sábado, 10 de diciembre de 2011

Trago a pessoa amada

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Entrando no Rio de Janeiro pela Av. Brasil, vimos hoje, há um momento em que a... uns vinte minutos do Centro se vê a propaganda de pichação pelos muros e elevadas, se estendendo por quilômetros: “BÚZIOS. CARTAS. TRAGO A PESSOA AMADA. Tel. 2462-4881”. Propaganda feita por mãos. Impossível ao passante, pedestre ou motorizado, ignorar o reclamo. Não pichação para sujar, e sim para vender, com algum cuidado. Linda, mostra a cara do povo. Antes, na curva que vai para a Ilha, tinha anúncios de Luana Santano, ou Luano, algo assim, coisa com mais dinheiro, pendurados nas pontes e por todo lugar, aquilo sim era sujeira.

O amor vinha de longe e se ia, o Luano ou Luana ficou para trás. De vinte em vinte metros lá o recado. Vem uma folga e quando se pensa que vai acabar, de novo, por vezes mudando a fonte da letra, as cores, mas o mesmo texto: “BÚZIOS. CARTAS. TRAGO A PESSOA AMADA. Tel. 2462-4881”.

Juanito Diaz Matabanquero ao volante, comento com ele: “Lembra daquela vez, com Carlito?”. Ele solta uma gargalhada, ora não vai lembrar. Juanito hoje enfiado numa camiseta regata do Mengão, na cabeça um chapéu de malandro da Lapa. Se não abrir a boca passa por carioca da gema, pela camisa, pois chapéu por chapéu pouco ou nada mudaria. Dentro de uma camisa do Peñarol é que seria difícil o grandalhão passar despercebido, com seu ar de criador de chivos. Nos idos de 2005 era inverno, e Carlito era ainda mais novinho.

Pois em 2005 de certa feita entrávamos no Rio de Janeiro vindos da mesma Costa Verde, depois de mandarmos uns probleminhas para o inferno, quando demos de cara com um anúncio desses. De troça, à noite, tomando chope num bar da Sá Ferreira enviamos o recado para Carlito Dulcemano Yanés, que andava às turras com Ju Betsabé.

Nunca entendemos como búzios e cartas trazem de volta a pessoa amada, achávamos que eram apenas instrumentos de leitura do passado e do futuro, sem o condão de mudá-los, pela esperteza dos adivinhos, mas esses são temas para os iniciados, essa alma invocadora dos deuses deve possuir outros recursos. Não sabemos se esse poderoso contato com o Desconhecido, desse novo telefone, é feito por homem ou mulher. Naquela vez do Carlito era homem, vamos chamá-lo de Divino.

Também nunca falamos com pessoas que penetram em outros mundos, nem com os Divinos que promovem o retorno do amor, mas temos a leve impressão de que os mortos estão fora do rol, não contam. Com calma e muito conhecimento, deste mundo e do outro, ele vai dizer que é melhor os afetos que se foram permanecerem onde estão, longe destes tristes sofrimentos terrenos. O seu ar grave, compungido, mergulhado lá nos confins do Universo, convencerá a clientela de que do outro lado é melhor não voltar. Se a consulente for mesmo “pessoa feminina”, como disse o outro, e estiver a solas con su corazón, isto é, com tesão, possivelmente o Divino iniciará o volteio lhe chamando, meloso, de “querieida” e dirá “sim, querieida” para tudo, pronto a qualquer sacrifício, e ao ouvir o problema corrige o verbo em seco: "sim, querida, conte comigo!", macho pacas, e poderá dedicar-lhe algum tempo e carinho, sem aumentar o preço da consulta, pleno de compreensão. O ônus quem arcará é a letra a. Consensual, até o cabo. Isto supomos Juanito e eu, bagaceiras e inveterados incréus, mas nunca se sabe.

Já se a pessoa amada meteu uma guampa terrível no suposto beneficiário do pedido, e fugiu com outro ou com outra, levando a grana e o livro sobre a privataria tucana, o negócio será um tantinho complicado. Nesse caso não será uma guampa: desde o olhar espichado pelas costas do corninho, até fugir com a grana, foram 693.841 guampagens consecutivas, segundo o sábio João da Noite. Isso tecnicamente se chama Catástrofe Guampal. Para aquele que inventou de atender o telefone para Carlito, Catástrofe Guampal era nada, nas propagandas implícito estava que tirava de letra. Isso ficamos sabendo depois, uma vez que o caso de Carlito era apenas pedir para que Ju, brava como só, esfriasse logo a cabeça e tomasse um avião de volta, simples, uma zanga passageira que acontecia trimestralmente. Agora está durando mais.

Mas acabamos sabendo que não havia nada que o Divino não alterasse, o curso do destino poderia ser detido, com as rezas certas, palavras desconhecidas, altos segredos de vida e morte. Virava e revirava os fados, tinha a seu serviço amigos do Capeta y de Diós.

O Divino dizia às vítimas da Catástrofe que a doninha voltaria amargurada, toda fodida, literal e figurativamente, contaria que a grana o outro queimou, o livro vendeu sem ler, voltaria só com o disco daquela Luana ou Luano, que achou no lixo, e sussurraria lacrimosa: Perdoe, meu amor, eu tava louca. O cara deveria exclamar: Te perdôo, querida!

Viva o amor!

Na época enviamos o número, num bilhete tirando sarro do Carlos: Viu, Carlito, taí o telefone do resolve-tudo, não leve a mal. Isso pode encerrar de vez aquela briguinha com Ju Betsabé. Consta que ela anda solitária pela Grécia, incomodando as classes armadas defensoras dos políticos de lá. Pois aproveite: meia reza e ela se manda, você a espera no Galeão. Rimos tanto da brincadeira, Juanito e eu, depois toda a tribo lá da palafita em Porto Alegre. O litoral uruguaio, de La Tablada para cima, morreu de rir ao telefone. Estávamos felizes.

Deus meu, Carlito um dia ligou.

Quanto ao divino atual, seja de exclamações aos astros ou de fervoroso batuque, desejamos-lhe sorte, com cem por cento de acertos no seu trabalho.

Aquele outro não foi tão feliz. No primeiro fogo que Carlito tomou, as paredes do hotel da Barata Ribeiro o sufocando de saudades, aquela dor por dentro, e nada de Ju Betsabé, telefonou para o vidente ou seja lá o que era. Carlito rindo muito, contente em testar o profissional dos mistérios, ele sabe se comportar. Lembre-se, Sr. 2462-4881: um sujeito com sotaque uruguaio, voz média para grave, risonho. Um cara muito agradável. Paga o que pedir, sem regatear.

Daquela vez não sabíamos que o maluco iria telefonar, senão teríamos nos antecipado e pedido ao Divino para dar uma maneirada nos prognósticos.

Além da recomendação para pegar leve, diríamos: Tente não esquecer o seguinte, ó notável bruxo: não erre. Não sabemos como dizer exatamente... hummm..., ah, por falar em astros, digamos que se o amigo der uma erradinha de nada, um deslizezinho que as outras pessoas aceitam, afinal as piranhas não prestam mesmo e tal, então não haverá na Terra lugar onde o ilustre mágico poderá se esconder. Mude-se para Saturno: ele vai te pegar.

Mea culpa, hoje dizemos, Juanito e eu, ao contemplarmos o passado. Passado feio. Após abrir caminho a fogo, oito tiros deu Carlito no Divino, depois de receber um onde a morte passou zunindo e tirou um pedaço da sua orelha esquerda.


Mudamos de assunto para escolher o primeiro boteco para beber em Copa. Voto na rua Domingos Ferreira, Juanito na Sá. Bato o martelo, vamos para a Sá Ferreira. Hoje o dia foi complicado, Juanito deu passagem de graça para o além para cinco mercenários de Mr. F. Febraban, neste momento devem estar falando mal de nós, em consulta com o Divino. À meia-noite, de bar em bar, estaremos em Botafogo, já próximos da Lapa. 

Não vamos recomendar a Carlito, enfim, uma vez bastou. Porém, senhor ou senhora 2462-4881: se o telefone tocar e o sotaque for aquele, desligue.



Por falar em Carlito, o esperamos amanhã, na rua código Antonio Peru, em Copa. Chegue bem, guri, Juanito está mais preocupado do que eu.




4 comentarios:

  1. Gostei do conto...Esse é leve. E bem escrito...

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  2. Minha irmã, no dia que voltares da Costa Verde, entrada quem vem de Santa Cruz, veja se o número ainda não está lá.

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  3. Boa pegada pra fazer valer o "trago a pessoa amada"! 😃

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