Do poeta Geir Campos (São José do Calçado, ES, 28/2/1924 - Niterói, RJ, 8/5/1999).
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Não é de hoje que se matam homens
Em nome da justiça, Caryl Chessman,
Das idiossincrasias dos verdugos:
houve tempo em que a morte era torneio
em circo de gladiadores
ou diversão na arena com leões,
e houve a morte na cruz, o empalamento,
a fogueira das Santa Inquisição,
a forca, o pelourinho, a guilhotina,
o muro emparelhando carabinas,
tiro simples na nuca, morte múltipla
em câmaras de gás, morte singela
numa cadeira elétrica
- requintes
da guerra contra a vida em plena paz...
isso sem cogitar da morte escusa,
doméstica, abafada, sem jornais
- do nadador trancado a pernoitar
no calabouço onde pernoita o mar,
do preso que se atira do sobrado
ao pétreo pátio adrede preparado...
São mortes
espetaculares umas,
veladas outras, planejadas todas;
e quanto mais se diz civilizada
a sociedade (com seus promotores
e os advogados e os legisladores
e os hermeneutas e as egrégias cortes
e as togas e as polícias e os carrascos)
tanto menos há de ostentar a morte
seu frio gume e sua boca de asco.
E assim foi, Caryl Chessman,
teu fim cercado de delicadezas,
com jantar à la carte e sobremesa,
palitos, guaradanapos, cafezinho,
tudo a amansar o morredor sozinho
em sua última noite social.
Manhã: tapete, padres, guardiães
solícitos, repórteres, visitas,
gente de longe a espiar pelos vidros
à prova de bala para te ver
encerrando tão brava resistência
nesse octógno verde onde se apura
o deus civil contra a própria criatura.
E que diplomacias, que cuidados
em te fazer partir de braços dados
com uma poltrona - vazia de sexo
como a sentença era falta de nexo.
Depois os
limpos
grãos de cianureto
desenrolando em ácido os vapores
letais:
nem disfarçaste os estertores
da carne tesa após 12 anos de incerteza.
O fim
rápido, o forno crematório,
papel timbrado em seco relatório,
cinzas para a cidade onde nasceste,
desofícios de um credo que não leste...
E em
todo o mundo
houve quem protestasse,
chorasse,
discutisse,
apedrejasse,
consulados em turbas exaltadas:
quantas dessas pessoas, entre tantas,
que a voz hoje levantam a apoiar-te,
cumpririam a sério a sua parte
na luta contra os erros consagrados
que te plasmaram entre os condenados
a essa e mais outras formas de vingança
de uma
que se diz
civilização
incapaz de salvar uma criança?
NE: Caryl Chesmann foi executado numa câmara de gás em 2 de maio de 1960, na Califórnia (USA) sob uma torrente de dúvidas sobre a sua culpabilidade.
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