sábado, 21 de abril de 2012

A solas con su corazón

.
À uma da matina, quando caía o movimento no Beco do Oitavo, depois de uma noite festiva, Carlito Dulcemano Yanés apareceu no botequim, sentando-se sozinho numa mesa da calçada. Colocou o chapéu na mesa.  

Os boêmios acorreram todos, com afagos e tapinhas nas costas. Muitos olhos miraram para o início e o fim da rua, perscrutando vultos na noite, mas Carlito com um gesto banal os tranquilizou: os mercenários de Mr. F. Febraban não andavam por ali, e por via das dúvidas havia deixado alguns homens em cada extremo. A explicação que ninguém queria, mas pediram, e sentiram o tom severo dos olhos em fúria, por um instante, fugaz, como quem diz a contragosto: ora se eu iria dar mancada com vocês, não trago problemas, sou solução. Ficou no ar um vocês são assim, eu não. Gelou tudo, sem Carlito dizer um ai.

Carlito com as feições sérias, pálido, João disse que nunca o viu assim, injusto com os camaradas, mas João o conhece pouco, conhecia somente ao rapaz alegre de 33 anos brincando com os cães no pátio da palafita, rolando na chuva.

Com outro gesto pediu um uísque e iniciou o movimento para tirar o paletó, que não concluiu, lembrando-se de que o coldre e as armas das axilas ficariam à mostra. Havia estranhos no bar, até mulheres e crianças, deus nos livre.

Ju Betsabé, que há muito tempo também não aparecia no bar, havia saído a cerca de uma hora, toda sorridente, escoltada por um sujeito falastrão e grudento, ela não sabe, ou sabe?, das drogas. João da Noite intimamente agradeceu aos céus por Carlito não ter chegado antes, pressentindo que tinha algo de errado com a sua presença, não podia ser coincidência, é um cara muito especial, enxerga muito longe, e com um defeito grave: é humano.

Depois de três uísques sem nenhuma palavra, com João da Noite a sua frente, por fim perguntou, com aparente indiferença, os olhos agudos trespassando os olhos do amigo: "Viste Betsabé, Juanito?". A madrugada desabou sobre a cabeça de João.

"Eu não sabia o que fazer, não sei o que me deu, mas respondi que não, não tinha visto. Eu menti para Carlito, como pude meu Deus, eu menti!".

Carlito pagou a conta, com um sinal de cabeça despediu-se dos boêmios remanescentes, olhou novamente para João, agora com os olhos castanhos mais gelados ainda, e saiu, foi sumindo na noite escura, sem ter pronunciado uma palavra além da pergunta. Quando seu chapéu mal se via, na bruma da esquina da Rua da Olaria, agora sim os vultos, homens vindos do nada encontrá-lo, foi que João da Noite trêmulo pegou o telefone e começou a contar esta história.

Amanheceu chovendo em Porto Alegre. Dia cinzento, clima de abandono. Triste feriado nacional.

.

.


No hay comentarios.:

Publicar un comentario