Cara 211. Baratinado, não sei o que me move para apresentar a você o meu bloco nesta madrugada de carnaval, talvez o desejo que o tempo passe mais rápido, talvez a ânsia de amenizar os meus ferimentos, eu...
Logo os raios solares estarão anunciando o silêncio dos tambores. Anseio pelo silêncio. Agora é a marcação da bateria, a zoeira, tim-bum-bum-bum-bum, alalao-ô, a evolução dos lenitivos, a fuga circense e etílica, tudo me deixa mais e mais desesperadamente excitado e deprimido. Será que são felizes mesmo?
Seja o que for, azar, lá vou eu desconcertado em 364, com Mozart nas alturas tentando evitar que o som da rua escarneça de mim.
Sei que esta mania de escrever gritos é temerária, de repente a gente tem um ímpeto e está feito, por teimosia ou por um momento de depressão. Bêbado e espiritado, então, é um perigo, o sujeito desaba ou sente-se um iluminado. Mas agora que a viola e o violino chegaram ao fim, quando vai entrar solene, depois tímida, linda, a outra Sinfonia Concertante, a 297 de flauta, oboé, trompa e fagote, encho um enorme copo de uísque, puro, acabou a angustura, minhas veias pulsam mais forte pela impaciência do meu sangue, reúno o que resta da minha coragem, e escrevo.
Embora eu não tenha relações aqui no prédio, nem em lugar algum, sei que você também vive só. Há alguns anos eu a vejo voltar da noite, esporadicamente, com diferentes companhias. Certa vez solitária, às cinco da manhã, vestida de..., não importa.
Quero dizer que ao lembrá-la assim liberada deixo de me sentir sepultado, e isso agravou-se. Explico: ontem entrei no edifício e olhei para cima, vendo-a subir a escadaria dentro daquela saia verde-piscina curtinha, recordei uma marcha-rancho antiga – Máscara Negra – do tempo em que carnaval tinha poesia, e fiquei com vontade de raptá-la, trazendo-a para dentro do meu covil. Raciocinei, ou o uísque raciocinou, que em poucos minutos o pânico passaria, que poderíamos ter alguns instantes de prazer.
Insensatez? Nem tanto, saiba que você é a única pessoa que jamais reclamou das óperas tarde da noite.
É irresistível, tenho que dizer, ainda que pareça um pedido de socorro: eu preciso fazer amor com você, amor febril, repetido, angustiado, sem convenções, amoral. Tente entender, o convite é macio, delicado, juro. Gostaria também de dar e receber afagos nos cabelos, no rosto, e chorar, e, por que não, rir, afinal este mundo não é um grande carnaval? Se você achar que é maluquice não está só, todos os seres que conheci disseram-me louco. Depois de passar o que já passei, não concordo que me chamem de louco, não é justo. Muito louco, sim, pode ser.
Embora eu não tenha relações aqui no prédio, nem em lugar algum, sei que você também vive só. Há alguns anos eu a vejo voltar da noite, esporadicamente, com diferentes companhias. Certa vez solitária, às cinco da manhã, vestida de..., não importa.
Quero dizer que ao lembrá-la assim liberada deixo de me sentir sepultado, e isso agravou-se. Explico: ontem entrei no edifício e olhei para cima, vendo-a subir a escadaria dentro daquela saia verde-piscina curtinha, recordei uma marcha-rancho antiga – Máscara Negra – do tempo em que carnaval tinha poesia, e fiquei com vontade de raptá-la, trazendo-a para dentro do meu covil. Raciocinei, ou o uísque raciocinou, que em poucos minutos o pânico passaria, que poderíamos ter alguns instantes de prazer.
Insensatez? Nem tanto, saiba que você é a única pessoa que jamais reclamou das óperas tarde da noite.
É irresistível, tenho que dizer, ainda que pareça um pedido de socorro: eu preciso fazer amor com você, amor febril, repetido, angustiado, sem convenções, amoral. Tente entender, o convite é macio, delicado, juro. Gostaria também de dar e receber afagos nos cabelos, no rosto, e chorar, e, por que não, rir, afinal este mundo não é um grande carnaval? Se você achar que é maluquice não está só, todos os seres que conheci disseram-me louco. Depois de passar o que já passei, não concordo que me chamem de louco, não é justo. Muito louco, sim, pode ser.
Engraçado, eu que sempre me julguei um tigre enjaulado, um lobo feroz, no frenesi deste domingo percebi que continuo aquele menino que, quando as dores do mundo quiseram enredá-lo, isolou-se balbuciando um pueril: “E eu não brinco mais”.
Suicídio? Não, ainda anseio por um pouco de paz, em vida.
Suicídio? Não, ainda anseio por um pouco de paz, em vida.
Sabe, 211, neste negócio de fugir, trancar-se em um apartamento e nunca mais falar com ninguém, a gente aprende muito. Aprende-se como é estar sobre o parapeito do terraço, cristalizado, com o pessoal lá embaixo entoando “pula, pula, pula...”. Aí você olha e se pergunta como foi parar ali, não consegue se jogar nem voltar atrás, fica assim, perplexo. Alucinado, mato-me aos poucos. Quando encontrar esta carta na sua caixa, não só espero que não leves a mal, quem sabe até compreenda e... passe a me cumprimentar.
Eu falava em apresentar o meu bloco. Na verdade não é meu nem sei bem como ele é. Tento expressá-lo. Nestas alturas acabou o uísque, entrei na vodka com martini, três por uma, overdose, para facilitar, das minhas mutilações a pior é a timidez.
Eu falava em apresentar o meu bloco. Na verdade não é meu nem sei bem como ele é. Tento expressá-lo. Nestas alturas acabou o uísque, entrei na vodka com martini, três por uma, overdose, para facilitar, das minhas mutilações a pior é a timidez.
No meu bloco somos muitos, abraçados a combinar a festa, confetes pelo corpo inteiro, arrebatados, sôfregos, multidão de caveiras famintas misturadas a esvoaçantes apetites de amor, todos pulando sorridentes, rodando no salão cada vez mais rápido, cada vez com mais paradas na semana para abastecer o copo, rodando, rodando, frenéticos, loucos...
Exulto, agitam-se faíscas no meu interior, logo você vai chegar, meus dedos percorrem as teclas em alta velocidade.
No meu bloco disparamos à frente, estrangulados por serpentinas azuis, debochados e contentes desfilando o circo de maravilhas e horrores, mirando com malícia a parte perigosa da platéia. Eles nos olham, carros caros, mas afogam. O cordão é feito de covardes que não temem a morte, é feito de choro, medo e sorte, é feito de vida.
Os deslocados, vamos com os rostos picados de brancas e douradas estrelas, voando no vendaval que é o nosso bloco, no pó da existência, desvairados, amados, girassóis que giram depois que o sol se acabou, atraídos pelo brilho ofuscante da Ursa Maior, recebendo gritos de Bravo vindos do universo, homenagens em forma de relâmpagos e sustos.
Aquieta-se Mozart. Desaparecem movimentos e sons, ouço uma ária de Verdi emitida do espaço, magnífica, nossas camisetas listradas se transformam em fraques e vestidos de noite, somos arvoredo saudável, sem cobiça, suco de amor derramando de graça, com graça, riscos ameaçadores e alaranjados de fé na noite estrelada, choros convulsivos em festividades de nascimentos, alegria e sexo em velórios, planetas rodopiando no sonho sonhado, em desprezo aos satélites artificiais.
Pairo no ar, 211, multicolor em transe apaixonado. Ah, maldita cocaína que me possui, que me dilacera, maldita que tanto amo...
211, corra aqui ver, está chovendo pétalas de rosas aqui em casa, abre-se o teto, abrem-se as nuvens, o céu é amarelo, é amarelo.
Estou ficando sonolento, vai amanhecer, não ouço nada, acho que exa exagerei na dose, por favor, estou convidando, eu me chamo Ernane, moro no 1008, digo, 108, supere a repugnância, esqueça que eu não tenhp, digo, tenho a pperna esquerda, venhna, venha, se aparrrecer derrrrubee a porta, me abrace e arranque o meu coraç
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Centro de Porto Alegre, Covil V (Rua Formosa, 196, apartamento 101), 23 de setembro de 1994. Copyright 1995 etc.
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O título já diz quase tudo, se o texto foi escrito em 23 setembro de 1994? fico mais tranquila, o ontem serve de experiência para o amanhã...porque o hoje já passou.
ResponderBorrarÉ um conto antigo, incluído no livro "Pela Noite". Bjs.
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