jueves, 23 de mayo de 2013

Um dia como nunca outro igual

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Às dez da manhã Bruno Contralouco sorve o seu primeiro gole de dyabla verde. Quieto, pensativo. Um silêncio preocupante, está assim desde que chegou, no começo a tigrada ficou de pulga na orelha, mas logo o ignoraram, passando cada um a cuidar dos seus afazeres, suas conversas, estava na cara que hoje o Contra não iria matar nenhum pastor, salvo se o provocassem por passar no Beco do Oitavo, essa rua para eles é proibida, os boêmios proibiram, uma ditadura, fazer o quê. 

Olhando bem perceberam as feições amenas, por vezes seus olhos se iluminavam com algo pensado, pensar ou recordar é viver, todos sabem, só não arriscaram perguntar a razão da paz de espírito do irmão de vida. 

Subitamente, ele fala devagar:

- Vocês sabem que dia é hoje?

Silêncio. 

Clóvis Baixo tira a cara de trás do jornal e arrisca:

- 23 de maio, ora...

Jussara do Moscão dá sua contribuição:

- Nome de rua...

- Sim, estão certos, mas não, meus amigos, reflitam. Dou outra pista: 23 de maio de 2013 (disse 2013 separando as sílabas).

Luciano Peregrino acelera as buscas nas manchetes de jornais pelo notibuc, pensando putz, algo sério deve ter ocorrido e só o Contra é quem sabe, em casa nunca desliga o rádio da rádio Universidade. 

Luciano encontra políticos roubando, polícia matando pobre para proteger banqueiros que elegem os políticos, a puta do show-"realidade" chupando um filho de empreiteiro da política, banqueiros rindo com lucro de um bilhão por mês, o Lula mentindo, um filhinho de um desses incendiou um morador de rua para se divertir, os nazistas inconsoláveis pela perda de poder... Nada de novo, só noticiam o excremento da humanidade. Tudo na mesma. E agora?

Silêncio.

Passados quinze minutos, o Bruno Contralouco ainda pensativo, rosto molinho, olhando para a parede como se visse o infinito para além de um mar azul, doutora Jezebel não se aguenta:

- Tá bom, ninguém sabe, diz logo.

O Contra com dificuldade sai do seu gostoso torpor e responde, calmamente:

- Ora, é 23 de maio de 2013. Quando teremos um dia igual? Nunca mais, meus amados. O próximo só em 2014, e não será igual, isso se lá adiante estivermos vivos para a comparação. Então deixem de frescura, larguem desses refris e peçam uma bebida de adulto, hoje preciso de afetos que brindem comigo, à minha sorte e ao meu reencontro com Dolores Sierra. Eu penso nela, desta vez será diferente.

Jussara ainda perguntou como e o Contra falou que iria empedrar da porta para fora, amigo não existe, e da porta para dentro do quarto ela iria ver, vai se soltar... Jussara o interrompeu dizendo que precisava ir ao banheiro, no caminho o ouviu: moscona. O Gustavo Moscão ria.

Tal foi o jeito do Bruno, o modo sofrido de dizer, a ternura da sua voz, que todos pediram um trago ao Terguino. No primeiro momento alguns pensaram em mandá-lo para aquele lugar, ora, todo dia é assim, seja dia 7, 12, 23 ou 26, porém a elevação dos sentimentos, o fugidio pensamento de que amanhã poderemos ter morrido, mais a alusão a Dolores Sierra - esta foi fatal - lhes deu a compreensão de parte do que se passava no coração do amigo.

Cícero do Pinho, o menino bonitão e talentoso em cordas, amado pelos boêmios, que tomava uma água sozinho na mesa 1, teve um sobressalto, logo se virou para o outro lado para secar os olhos sem que alguém visse, o que não escapou aos olhos da Zilá do nego Janjão. Ela saiu da mesa 2 e lhe passou as mãos nos cabelos, sussurrou:

- Não se preocupe, tá tudo bem, ninguém viu.

Ele se recompôs, firmão, e disse, já se voltando para o Contralouco lá da 5:

- Obrigado, dona Zilá, mas quero dizer que hoje aprendi uma coisa. Eu amo a Maria Lúcia, a filha daquele velho chato ali da Olaria. E não vou esperar amanhã para dizer isso a ela. Vou começar parando na frente do velho seu Gildo, o senhor me desculpe por aquela vez, eu era muito piazinho, a maconha não era minha, eu sou bom, não vou decepcioná-lo nunca mais. Se eu tiver que sofrer, vou sofrer agora, o amanhã é hoje.

E saiu dizendo lhe pago a água na volta, seu Terguino.

Logo estavam brindando, tintim, à saúde e ao amor do Bruno. 

Aristarco, o boêmio da síndrome circular, tudo gira ao seu redor, sentiu as cadeiras, mesas, as pessoas, tudo, voando em torno de si, logo o prédio, o quarteirão, se embaralhou, ele que nas vagas dos dias que lhe cruzaram o cérebro havia pensado num pesado número 7 de espadas, mentalmente trocou o naipe, para copas. E ergueu a sua taça, pegando-a no vôo.

*




Nota do Editor: O contador de estórias, por incompetente e por contá-las correndo, sempre apressado, não capta o melhor dos pensamentos dos 16 viventes presentes no bar naquele momento único, se as capta não diz, mas lembra de dizer que naquele bar menores de 30 e maiores de 60 não bebem, os boêmios não permitem, salvo em festividades. Uma ditadura, fazer o quê. Falar nisso, tem festa no dia 1º de junho, daquelas de durar dois dias, os de 21 a 30 poderão se emborrachar, de leve.

Post Scriptum: O falacioso e incompetente escriba também não disse que em certo momento Luciano falou: "Gente, me vejo caminhando de mãos dadas com Dolores Sierra na praia Aqui, me lembrei de Masachapa, é de manhã, a gente de branco, caminando na areia. Sei lá, daqui a pouco vocês vão dizer que me abichornei, droga, me deu vontade de chorar". 

Consta que nesse exato momento houve uma comoção no planeta, começando pelo sul da Ásia, invadindo rios e rios a partir do Ganges, a seguir tomando a África inteira: todos os crocodilos despertaram, olhos acesos, o amarelo da pupila avermelhou, e começaram a se movimentar. Quem salvou o mundo foi Juanito Diaz Matabanquero, fino como só, que ao chegar no botequim ouviu e disse em portunhol: "No llore, hermano Luciano, por favor, tus lágrimas podrán repercutir...". Ufa.






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