miércoles, 4 de abril de 2012

Total

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"Total...", dizemos nosotros gaúchos, e paramos ali, e todo o povo deste grande país que é o Rio Grande do Sul entende perfeitamente. Hoje até os abobados da RBS.

A expressão de 400 anos chegou um dia a Porto Alegre, lá por 1970, e sem modificação caiu na alma do povo da capital. Fácil ver um magrinho do bonfa, fumadinho, olhar de soslaio e topar o passeio com um "Total...".

Dizem que remonta a 1.753, época braba aquela, mas não foi, foi antes, nesse ano um descendente calçou o pé na macega, apenas. Vou contar.

Em 1.753 os portugueses queriam tomar conta do sul do mundo, a ferro. Essa estória de "conquista", canhão contra flechas, todos sabemos, se continuo acabamos botando fogo na máfia do santander, junto a do general custer, que fizeram pior; os portugas, afinal, já morreram aqueles, deu no que deu; os daqui são irmãos de alegrias e tristezas, se integraram e não têm culpa.

Bem...

O que não sabemos é que num belo dia, numa festança dos invasores, oito da noite, acordeonas chorando, danças em chão batido, do nada, do escuro, apareceu um moço de bem, de chapéu tapeado que era moda, em cima de um caalo de poca doma que nem o dono. Doma só para o respeito.

Ele guarani reconhecível pela singeleza de alma, pelo desenho da cara, pelo espichado dos olhos, pero meio branquito no resto, à portuga. Era tetraneto de um ucraniano, jogado no meio dos guaranis de antanho. O gaúcho era índio, sangue 5% eslavo. Mas os estrangeiros não sabiam nem queriam saber.

Bem, o tal Chico Fagundes, que era esse o nome do tentiado, na festa dos europeus, à luz dos archotes, logo se viu cercado. Mal tinha olhado para as mulheres deles, por algo. Desceu do caalo sério, nada devo, e deu de cara com aquele monte de portugas com armas na mão.

Não se puxa arma para homem inocente.

Aí, arredou a manta, surgiu a adaga missioneira e gritou, já puxando:

"Total..., já que estamos no inferno, não custa nada dar um abraço no diabo".

E foi para cima deles, ferro brilhando na luz da lua.

Um contra cem.

Cortou cinquenta e caiu ensanguentado.

Silêncio na clareira, não esperavam enfrentar um milagre. Confabularam.

E se vieram cinco, meio que assustados pela loucura do estranho.

Levantou e cortou mais um, já com o braço esquerdo, o dado, caído pelos ferimentos. E mais dois, e mais dois. Cinco.

Indignaram-se aos ver os companheiros mortos. E veio a grande onda de portugueses, os valentes, agora quarenta homens contra um. Alucinados de raiva e medo, espada, tiros socados, não sabiam que pólvora não pega em santo. 

Ao vê-los em desabalada carreira para matá-lo, Chico Fagundes ergueu a adaga aos céus e gritou:

Venham, filhos da puta! Total...

E foi manquejando encontrá-los. 

Foi facada no ombro, nas pernas, refilão grosso na barriga, na testa..., tinham ordens para não matar. Caiu de novo, agora mui malito.

Quando o bicho mais ruim deles, que deve ter sido antepassado do ditador Salazar, se encaminhou para terminar o serviço (não foram somente os espanhóis que nos ensinaram a degola, é milenar, quando nosotros pobres entrávamos, e entramos, com a goela), de repente, sem aviso, as florestas todas que os cercavam rugiram.

Vozes compassadas, no fundo uma esganiçada de uma velha, tambores, em uníssimo, marcação forte. Dois mil índios.

A Lua Cheia, lá de cima, sorriu. As aves cantaram ai enfim, os animais se acalmaram. A noite estremeceu.

Os portugueses medraram. Paralisaram.

Chico se levantava, se arrastando com dificuldade, adaga na direita, manchada de sangue ao luar. Os europeus se afastaram abrindo caminho ao moço vermelho que dançava saindo em direção ao escuro da mata.
Chico estava muito ferido, lhe cortaram uma ponta do coração. Agora ia para casa. O pampa. A casinha em cima do verdão do açude.

Ao sair da última réstia de luz da clareira, meio corpo aqui e outro lá no escuro do mato, se voltou se segurando no ar para não cair, e gritou:

Total...




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