Sexta-feira de verão em Porto Alegre. Segundo o António Portuga a moçada bebeu cinco caixas de cerveja durante a tarde, acompanhando pela tevê a defesa dos réus do mensalão. Uma festa, consta que as gargalhadas da turma foram captadas em Marte pelo robô Curiosity.
Os transeuntes que passavam pelo Botequim do Terguino, atraídos pelo alarido, entravam para ver do que se tratava, e acabavam contaminados pelo clima reinante, logo havia gente cervejando em pé, risos e harmonia, ajudando a ridicularizar os artistas que se contorciam na tevê. Segundo o filósofo Aristarco de Serraria, "o teatro bufão era tão estúpido que a única reação possível foi o riso".
João da Noite reapareceu depois de muitos dias de ausência, e a presença do futuro prefeito da capital dos gaúchos, pelo Partido dos Boêmios (em constituição), foi mais um motivo para os festejos. Alguns estranharam vê-lo sem camisa e com um punhal branco enfiado na calça de terno, nas costas, de pegar com a mão esquerda. A ponta da arma lhe batia bem abaixo da bunda, por dentro.
Gustavo Moscão perguntou-lhe por onde andou e João foi curto na resposta, desestimulando novas inquirições: "Tava chineando".
"Viu a Olímpiada?"
"Não. Aliás, olhei alguma coisa hoje aqui, no riplêi, mas larguei de mão quando mostraram umas abobadas, como ousam tirar os pelos que Deus lhes deu? Tiram tudo, pernas e sovaco. E vi esgrima, aquela viadagem. Quando eu for prefeito vamos fazer os Jogos do Sul na Portinho, aí vai ser briga de facão três-listras, sem capacete de motoqueiro e sem camisa, a morrer. Tu já viu punhal feito de osso de porco-do-mato gigante?"
Moscão, que é o boxeador da turma, costumeiro surrador de aspones de deputados ruralistas, sentiu o drama e balbuciou: "Não, João, nunca vi, mas não quero ver agora".
Aristarco depois nos confidenciou: "O nosso prefeito estava amigado com uma chinoca que mora no meio do mato, em algum lugar pra lá do Espinilho, interior de Palmeira das Missões, num fundão, uma que nunca viu cidade nem caderno, nem os vizinhos daquelas lonjuras sabem se ela existe mesmo, é uma lenda para os moradores daqueles confins, dizem que já matou dez que tentaram pegá-la em noites de relâmpagos, usa punhal de 30 cm, branco. As intenções deles não eram boas. Falam que é uma mulher muito bonita que vive na floresta, uma deusa esquecida, mas ninguém sabe mesmo, a maioria diz que é invenção, raros moradores contam que viram a aparição em noites de tormenta, de longe, nua, pelo luzeiro dos raios, se movimentando em alta velocidade por trás das árvores".
Dá uma bicadinha no trago e segue:
"João a conheceu quando errou a estrada que o levaria a Maravilha, em Santa Catarina, ou Iraí, no RS, algo assim, ia visitar umas tiangas, ele estava bêbedo. A fubica quebrou e não é que o gaudério me entra na mata de litro de uísque na mão, procurando sinal de viventes mais além, depois da escuridão dos matos que não acabavam mais. Quando se deu conta estava num breu em que não via nem a Lua, mas boêmio não se assusta, tomou mais uns goles e seguiu em frente pela escuridão, alheio aos rosnados dos bichos e aos gritos das aves noturnas, perturbados em seu sono pelo guarani que invadia seus domínios cantando Fui passear lá na cidade no meu preto marchador, dei uma volta na praça e uma moça me chamou... Ouviu uns crrruhuhu e parou para levar um lero com uma coruja, tomou mais uns tragos, ficou pensando em qual bolero cantar para a companheira "das nossas", da noite, aí se atrapalhou numas unhas de gato, emaranhou-se, pisou no lugar errado e foi mordido por uma cobra".
Aristarco pede licença e num talho vai o liso inteiro de branca com losna. Estala a língua. Pede outro. Segue.
"Bah, tchê. Bêbado e criança têm mais sorte que juízo. No outro dia acordou na palhoça da mulher. Acordou é modo de dizer: ardendo em febre, com a perna tapada de ervas, sonhando que via uma morena belíssima, cosa de Vênus, nua do ângulo de visão do sonho, o torax e o rosto, que o olhava firme. Em dois dias sarou, mas ficou lá quinze, e amanhã se manda de volta. Diz que a alemoa de pele morena, olhos puxados de índia, com uns cabelos aloirados que lhe tomavam as costas, lhe dava um chá numa cumbuca, amargo de doer, devagarinho, mas de um jeito como nunca. Mesmo depois de curado, seguiu lhe dando na boca, água e umas frutas silvestres que nunca vi, se ele recussasse ela apertava, olhos negros em brasa, e falava brava sem gritar numa língua estranha que era um canto saído da garganta".
Aristarco ergue o copo na altura dos seus olhos e o examina: "Ele acha que o remédio era losna misturada com outra coisa". Depois novamente esvazia o copo numa talagada, taiaiau. Prossegue.
"Está apaixonado, agora lembra dela e ergue o copo, exclamando 'Oigalê china lindaça, querida, carinhosa, sincera, valente, araponga da manhã, amor da minha vida!'. Custou a me contar esse pouco. E ficou com o olhar perdido sei lá onde. Não quero dizer nada, mas de repente precisaremos achar outro prefeito."
Sábios se entendem. Aristarco de Serraria hoje é irmão de João Adalberto Fagundes "da Noite". Esse assunto, trazido por Aristarco, é sério demais para que aqui teçamos algum comentário. João acertou em algo muito melhor que a mega-sena. Ficamos com a mesma preocupação de Aristarco: nunca mais falaremos com o João se ele perder o rudimentar mapa que ele mesmo fez para encontrá-la, a ela que o espera, lá no fim do mundo.
"Viu a Olímpiada?"
"Não. Aliás, olhei alguma coisa hoje aqui, no riplêi, mas larguei de mão quando mostraram umas abobadas, como ousam tirar os pelos que Deus lhes deu? Tiram tudo, pernas e sovaco. E vi esgrima, aquela viadagem. Quando eu for prefeito vamos fazer os Jogos do Sul na Portinho, aí vai ser briga de facão três-listras, sem capacete de motoqueiro e sem camisa, a morrer. Tu já viu punhal feito de osso de porco-do-mato gigante?"
Moscão, que é o boxeador da turma, costumeiro surrador de aspones de deputados ruralistas, sentiu o drama e balbuciou: "Não, João, nunca vi, mas não quero ver agora".
Aristarco depois nos confidenciou: "O nosso prefeito estava amigado com uma chinoca que mora no meio do mato, em algum lugar pra lá do Espinilho, interior de Palmeira das Missões, num fundão, uma que nunca viu cidade nem caderno, nem os vizinhos daquelas lonjuras sabem se ela existe mesmo, é uma lenda para os moradores daqueles confins, dizem que já matou dez que tentaram pegá-la em noites de relâmpagos, usa punhal de 30 cm, branco. As intenções deles não eram boas. Falam que é uma mulher muito bonita que vive na floresta, uma deusa esquecida, mas ninguém sabe mesmo, a maioria diz que é invenção, raros moradores contam que viram a aparição em noites de tormenta, de longe, nua, pelo luzeiro dos raios, se movimentando em alta velocidade por trás das árvores".
Dá uma bicadinha no trago e segue:
"João a conheceu quando errou a estrada que o levaria a Maravilha, em Santa Catarina, ou Iraí, no RS, algo assim, ia visitar umas tiangas, ele estava bêbedo. A fubica quebrou e não é que o gaudério me entra na mata de litro de uísque na mão, procurando sinal de viventes mais além, depois da escuridão dos matos que não acabavam mais. Quando se deu conta estava num breu em que não via nem a Lua, mas boêmio não se assusta, tomou mais uns goles e seguiu em frente pela escuridão, alheio aos rosnados dos bichos e aos gritos das aves noturnas, perturbados em seu sono pelo guarani que invadia seus domínios cantando Fui passear lá na cidade no meu preto marchador, dei uma volta na praça e uma moça me chamou... Ouviu uns crrruhuhu e parou para levar um lero com uma coruja, tomou mais uns tragos, ficou pensando em qual bolero cantar para a companheira "das nossas", da noite, aí se atrapalhou numas unhas de gato, emaranhou-se, pisou no lugar errado e foi mordido por uma cobra".
Aristarco pede licença e num talho vai o liso inteiro de branca com losna. Estala a língua. Pede outro. Segue.
"Bah, tchê. Bêbado e criança têm mais sorte que juízo. No outro dia acordou na palhoça da mulher. Acordou é modo de dizer: ardendo em febre, com a perna tapada de ervas, sonhando que via uma morena belíssima, cosa de Vênus, nua do ângulo de visão do sonho, o torax e o rosto, que o olhava firme. Em dois dias sarou, mas ficou lá quinze, e amanhã se manda de volta. Diz que a alemoa de pele morena, olhos puxados de índia, com uns cabelos aloirados que lhe tomavam as costas, lhe dava um chá numa cumbuca, amargo de doer, devagarinho, mas de um jeito como nunca. Mesmo depois de curado, seguiu lhe dando na boca, água e umas frutas silvestres que nunca vi, se ele recussasse ela apertava, olhos negros em brasa, e falava brava sem gritar numa língua estranha que era um canto saído da garganta".
Aristarco ergue o copo na altura dos seus olhos e o examina: "Ele acha que o remédio era losna misturada com outra coisa". Depois novamente esvazia o copo numa talagada, taiaiau. Prossegue.
"Está apaixonado, agora lembra dela e ergue o copo, exclamando 'Oigalê china lindaça, querida, carinhosa, sincera, valente, araponga da manhã, amor da minha vida!'. Custou a me contar esse pouco. E ficou com o olhar perdido sei lá onde. Não quero dizer nada, mas de repente precisaremos achar outro prefeito."
Sábios se entendem. Aristarco de Serraria hoje é irmão de João Adalberto Fagundes "da Noite". Esse assunto, trazido por Aristarco, é sério demais para que aqui teçamos algum comentário. João acertou em algo muito melhor que a mega-sena. Ficamos com a mesma preocupação de Aristarco: nunca mais falaremos com o João se ele perder o rudimentar mapa que ele mesmo fez para encontrá-la, a ela que o espera, lá no fim do mundo.
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Você escreve sempre mto bem. " Partido dos Boêmios" ??? Bjus Lourdes
ResponderBorrarPois é, Lourdes, os boêmios cansaram de "tudo isso que está aí", coligações de estelionato para a divisão do butim, até comunas com a extrema-direita, Lula com Maluf, e estão ensaiando a constituição de um novo partido, para 2016. O João seria o candidato a prefeito, o pessoal tem como certa a sua eleição, o índio é fera.
ResponderBorrarGrato pelo recado.
Salito