domingo, 1 de abril de 2012

Democratinos

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Em certa madrugada de 1º de abril muitos homens e raras mulheres se fizeram presentes no Salão Nobre da sede dos larapistas (também conhecido como Salão Oblíquo ou simplesmente Vão da Escada). O ambiente completamente às escuras. Grave silêncio no ar.

O gélido presidente em seu lugar lá na frente, em patamar superior, com quatro poltronas de cada lado da sua, ocupadas pelos frios conselheiros. Atrás, na parede do salão, a foto do sábio da antiguidade L. A. R. Appio, fonte de inspiração dos larapistas. Sendo o cochicho o meio de comunicação da seita, nessa noite estranhamente ninguém cochichava, tal a expectativa da platéia.

Os larapistas entre si já não se chamavam de larapistas, haviam mudado, trocado de nome muitas vezes, até chegarem ao atual, representando o oposto de si mesmos. Agora eram democratinos. Muito haviam rido desta ridícula denominação, zombando da falha - mais correto um "e" em vez do "a", mas concordaram com o seu igual, o presidente da Agência de Publicidade: a novidade faria com que o povo da escuridão esquecesse o passado e não percebesse o presente, jamais vislumbrando uma réstia de futuro. Os poucos que os chamavam de malignos que continuassem, ninguém os ouviria sob o borbardeio de propaganda.

O terrível motivo para o encontro: para manter o poder das aparências, haveriam de sacrificar, em assembleia posterior, um dos seus membros mais respeitáveis, surpreendido nu em uma das cachoeiras de lama dourada onde os larapistas se banhavam de fraque. O crime dos crimes: deixou-se surpreender. O autoflagelo era necessário. A jornada na calada da noite se destinava a sortear, entre os nomes mais influentes, quem seria, publicamente, o autor da proposição.

O representante do clã dos ventre-verdes foi o primeiro a cochichar. Depois o do sul, logo o do sudeste; do norte, o escravagista. Por último, olhos de gato brilhando no escuro, o cabra da peste e da seca, um membro cedido aos sociodemolarapistas, uma variante estratégica, convidado especial. Três horas de cochichos, cinco minutos para cada cochichante. O arcebispo mumial, gesticulando, fez uma derradeira benzedura.

A seguir, aos cochichos, sortearam o propositor do sacrifício, pelo método franciscano.

O larapista que seria jogado às feras manteve-se imóvel e silente do início ao fim da assembleia. Só realizou um quase imperceptível movimento de reverência e emitiu um breve cochicho, quase um sopro, agradecendo, quando o presidente cochichou que lhe seria garantida imensa fortuna, além de proteção para que nunca fosse encarcerado pelos habitantes do escuro.

Todos saíram mudos após a escolha daquele que seria o indignado acusador público.

Por trás da máscara de indiferença cada um estava saudoso, ah, os bons tempos. Logo ao amanhecer iriam comemorar um golpe rentável, sangrento depois, o inesquecível episódio que haviam provocado 48 anos antes.

Entraram em seus automóveis importados e deram urgente destino ao chofer. A ambição trabalha.

Momentos após a saída de todos, um escravo acende a luz.

Pelas cidades o povo da escuridão dorme, luz acesa, uns poucos ainda com a caixa de lavagem ligada em pregações financeiras.

Alguns loucos miram a noite com os olhos manchados, ansiando por vingança.

Deus está nem aí.



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