Por Mauro Santayana
“Si tu padre quiere un rey, la baraja tiene cuatro; rey de copas, rey de oros, rey de espadas, rey de bastos”. A velha canção dos republicanos espanhóis volta à atualidade, com o escândalo envolvendo o marido da Duquesa de Palma, a infanta Cristina, filha de Juan Carlos. É certo que o rei não é culpado de ter o genro que tem, e era, até agora, mais conhecido como ex-excelente jogador de handebol.
O rei e a rainha Sofia não têm tido sorte com seus genros. O primeiro deles, Jaime de Marichalar, foi casado com a infanta Elena por 13 anos, dez dos quais perturbados pelas sequelas de um derrame sofrido em 2001. O casal se divorciou no ano passado.
Os espanhóis começam a perguntar-se se a restauração da Coroa, na pessoa do então jovem príncipe Juan Carlos de Borbón, foi uma boa saída para o impasse institucional surgido com a doença e a morte de Franco. Talvez tivesse sido o melhor caminho, a fim de evitar novo confronto entre as duas ideias de Espanha: a da liberdade e da igualdade, e a do obscurantismo medieval; a de Cervantes e seu Dom Quixote, e a da Inquisição de Torquemada. Enfim, era preciso ganhar tempo, mas esse tempo já se cumpriu.
Esperava-se que a monarquia reabilitada em 1975 se comportasse como outras casas reais da Europa, cujos príncipes se alheiam, como chefes de estados em regimes parlamentaristas, dos conflitos políticos e administrativos eventuais. Durante algum tempo, o jovem rei parecia ausente do dia-a-dia da política. Mas, em fevereiro de 1981, com a tentativa de golpe desfechado pelo coronel Tejero, da Guarda Civil, sob o comando do general Milans del Bosch, sua majestade ficou ao lado dos golpistas, das seis e meia da tarde, até uma hora da manhã. Só então, diante da pouca adesão militar à intentona, decidiu falar à nação em defesa dos poderes constituídos. Mas os que conhecem os fatos, não têm dúvida de que o rei sabia da conjura e, discretamente, a apoiava. Não fosse isso, teria cortado o golpe em marcha, sem esperar seis horas para fazê-lo.
O marido de dona Cristina, a infanta mais jovem do rei, Iñaki Undargarin, dirigia um Instituto “sem fins lucrativos”, enfim, uma ONG, e recebia dinheiro público, das Ilhas Baleares e de outras regiões autonômicas da Espanha, a fim de promover o turismo e atividades esportivas. Milhões de euros foram desviados para os bolsos do genro do rei e de seus sócios, segundo a denúncia de um juiz de Palma de Mallorca, que trabalha contra a corrupção, divulgada por El Pais.
O que se teme, na Espanha, é que as investigações avancem e alcancem outros membros da Casa Real. É sabido que o monarca tem ligações íntimas com as grandes empresas financeiras e conglomerados industriais e de serviços na Espanha, entre elas o Banco Santander e a Telefônica. A Telefônica, emprega até agora, em elevadíssimo e altamente remunerado cargo, esse genro do rei envolvido na falcatrua de Palma de Mallorca. Iñaki Undargarin é alto conselheiro para os Assuntos Internacionais da empresa, com escritório em Washington e especial preocupação com seus investimentos na América Latina (leia-se Brasil).
O que tem impedido movimento articulado contra a monarquia na Espanha é o medo da classe média conservadora de que eventual volta à república estimule o velho espírito libertário e igualitário dos trabalhadores, e estes retomem a plataforma revolucionária da Frente Popular, de 1934 a 1936. Enfim, que a esquerda consequente volte a atuar no país.
Mas se os escândalos — que, ao que se supõe, não se restringem ao caso do Instituto Nóos — chegarem diretamente à sua majestade, essa inibição se reduzirá, e é provável que a reivindicação republicana cresça — e apareça. Como os povos já se deram conta, o neoliberalismo não globalizou a prosperidade, mas universalizou o sistema de drenar recursos públicos mediante o chamado terceiro setor, constituído de ONGs e institutos disso e daquilo. Trata-se de uma invenção do Consenso de Washington, a fim de esvaziar os estados nacionais de seu poder, e apodrecê-los, mediante a corrupção.
Por falar nisso, está nas livrarias o livro A privataria tucana, de Amaury Ribeiro Jr., publicado pela Geração Editorial, de São Paulo, sobre o processo das privatizações, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Os fatos denunciados já eram conhecidos, mas o livro reproduz alguns documentos até agora inéditos. Eles são o relato de uma época tão recente e, ao que parece, já esquecida.
(Acrescentamos a imagem)
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