próximo Carnaval, a Cova da Onça, escola de Uruguaiana, vai me homenagear duas vezes. Falei “depois do Carnaval” porque, em Uruguaiana, o reinado de Momo tem um calendário diferente e neste ano será nos dia 9, 10 e 11 de março. O samba-hino foi feito pelo Tunico Ferreira, meu filho, sem eu dar nenhum toque. A Vila já cantou o Rio Grande do Sul no enredo Glórias Gaúchas e eu fiz o samba. “Desfila a Vila novamente incrementada/ E desta vez tem Rio Grande na jogada/ Com suas glórias e tradições/ Suas histórias e seus brazões/ Tem gaúcho lá dos pampas que não é de brincadeira/ Estadista de renome já nos deu esse torrão/ Foi rainha da beleza a farroupilha hospitaleira/ É a terra da videira do churrasco e chimarrão/ Vamos cantar gentes do meridião/ Caminhando pela estrada sem espora e sem gibão/ Toma conta do rebanho Negrinho do pastoreio/ Sonha e canta o teu sonho, na viola, o violeiro/ E o gaúcho forasteiro/ Contemplando um céu azul/ Até o norte brasileiro vai cantando uma canção do sul/ Vou-me embora, vou-me embora, prenda minha/Tenho muito o que fazer/ Vou partir pra bem longe, prenda minha/ Pro campo do bem-querer”.

Foi um samba difícil de fazer, porque eu estava sem motivação para criar uma composição ufanista, num período em que a censura estava terrível. A inspiração veio em Manaus. Eu estava jantando e entrou um grupo de gaúchos cantando uma rancheira e, no meio deles, um alegre jovem piuchado. Pra quem não sabe, como o Aurélio, estar piuchado quer dizer ‘ vestido à gaucha’ (NE). De imediato veio à minha mente o último verso “O gaúcho forasteiro, contemplando o céu azul, até o Norte Brasileiro, vai cantarolando uma canção do Sul”. Na mesma noite fiz a cabeça do samba. Foi nota dez e a Vila ficou em quinto lugar, mas fez um dos maiores desfiles da sua história. Leonel Brizola, ao ouvir o samba, lacrimejou. Dedico a ele, grande brasileiro, gaúcho “de quatro costados” nascido em Carazinho. Apaixonado pelo Rio, criou a Passarela Professor Darcy Ribeiro, o Sambódromo, inaugurado no Carnaval de 1984 e, se estivesse vivo, festejaria hoje 90 anos de brasilidade.



NE: É "pilchado", ilustre sambista, mas não me atrevi a atravessar no seu texto, corrigindo, a sonoridade é de fato enganosa. Valeu, sabe muito  de nosotros, ilustres desconhecidos que somos Brasil afora. Ler um texto desses, de um carioca da gema, não tem preço.
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2 comentarios:

  1. Não lí o jornal"O Dia" em 22/01/2012 " fiquei feliz ao ler aqui" essa homenagem de Martinho para Brizola ...

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  2. Excelente Martinho, você é o vate do povo, com suas glórias e também com desprezo pelas nossas elites; a força de seu canto está nas ruas, avenidas , esquinas e cantos deste país que ainda não se desvelou para o bem comum!
    Osvaldo L. C. Necchy

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